BRASÍLIA – Afogado em delações e planilhas de empreiteiras, o Senado produziu, enfim, uma boa notícia. Na noite de terça-feira (13), a Casa aprovou um projeto que promete acabar com a farra dos supersalários no funcionalismo.
O texto regulamenta uma norma da Constituição: nenhum servidor pode ganhar mais do que os ministros do Supremo Tribunal Federal. O teto já existe desde 1988, mas é ignorado por diversos órgãos públicos.
Pelos valores em vigor, todo contracheque deveria respeitar o limite de R$ 37.476,93. No entanto, a regra é driblada com a farta distribuição de penduricalhos, disfarçados de auxílios, gratificações e jetons.
O Judiciário lidera o campeonato dos supersalários. De cada quatro magistrados brasileiros, três ganham acima do teto, segundo levantamento publicado em outubro pelo jornal “O Globo”. Dos 1.671 desembargadores que tiveram suas folhas analisadas, só 51 recebiam conforme a lei.
A distorção é estimulada pela falta de transparência e por decisões judiciais em favor dos próprios juízes. Uma liminar do ministro Luiz Fux, concedida há mais de dois anos, garante auxílio-moradia de R$ 4.377,73 a todos os magistrados federais.
Na sessão de terça, a senadora Kátia Abreu quase perdeu o fôlego ao enumerar os benefícios que engordam os supersalários. “Verbas de representação, parcelas de equivalência ou isonomia, abonos, prêmios, adicionais, inclusive anuênio, biênio, triênio, quinquênio, sexta parte, cascatinha, 25%, trientenário, quintos, décimos… eu nem sabia que existia tudo isso!”, surpreendeu-se.
A associação dos juízes federais, que não se constrange em defender os penduricalhos, acusou o Senado de usar o tema para retaliar a categoria. “É de se estranhar que somente agora, quando o Judiciário está empenhado no enfrentamento da corrupção, venham iniciativas do tipo controle de salários”, reclamou. Se for verdade, estamos diante de mais um efeito positivo da Lava Jato.
Agenda do governo Temer avança, apesar da histeria dos porras-loucas, por REINALDO AZEVEDO
Quantas vezes, leitor, aquele seu amigo que vestiu verde e amarelo e estreou nas ruas gritando “Fora, Dilma” já o encontrou numa festa, no shopping ou no Metrô e reclamou de Michel Temer? A meio-tom, pesaroso, como se tentasse esconder até de si mesmo a decepção, exclama: “Esse Temer é muito devagar!”
Então, meu caro, eu gostaria de tranquilizá-lo um pouco, apesar dos números do Datafolha, que deveriam ser lidos com lupa pelos conservadores, nem sempre instruídos pela lógica elementar.
A desordem institucional, como nos ensina a história, só interessa ao mundo-canismo populista, de esquerda ou de direita.
Seria demasiado escrever aqui que você não deve acreditar na imprensa. Afinal, é este um texto de imprensa. Mais ainda: todas as evidências que vou listar de que temos um bom governo –dadas as circunstâncias (mas quando é que não, né?)– estão noticiadas na… imprensa! É que jornalistas são treinados para caçar contradições, não coerências. Somos todos viciados em bastidores, suspeitas, conspirações palacianas. Às vezes, perdemos a noção do conjunto, apegados demais à miudeza de interiores.
Temer está no governo há menos de quatro meses. Há muito tempo, como diz uma amiga, “o país não via uma agenda que fizesse sentido”. Ou que fosse composta de escolhas que caminham numa mesma direção.
