CAMINHONEIROS TROCAM PAUTAS DA CATEGORIA POR APOIO POLÍTICO A BOLSONARO
6 de abril de 2019
Quase um ano após a greve que travou o país e que trouxe importantes conquistas para a categoria, os caminhoneiros tentam novamente articular uma paralisação para discutir as pautas do setor; porém, a desarticulação dos condutores favorece o governo, que privilegia as lideranças forjadas em grupos de Whatsapp, em detrimento dos sindicatos, rachando o movimento e inviabilizando a paralisação

Para compreender o racha, é preciso voltar algumas semanas. Ainda em fevereiro, em diversos grupos de Whatsapp, surgiu a articulação para que o movimento organizasse uma paralisação no dia 30 de março. A proposta não agradou os sindicatos, que não aderiram. Receoso com o prejuízo político que traria uma nova greve da categoria, o governo Jair Bolsonaro (PSL) agiu imediatamente. No dia 13 de março, duas semanas antes das manifestações, um dos representantes dos condutores autônomos, o motorista Wallace Costa da Silva, o Chorão, foi recebido pelo líder do governo na Câmara dos Deputados, major Vitor Hugo (PSL-GO).

Onze dias depois, no dia 24 de março, em uma live dentro do seu perfil no Facebook, Chorão afirma que foi recebido por Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, que teria perguntado: “O presidente pediu para perguntar o que vocês precisam para resolver a situação”. Em seu vídeo, Chorão pede para que a categoria desista da paralisação. “Eu sou contra [a greve]”, disse o caminhoneiro.

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Sindicato do Zap

Chorão é reconhecido como uma das principais lideranças do movimento que se organiza, ou tenta, através do Whatsapp. O caminhoneiro, que é original de Osasco, na Grande São Paulo, mas vive em Catalão, no interior de Goiás, foi candidato a deputado federal em 2018 pelo PODEMOS, mas não foi eleito. Apadrinhado politicamente pelo governador Ronaldo Caiado (DEM-GO), o condutor vangloria-se por participar de 850 grupos, com milhares de participantes, que discutem os dilemas da categoria no aplicativo de conversa. Em sua live, que teve 167 mil visualizações, o representante da categoria anuncia aos seguidores que “nos próximos dias o presidente irá se posicionar ao nosso favor.”

Conforme previsto por Chorão, no dia 28 de março Lorenzoni publicou em sua conta no Twitter um vídeo de Bolsonaro e de Tarcísio de Freitas, ministro da Infraestrutura, divulgando propostas para o setor – com destaque para o “cartão-caminhoneiro”, que permitirá aos condutores que tenham crédito para compra de Diesel em postos BR, que pertençam a Petrobras. De acordo com Bolsonaro, em 90 dias a categoria poderá saber detalhes sobre a medida.

Com receio de enfrentar os caminhoneiros, o governo voltou à carga dois dias depois. O presidente anunciou, em 30 de março, uma medida contra o que os condutores chamam de “indústria da multa”. De acordo com o ex-militar, foi cancelada a instalação de oito mil radares em rodovias do país.

Pautas prioritárias seguem sem solução

De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL), que representa 700 mil caminhoneiros, as duas principais pautas que devem ser debatidas e solucionadas são a fiscalização do pagamento do piso mínimo do frete da categoria e o valor do diesel, que aos poucos volta ao patamar de 2018, quando a greve eclodiu.

Conquista da paralisação dos caminhoneiros em 2018, o projeto de lei que regulamenta a política de frete mínimo para transporte rodoviário de carga foi aprovado em julho daquele ano ainda, se tornando a lei federal 13.703/2018. Oito meses depois, os condutores reclamam que as empresas não cumprem o que está estabelecido na tabela elaborada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que possui apenas 500 fiscais para supervisionar 1,7 milhão de quilômetro de rodovias em toda a extensão territorial do país.

“Nós estamos exigindo que a ANTT, que tem o controle desses dados, faça isso eletronicamente. O cara emitiu um conhecimento de transporte abaixo do valor que está determinado em lei, multa. A empresa tem que pagar o valor da multa”, afirma Carlos Alberto Litti Dahmer, presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga de Ijuí (RS), que representa a CNTTL nas negociações com o governo.

Principal bandeira da paralisação de 2018, o diesel volta à cena agora em 2019. Os caminhoneiros pediam o congelamento do preço do combustível na bomba por 30 dias. A Petrobras, então, aprovou internamente a estagnação da tabela por 15 dias, o que desagradou os condutores, que alegam inviabilidade para planejar viagens longas.

