Escutas flagram candidato a vereador levando bronca da mãe por comprar voto
30 de abril de 2017

Apesar disso, JC não conseguiu ser eleito. Decepcionada com o filho, dona Lourdes liga para ele e passa o sabão que toda mãe de maus políticos deveria pegar como exemplo

Você perdeu a eleição (…) Deus é justo”. “Trabalho sério comprando voto não é trabalho sério”. “É por isso que não gosto de política”. Essas são só algumas das lições de honestidade e fé em Deus que fazem parte do repertório de reprimendas de Dona Lourdes de Souza, de 61 anos, ao filho José Carlos de Souza, de 47 anos, o JC, empresário e candidato a vereador de Japeri pelo PT, na última eleição. Decepcionada ao saber pelo marido sobre os desvios do rebento — que admite ter comprado 50 votos por R$ 50 na conquista do cargo de suplente —, ela liga para o filho e passa o sabão que toda mãe de maus políticos deveria pegar como exemplo em tempos de Lava Jato.

A conversa do dia 17 de outubro foi gravada com autorização da 28ª Vara Criminal, porque JC é investigado por suspeita de encomendar um serviço de quadrilha especializada em fraudar documentos no Detran. Sem ter noção do caso, àquela altura na Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA), Dona Lourdes se apega ao mau comportamento do filho na eleição. E mostra que é dura na queda. “Agora, você vê, cadê a honestidade?”, reclamou em um dos trechos. Sem dar a menor importância aos ensinamentos da mãe, ele retrucou: “Não tem honestidade, não”. E justificou que mesmo as pessoas que ele ajudou com enterro de filho e socorro ao médico afirmaram que os votos só estariam garantidos se fossem comprados.

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Implacável, Dona Lourdes lembrou a JC que o nome dele vai ficar sujo na cidade e conhecido como aquele que não se elege nem comprando voto. Mas, sempre com a resposta na ponta da língua, ele rebateu de pronto. “Eu tô querendo que se f*da esse povo. Mãe, eu vendo uma casa e sou rico de novo. E o povo continua na merda!” Na quarta-feira, JC estava em um dos seus endereços no Centro de Japeri. Informado pela reportagem sobre a matéria, ele ficou indignado. De cara, questionou se iria ser “pego para Cristo”. Alegou que teve acesso às gravações telefônicas na DRFA e que o material não representava nada. Ele revelou que ficou 40 minutos na especializada no mês passado, quando teve a oportunidade de dar explicações e foi liberado. Na eleição, JC ganhou 652 votos. Como suplente, ele assume o cargo somente em substituição a outro. Procurada, Dona Lourdes não foi localizada.

Ministério Público investigará gravação

As confissões de JC para a mãe não vão passar em branco. O promotor Marcus Vinicius Leite pediu à 28ª Vara Criminal para encaminhar as escutas telefônicas sobre a compra de votos para o Ministério Público Eleitoral de Japeri. “Assim, o promotor que atua no Eleitoral poderá investigar a prática de abuso de poder econômico. “Ele confessa expressamente ter comprado os votos”, afirmou o promotor.

As lições de Dona Lourdes também são elogiadas pelo promotor. “A atitude da mãe mostra que ainda há salvação para a ética”, analisou Leite. O promotor explicou que as investigações no âmbito criminal contra JC continuam.

Ele foi flagrado em escutas telefônicas encomendando um documento fraudado de um Voyage para Sandoval Macedo das Chagas e Fernanda da Costa Pereira. Eles e mais oito foram denunciados à Justiça pelo crime de organização criminosa por agir no Detran praticando fraudes em documentos e clonagem de placas de carros. “Todos eles são réus na Justiça. Agora, a próxima fase da investigação é sobre as pessoas que contratavam os serviços da quadrilha”, explicou o promotor.

“Vendo o voto sim, mas não voto no candidato”, revelou L, de 45 anos, mãe de cinco filhos, que sustenta com os R$ 275 recebidos pelo Bolsa Família. Ela mora em um bairro de Japeri sem saneamento básico, escola e muito menos hospital — um dos municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado, segundo o IBGE. Ela não esconde o jogo. Na última eleição ganhou R$ 130. E mais: orgulha-se de aplicar o ‘golpe’ nos políticos. 

“Primeiro, vendi para duas pessoas de candidatos diferentes que vieram aqui em casa. Um por R$ 30 e outro por R$ 50. No dia da eleição, depois de votar, outro cara de um candidato me ofereceu R$ 50, voltei e fingi que votei”, contou às gargalhadas. A irmã de L. também fez questão de revelar que vendeu um voto para vereador por R$ 50 e não votou nele. “Dia de eleição é hora de ganhar dinheiro. Uma farra, comprei biscoitos para os meu filhos, que adoraram”, contou I, que tem quatro filhos e a única fonte de renda também é o dinheiro do Bolsa Família.

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Para o cientista político Geraldo Tadeu, esse comportamento do eleitor é comum e também deveria servir de lição para os políticos. “Essa é a hora da revanche. Os eleitores também aproveitam para tirar vantagem. Não adianta fazer churrascos. Eles sabem que depois o político não vai fazer mais nada”, analisou Geraldo Tadeu, professor de Ciências Políticas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e professor visitante da Sorbonne IV.

Ele sustentou que os candidatos estão acostumados a fazer política com base em irregularidades e que espera que nas próximas eleições as ações da Lava Jato tenham efeito. “É preciso quebrar um paradigma cultural”, analisou o cientista político.

Leia a íntegra do diálogo

Mãe: E as coisas aí? Tá tudo calmo?
Filho: Tranquilo. Faltou um pouquinho pra gente. Eu sou o primeiro suplente.
Mãe: Escuta aqui, mas você andou comprando voto aí dos outros?
Filho: Muito. Uns 50.
Mãe: Jura…
Filho: Se eu não compro… E o Alex, que comprou mil (risos)?
Mãe: Deus é justo, meu filho. O Papa tava pedindo tanto pelo Brasil, pelas eleições no Brasil.
Filho: A pessoa quer que o Papa vai tomar no c*!.
Mãe: É por isso que você perdeu, meu filho.
Filho: O povo não quer saber do Papa não, mãe. Quer saber do bispo. Quer saber dos R$ 50.
Mãe: É por isso que perdeu.
Filho: Mãe, não fala bobagem. Não fala bobagem, pelo amor de Deus. 

Mãe: Teu pai falou que você deu cesta básica, que comprou voto.
Filho: Mas, se eu não faço isso, eu não tenho nem 50 votos.
Mãe: Mas era preferível ter nenhum voto honesto do que 600 desonestos.
Filho: Não, não, não é assim. Política, infelizmente, mãe, não é assim.
Mãe: É por isso que eu não gosto de política.
Filho: Não fala bobagem, pelo amor de Deus.
Mãe: Se você me ouvisse, não passava por isso.
Filho: Ó, mãe, presta atenção. Se não fizer, não entra, se não fizer, não entra.
Mãe: Que honestidade é essa? Se você me ouvisse.
Filho: Acorda, p*rra! O Brasil todo, 99% dos políticos que ganhou (sic), essa pobralhada toda. Eu quero que se f*da se vão falar de mim.

Fonte O DIA