E olhem que não me lembro de tão explosiva conjugação de irresponsabilidades oriundas do Judiciário, do Ministério Público, do Legislativo e de setores da imprensa (sim, sempre estamos no meio…). Varões e varoas da República perderam completamente a noção de institucionalidade. Ministros do STF, por exemplo, concedem liminares ilegais com mais ligeireza do que César atravessou o Rubicão. São os Césares de hospício! Procuradores têm a ousadia de convocar as ruas contra o Congresso, exibindo algemas como credenciais políticas. Parlamentares sonham com retaliações…
Ainda assim, nesse pouco tempo, o governo Temer conseguiu:
a – aprovar uma PEC de gastos que, quando menos, impedirá o Brasil de virar um Rio de Janeiro de dimensões continentais:
b – aprovar na Câmara a medida provisória do ensino médio, depois de enfrentar um cipoal de mistificações e desinformação;
c – aprovar a MP do setor elétrico, área especialmente devastada pelo governo de Dilma Rousseff, a dita especialista;
d – aprovar o projeto que desobriga a Petrobras de participar da exploração do pré-sal –e contratos já foram fechados sob os auspícios do novo texto;
e – aprovar a Lei da Governança das Estatais, que é o palco principal da farra;
f – apresentar uma boa proposta de reforma da Previdência, que vai, sim, enfrentar muita resistência;
g – no BNDES, ultima-se o levantamento do estrago petista, e o banco se prepara para retomar financiamentos.
Não é pouca coisa. E por que, lava-jatismo à parte, a sensação de pasmaceira? Uma resposta óbvia: nada disso tem impacto imediato na vida das pessoas. Então não existe uma resposta popular aos atos virtuosos, que possa se impor à eventual má vontade ou cegueira de analistas.
Mas esse não é o fator principal. Olhem o que vai acima. Estamos diante de uma agenda que interessa ao Brasil e aos brasileiros, mas que não é nem “de” nem “da” esquerda. Tampouco traduz o espírito policialesco dos Savonarolas e jacobinos, com seu gosto por fogueiras e guilhotinas. Trata-se de escolhas que dizem respeito ao território da política, não da polícia.
Por isso extremistas de esquerda e de direita gritam: “Fora, Temer!”
Por isso digo: “Dentro, Temer!”
Um bom pacote para depois da crise, por VINICIUS TORRES FREIRE
O pacotinhO no qual Michel Temer quis embrulhar a sua crise é um catadão de medidas que deve ter impacto quase nenhum na “retomada” da economia, embora não seja irrelevante –ao contrário.
De mais “pop”, tem o possível aumento do rendimento do FGTS (de TR mais 3% para TR mais 5% ao ano, por aí). O uso do FGTS para abater dívida ficou para depois, se é que virá.
Como peça de relações públicas, o pacote teria alguma graça caso não fosse abafado pelo tumulto político e pelo esquecimento em que cairá, dada a demora de implementação.
Mas o governo fez questão de dar peso ao seu anúncio. Erro. O show foi acanhado como a mesa atrás da qual as autoridades se acotovelavam, “unidas na crise”.
Estavam lá Rodrigo Maia, presidente da Câmara, Renan Calheiros, do Senado, Henrique Meirelles (Fazenda), Michel Temer, Eliseu Padilha (Casa Civil) e Dyogo Oliveira (Planejamento). Maia, como de costume, cutucava o celular. Temer e Padilha estavam com cara de coveiro em tempo de epidemia.
O pacote teve providências que ainda estavam obviamente em estudo, na prancheta, como a tentativa de reduzir custos e juros do uso de cartão de crédito para lojistas e consumidores. Teve reciclagem de medidas que tomavam poeira desde que foram aprovadas, ainda sob Dilma Rousseff. Outras eram pão dormido, como o refinanciamento de dívidas de pequenas empresas no BNDES.
De maior impacto é a facilitação do pagamento de dívidas de empresas com o governo. As firmas vão poder usar créditos tributários ou prejuízos fiscais para abater qualquer dívida, mesmo previdenciária. Quando têm prejuízo fiscal, as empresas podem reduzir a base de cálculo do imposto de anos em que têm lucro fiscal (valor que é a base de cálculo para pagamento de impostos). Agora, podem reduzir dívida já.
Os débitos poderão ser refinanciados em prazos que vão de cinco a dez anos, com taxa de juros Selic.
Por causa da recessão e de sucessivos refinanciamentos (Refis), as empresas atrasam cada vez mais o pagamento de impostos. Esse refinanciamento pode, pois, reduzir a desordem e as dívidas. Algum alívio. É uma mistura de um programa do ano passado (Prorelit) com Refis.