A incerteza sobre os valores se dá por conta da política de cálculo do combustível que abastece os caminhões, que é aplicada desde 2016, com influência do preço do barril no mercado internacional e a variação do dólar no câmbio, provocando resultados diários distintos, o que inviabiliza o cálculo do frete. Com o congelamento de 30 dias, alega a categoria, as viagens ficam mais previsíveis.

Para o diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo e Gás e Biocombustíveis (Ineep), Willian Nozaki, a alteração na fórmula do cálculo do combustível marca também o início dos embates internos na categoria.“Essas contradições vieram à tona quando a Petrobras faz a mudança na política de preços e atrela ao preço do diesel a variação do preço de barril de petróleo no mercado financeiro. Isso criou um cenário de instabilidade e incerteza nas viagens.”

Cooptação do movimento

Um dos resultados do corpo a corpo do governo com os caminhoneiros foi a estagnação do movimento, provocando uma paralisação diminuta no dia 30 de março e o chamado para as manifestações do dia 7 de abril, que agradam ao núcleo de Bolsonaro, fiel pregador da Lava Jato, que levou o pai da operação, o juiz Sérgio Moro, para dentro de seu governo. A baixa adesão às manifestações retirou o apelo midiático que a categoria conquistou em 2018 e jogou para o rodapé dos jornais as reivindicações do setor — além de escancarar um racha entre os sindicalistas e os líderes do movimento que se articulam pelo Whatsapp.

Litti, representante da CNTTL, afirma que foi recebido apenas duas vezes pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, ambas no âmbito do Fórum Permanente para o Transporte Rodoviário de Cargos (TRC), retomado recentemente para discutir as pautas de interesse do setor. Por outro lado, o governo recebe lideranças reconhecidas em grupos de Whatsapp, legitimando e jogando luz nos representantes do aplicativo de mensagens online.

Nozaki critica a atuação do governo e alerta para a captura do movimento. “Temer e Bolsonaro responderam as demandas da categoria de forma atabalhoada, talvez exatamente porque o governo tenha encontrado dificuldade em dialogar com uma categoria tão fragmentada. Agora, diante desse cenário, o governo estimula a interlocução com os segmentos que não são representativos exatamente para poder desorganizar a mobilização da categoria. Eu entendo que é uma forma de cooptação o estabelecimento desse tipo de interlocução, mas é parte desse novo jogo que se estabeleceu entre governo, capital e trabalho”, explica.

Dia 7 de abril nas ruas

Ferramenta fundamental para a greve de 2018, o Whatsapp continua alimentando – e confundindo – o movimento. A reportagem do Brasil de Fato está em sete grupos formados por caminhoneiros no aplicativo de conversas. Nesses espaços, os condutores de diversas regiões do país opinam sobre a paralisação e articulam o movimento. Desde que Chorão e outras lideranças foram recebidas por Lorenzoni, houve uma guinada na expectativa de uma nova manifestação.

Em meio ao caos, toda sorte de opinião e meme, há um consenso: a necessidade de preservar o governo de Jair Bolsonaro. “90% da categoria apoiou o governo. Um mês ficou (Bolsonaro) internado, dez dias viajando e depois veio Brumadinho, faz as contas, quanto tempo que ele está no governo? Tem muita gente querendo usar a categoria como boi de piranha e massa de manobra, é um tiro no pé. Nós confiamos no Bolsonaro, a Casa Civil está aberta para o diálogo”, afirmou Chorão em sua live.

Entre os grupos de Whatsapp, a informação da manifestação no dia 7 de abril já está sacramentada e a cada dia o movimento ganha mais adesão e memes. Entre os argumentos de defesa do ato no dia 7 de abril, não estão as pautas da categoria, mas o apoio à Lava Jato e o “fim do STF”. Outro consenso é a aversão aos sindicatos.

“Isso parte daquele cara que nunca foi numa reunião, que nunca participou exatamente de nada e que é individualista por natureza. Esse cara generaliza, dizendo que todo mundo é ladrão e corrupto. Mas na primeira oportunidade que tem fura fila e depois baixa o preço do frete do companheiro que estava na vez para carregar. Mas esses mesmos, quando tem um problema, batem na porta da nossa entidade. O piso mínimo de frete não foi o Espírito Santo quem conseguiu, foi o movimento organizado”, rebate Litti. “A minha recomendação é que a gente fique fora disso e que estejamos organizados como categoria para resolver nossos problemas”, encerra.

O Brasil de Fato tentou durante dois dias entrevistar Wallace Landim, o Chorão. Porém, a liderança informal dos caminhoneiros parou de responder a reportagem no Whatsapp e não retornou as ligações.

Fonte: https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/389340/No-WhatsApp-caminhoneiros-trocam-pautas-da-categoria-por-apoio-político-a-Bolsonaro.htm