Durante muito tempo da história da humanidade a vontade do governante era transformada em leis para serem obedecidas pelo povo. A democracia criou o estado de direito, através do qual a autoridade e o cidadão comum se obrigavam a respeitar as leis, oriundas da vontade não somente do mandatário, mas também de toda a comunidade. A realidade mostra, entretanto, que as leis não são originadas nem se prestam para servir à população, mas são feitas para agradar aos governantes e simplesmente para acomodar os reclamos populares.
Na divisão de poderes a competência para a criação de leis é do Poder Legislativo, mas qual a legitimidade que se pode emprestar aos legisladores se a todo momento surgem denúncias de corrupção no seio do Congresso Nacional?
O Estado-legislador preocupa-se mais em fazer leis que protegem o Estado-administrador do que mesmo em satisfazer aos anseios do povo. Ainda assim, quando o Estado-administrador quer, não se sente constrangido em violar as leis elaboradas pelo Estado-legislador e o Estado-justiça sente-se impotente para punir o Estado-administrador, dentre outros motivos, porque este dificulta para aquele as condições mínimas para seu funcionamento. Daí resulta a má prestação dos serviços judiciários.
O ministro Marco Aurélio expressa bem esta situação, afirmando que “Enquanto acharmos que podemos consertar o Brasil fazendo leis, não sairemos do lugar”.
Nos tempos atuais, a fraude à lei torna-se apanágio de “boa” administração. A maior demonstração de fuga à lei, no Executivo, situa-se no uso indevido dos precatórios, das medidas provisórias, nas alterações de leis de acordo com sua conveniência e na enxurrada de ações judiciais requeridas pelo Estado ou contra ele ajuizadas. Calcula-se que em torno de 80% dos recursos no Judiciário envolvem de alguma forma o Estado.
Há leis em demasia, leis repetidas, contraditórias, ultrapassadas, inúteis, absurdas, casuísticas, leis que são cumpridas e leis que não são respeitadas.
Oto Lara Rezende foi muito feliz quando assegurou que, no Brasil, as leis são como vacinas, umas pegam, outras não.
O descaso na edição, na execução e no cumprimento das leis alcança os legisladores, os governantes e os magistrados, que perdem autoridade para exigir respeito às normas.
O anuário da Justiça Brasil 2012 revela que 8 (oito) em cada 10 (dez) leis estaduais, federais do país são submetidas ao crivo do Supremo Tribunal Federal e são julgadas inconstitucionais. No ranking geral de 2011, o indice de inconstitucionalidade das leis brasileiras foi de 83%.
No cipoal de leis, encontramos aquelas que não pegaram e não são respeitadas: no trânsito, a lei que proibe o uso de celular pelo motorista, enquanto dirige, com punição de quatro pontos na carteira e multa de R$85,00; o salário mínimo nunca se prestou para atender às necessidades básicas do trabalhador e de sua família, mesmo sendo contemplada na lei maior; a tranquilidade pública do cidadão, apesar de leis garantidoras, nunca foi observada; não há controle algum sobre as agressões sonoras nos bares, carros de som, sambões, batucadas; a venda casada é proibida, porque vincula a venda de bem ou serviço à compra de outros itens; o fracionamento da embalagem de um medicamento, possibilitando ao usuário pagar apenas a quantidade prescrita pelo médico.
As leis criadas e revogadas: a que obrigava a todo motorista ter em seu carro um estojo, contendo medicamentos para primeiros socorros não pegou; a da doação compulsória de órgãos substituída pela lei de doação voluntária; a que cria o registro único que seria implantada até o ano de 2007, substituindo a identidade, o CPF, a carteira de Trabalho, dentre outros documentos.
O Deputado Bonifácio de Andrade, coordenador do GT-Lex, declarou muito adequadamente: “Vivemos uma crise séria na ordem jurídica brasileira. O Legislativo não anda, o Judiciário demora a decidir e o Executivo fica baixando portarias e resoluções ilegais e as impondo ao cidadão”.
Ives Gandra denuncia que o governo edita leis mesmo sabendo que são inconstitucionais. Isto influi na vida do cidadão e na economia do país. O governo confia na morosidade da justiça para julgamento da inconstitucionalidade da lei e na certeza de que muitos cidadãos, mesmo prejudicados, não baterão às portas do Judiciário, o que implica, na área tributária, em aumento de arrecadação.
A vocação do Brasil para legislar, ainda que normas inconstitucionais, destinadas a irem para o lixo, é folclórica; apreciemos o período de 2000 a 2010 e verificaremos que foram editadas 75.517 leis, envolvendo legislação ordinária, complementar estadual e federal, além de decretos, sem incluir os municípios; esse número destaca o total de 6.865 leis por ano, implicando em 18 leis a cada dia. Dessa conta, Minas Gerais, com 6.038 leis e Bahia, com 4.467, foram os Estados que mais legislaram.
O Marques de Maricá já dizia, ironicamente: “as leis se complicam quando se multiplicam”.
A Constituição federal de 1988 foi emendada mais de 80 vezes, quase sempre para atender às conveniências do Estado-administrador e moldá-la, aos programas de governo, as metas fiscais e os interesses corporativos. Há no Congresso mais de 1.600 propostas de Emendas para serem votadas.
O Brasil, na expressão do professor Franco Montoro, necessita de uma nova lei com dois artigos:
“Art. 1º. Cumpram-se as leis existentes.
“Art. 2º. Revogam-se as disposições em contrário”.
Ex-Corregedor – Pessoa Cardoso Advogados
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