A Constituição Federal vigente estabeleceu, em seu artigo 225, caput, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Apesar de o senso comum normalmente associar à noção de meio ambiente aspectos meramente naturalísticos (água, ar, solo, fauna, flora etc.), o conceito de meio ambiente é muito mais amplo e compreende outras dimensões, a exemplo do meio ambiente artificial (integrado pelo espaço urbano construído pelo homem, na forma de edificações e equipamentos tais como praças, parques e ruas); e meio ambiente cultural (integrado pelo patrimônio histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico e pelas sínteses culturais que integram o universo das práticas sociais das relações de intercâmbio entre o homem e a natureza ao longo do tempo).
Esse conceito holístico de meio ambiente já foi objeto de reconhecimento por parte da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que decidiu:
“A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, artigo 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. (STF – ADI-MC 3540 DF, Rel. Celso de Mello. j. 01/09/2005).”
Vertente que merece maiores estudos e abordagem doutrinária mais profunda diz respeito ao chamado meio ambiente do trabalho ao qual o constituinte faz expressa menção (artigo 200, VIII), sendo ele constituído pelo conjunto de bens, instrumentos e meios, de natureza material e imaterial, em face dos quais o ser humano exerce suas atividades laborais.
Para Norma Sueli Padilha, o meio ambiente do trabalho compreende o habitat laboral onde o ser humano trabalhador passa a maior parte de sua vida produtiva provendo o necessário para sua sobrevivência e desenvolvimento por meio do exercício de uma atividade laborativa, abrange a segurança e saúde dos trabalhadores, protegendo-os contra todas as formas de degradação e/ou poluição geradas no ambiente do trabalho.
Nesse cenário, a observância das normas relacionadas ao meio ambiente do trabalho é essencial para assegurar o desenvolvimento do labor de forma hígida, saudável e salubre, objetivando o bem-estar físico e psíquico do trabalhador.
Uma das formas mais básicas da proteção dos trabalhadores contra riscos existentes no ambiente laboral e que podem decorrer de eventos como ruído, calor, frio, vibrações, trepidações, radiações, dispersões, gases, vapores, iluminação etc., é a elaboração de programas de prevenção de acidentes e adoção de medidas de segurança, a exemplo do fornecimento de equipamentos de proteção individual.
Em tal sentido, o artigo 19, § 1º. da Lei 8.213/91 estabelece que é obrigação de toda e qualquer empresa a adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança do trabalho, impondo um dever jurídico de agir aos empregadores.
Tema pouco explorado no âmbito do direito penal ambiental diz respeito à possibilidade de pessoas jurídicas serem responsabilizadas criminalmente em razão do descumprimento da obrigação acima descrita.
Vale ressaltar que o artigo 19, § 2º. da Lei 8.213/91 (antecedendo em muito a Lei de Crimes Ambientais, surgida em 1998), com lastro no artigo 225, § 3º da Constituição Federal, previu um tipo penal específico sobre o tema, com a seguinte redação: “Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho”.
Conquanto bastante singelo e com aplicação prática reduzida, o tipo penal reúne elementos que permitem a sua plena aplicabilidade, no nosso sentir.
Primeiramente a lei define que a natureza da infração é de contravenção penal. A natureza prevista está em conformidade com a definição do artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, segundo o qual considera-se contravenção a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
O elementos descritivos do tipo consistem em “deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho”, de onde se exsurge que a contravenção penal se caracteriza pela forma omissiva, consistente em deixar de cumprir (descumprir, desobedecer, não atender, não acatar).
Trata-se de norma penal em branco, pois as “normas de segurança e higiene do trabalho” são diplomas complementares materializados em leis ou atos administrativos relacionados ao regramento do ambiente laboral[1].
Destaca-se, a propósito, que a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei 5.452/43, estabelece que:
“Artigo 166 — A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.”
Ademais, a CLT atribui ao Ministério do Trabalho competência para estabelecer disposições complementares relacionadas a medidas de prevenção de acidentes, o que abre perspectiva de complementação do tipo penal por meio de atos de cunho administrativo.
Também é de se destacar as diversas Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que tratam da prevenção de acidentes e foram internalizadas ao ordenamento jurídico vigente, consoante se vê do Decreto 10.088/2019.
Voltando ao tipo penal, constata-se que o preceito secundário sanciona a conduta com a pena de multa, que é expressamente prevista em nossa Constituição Federal (artigo 5º, XLVI, c) e guarda absoluta compatibilidade com a repressão de condutas envolvendo pessoas jurídicas.
A fixação do valor da sanção deverá obedecer ao previsto nos arts. 49 do Código Penal e 18 da Lei 9.605/98 e variará entre 10 e 360 dias-multa. O valor do dia-multa será fixado pelo juiz, não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário-mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário. Por se tratar de delito com natureza ambiental, quando a multa se revelar-se ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, ela poderá ser aumentada até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica eventualmente auferida.
Os valores devem ser destinados ao Fundo Penitenciário da Unidade Federativa em que ocorrer a infração ou, à sua falta, ao Fundo Penitenciário Nacional.
Para fins de imputação da responsabilidade penal à pessoa jurídica no caso em apreço, entendemos ser necessária a conjugação do artigo 19, § 2º. da Lei 8.213/91 com o estabelecido pela Lei 9.605/98 acerca do tema:
“Artigo 3º — As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.”
Incumbe aos Auditores Fiscais do Trabalho a comunicação ao Ministério Público Estadual[2] (artigo 116, VI, da Lei 8.112/90 e artigo 66, I, do Decreto 3.688/41) dos casos em que se constatar o descumprimento das medidas de proteção e segurança do trabalho para fins de ser promovida a correspondente responsabilidade criminal dos autores.
Enfim, apesar de praticamente inaplicada até os dias de hoje, a contravenção penal prevista no artigo 19, § 2º da Lei 8.213/91 tem potencialidade para contribuir para a maior observância das normas vigentes em nosso país sobre a proteção do meio ambiente do trabalho.
[1] É da empresa a responsabilidade pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador, constituindo contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho (artigo 19, §1º e 2º da Lei nº 8.213/91). (TRT 9ª R.; Proc. 99501-2006-093-09-00-4; Ac. 02688-2008; Segunda Turma; Relª Desª Rosemarie Diedrichs Pimpão; DJPR 29/01/2008)
[2] Considerando que o Ministério Público do Trabalho não possui atribuição criminal e que a Justiça Federal não é competente para o julgamento de contravenções (artigo 109, IV, CF/88), a atribuição para conhecer dos fatos e adotar as providências criminais cabíveis toca ao Ministério Público dos Estados.
Fonte: Conjur
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