O governo prometeu regulamentar a Letra Imobiliária Garantida (LIG), uma espécie de Letra de Crédito Imobiliário (LCI) mais complexa e segura. Com a LIG, os bancos tomariam empréstimos (vendem papéis) garantidos também por créditos imobiliários. Seria uma fonte nova e importante de financiamento de imóveis. Encrencou desde que foi aprovada, ainda sob Dilma.
Ainda de interesse, o adicional da multa por demissão, aqueles 10% do FGTS que não ficavam com o trabalhador, serão reduzidos em um ponto percentual por ano. Ok.
Há medidas importantes de simplificação da vida das empresas e de reduções de custos, como um eSocial para pagamentos de vários tributos, hoje um inferno, e regras menos imbecis para abrir e fechar firmas. Devem valer lá por 2018.
O pacote foi em parte uma vitória “técnica” dos economistas. Não teve mágicas e milagres. No médio prazo, se de fato implementado, deve limpar entulhos burocráticos (problema que, aliás, deveria merecer uma equipe ministerial inteira, o que não há).
Melhor que nada. Mas não faz coceira na recessão.
Para enfrentar a crise política é preciso avançar com as reformas, por PEDRO LUIZ PASSOS
Se a volta da normalidade econômica é a prioridade que movimenta o Congresso Nacional, sugerindo reconhecer, ainda que tardiamente, a precariedade das contas públicas em todo o país, à gestão de Michel Temer só resta dobrar a aposta nas reformas até por sobrevivência.
Com sua base política, e ele mesmo, no foco das atenções devido à súbita profusão de vazamentos de delações nem sequer homologadas, o que está ameaçada é a coesão formada para tirar a economia da crise a partir do ataque às causas que a levaram a uma recessão profunda, com um biênio de retração e o prognóstico de outro ano muito fraco.
Ainda que não houvesse as incertezas políticas, o quadro já seria dos mais graves tal o banzé fiscal perpetrado nos últimos anos em escala industrial. Mas com desassossego não se sai do lugar.
Governo fragilizado politicamente é como time ameaçado pelo descenso –todo jogo é tenso e decisivo.
A aprovação final, depois de quatro rodadas de votações na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, da PEC que limita o aumento real do gasto público nos próximos 20 anos é uma demonstração de que há consenso sobre os rumos que o país deve tomar.
Há outras paradas indigestas, todas cruciais, como a que começou a tramitar para reformar a previdência. Mas, como já mostra o jogo de cena dos setores mais oportunistas da base governista na Câmara, a tramitação da PEC da Previdência deverá ser acidentada. Ela é irmã siamesa da PEC do Teto, por sua vez, um conjunto vazio de intenções se não for seguida de muitas outras reformas e decisões “ad hoc”.
O colapso de vários governos estaduais ajuda a percepção do fim de linha da tolerância com a inépcia da governança pública. O caso do Rio de Janeiro, em que o secretário da Fazenda revelou dispor de provisão para apenas sete meses da folha de pagamento em 2017, é um trailer do filme de horror em exibição no país. Não há jeito, os Estados terão de encolher em contrapartida a um pacote vigoroso de ajuda pela União.
Nos tempos de folga fiscal, crédito farto, poucas dívidas, demanda externa forte, bastava abrir as torneiras, como se fez a partir de 2004. Tais saídas hoje estão bloqueadas porque não souberam usar as torneiras com parcimônia.
Mas o que ainda segura a atividade econômica é agora solução para ajudar a aliviá-la –o ciclo da Selic. O Banco Central dá sinais de sentir-se confortável com a inflação, a senha para baixar a taxa de modo expressivo na reunião do Copom de 11 de janeiro. A distensão dos juros é das poucas coisas à mão para dar algum gás à economia e melhorar o ambiente para que avancem as outras reformas essenciais.
A tendência é que as corporações do setor público fiquem isoladas na pressão para preservar seus privilégios, já que se percebe até mesmo entre grupos econômicos ambientados à sombra protetora do Estado a tomada de consciência sobre a necessidade dos ajustes estruturais.
Se o governo mantiver foco e o Congresso Nacional não entrar em pânico com o noticiário adverso, as chances de dar certo ficaram maiores após a aprovação da PEC do Teto. Agora é prosseguir, com uma pitada de ousadia, e resistir às chantagens e pressões. Recuar não é opção.
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