Alta carga tributária encarece produtos nacionais, aquece o mercado informal e traz prejuízos para a indústria brasileira
A alta carga tributária do Brasil encarece os produtos nacionais, desestimula os investimentos e abre as portas do país para a ilegalidade. Os impostos sobre mercadorias brasileiras chegam a ser até 5 vezes o valor do tributo cobrado nos mesmos itens em outros países, principalmente os que fazem fronteira com o território nacional. O desequilíbrio aquece o mercado informal e acarreta prejuízos para a indústria brasileira, que perde o poder de competitividade dos produtos, segundo especialistas no tema.
O relatório “Estatísticas Tributárias na América Latina e Caribe 2021” mostra que a carga tributária no Brasil representa 33,1% do PIB (Produto Interno Bruto), menor apenas que a de Cuba (42%). País vizinho e uma das principais portas de entrada do contrabando em terras brasileiras, o Paraguai tem nos tributos 13,9% do PIB –19 pontos percentuais a menos que o Brasil.
Em que pese a necessidade dos impostos para a arrecadação do país, a falta de equilíbrio das alíquotas, a partir das altas taxas aplicadas sobre os produtos industrializados no Brasil, cria espaço para uma maior margem de lucro do mercado ilegal e impulsiona o contrabando, alertam especialistas.
“Quanto maior a tributação, mais ajuda o contrabando tem para ganhar dinheiro e ter margem de lucro, porque o produto que os criminosos trazem fica mais barato que o produto nacional. Hoje, com a margem que o contrabando tem, se trouxerem duas cargas e uma delas for apreendida, não tem problema, eles ainda terão lucro”, explicou o ex-juiz federal e professor da FGV Direito São Paulo, Luciano Godoy, um dos autores do estudo “Mercado Ilegal no Brasil: Diagnóstico e Soluções”.
A alta carga tributária traz vantagens ao mercado ilícito e não reflete em benefícios para o Brasil. De acordo com estudiosos do setor, impostos elevados em segmentos com alta taxa de ilegalidade não implicam em maior arrecadação para o Estado ou em menor evasão fiscal. Em 15 setores da indústria brasileira, as perdas e a sonegação de impostos somaram mais de R$ 280 bilhões em 2020.
As consequências do cenário são nefastas para o país, que vivencia baixa arrecadação, pouca criação de empregos formais, perdas em investimentos e menor desenvolvimento econômico e social, enquanto as organizações criminosas tomam grandes proporções e enriquecem.
Maior carga de impostos recai sobre produtos
O sistema tributário brasileiro cobra mais caro nos produtos consumidos que na renda. Isso significa que as mercadorias adquiridas pelo cidadão representam a maior taxa de impostos cobrada no país. Leia nos infográficos a composição de impostos de um produto no Brasil e os tributos que mais impactam a população.
O cigarro está entre os produtos mais afetados com a diferença de tributação no Brasil e no Paraguai. Em território brasileiro, os impostos que incidem sobre o produto final variam de 70% a 90%, a depender do ICMS cobrado pelo Estado, de acordo com pesquisa Ibope Inteligência/ Ipec, divulgada pelo Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial), em 2021. No país vizinho, o imposto cobrado da indústria do tabaco é de 18% –uma das menores taxas do mundo.
Desequilíbrio semelhante na tributação do cigarro foi experimentado pelo Canadá na década de 1990. Com uma elevada carga de impostos sobre os produtos derivados do tabaco no país, pagava-se US$ 1,45 a menos de tributos por maço nos Estados Unidos, ao se cruzar a fronteira entre Ontário e Nova York. A situação fez crescer o mercado ilegal no território canadense, com uma participação na economia que passou de 1%, em 1986, para 31%, em 1993.
Para combater o contrabando, o Canadá cortou pela metade a carga tributária incidente sobre o cigarro. Com impostos mais baixos, o consumo de tabaco no país não aumentou. Ao contrário, apresentou redução, de acordo com dados da Escola de Ciências da Saúde Pública da Universidade de Waterloo.
No início da década de 1990, os fumantes representavam 31% da população adulta. Em 2001, os canadenses que fumavam passaram para 22%. As apreensões de contrabando do produto também apresentaram queda com a medida, de 93,6% entre 1993 e 2001.
“O exemplo do Canadá mostra que o controle das fronteiras não é suficiente. Isso porque, enquanto existir uma profunda disparidade de preços entre dois países, o fluxo ilegal será altamente lucrativo e estimulado”, disse Godoy.
Diferença tributária afeta diversos setores
O desequilíbrio de impostos não se restringe ao cigarro. De acordo com levantamento elaborado pelo Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras) em novembro de 2021, as bebidas têm impostos que variam de 38% a 49% no Brasil, enquanto, no Paraguai, as taxas sobre o produto final vão de 5% a 11%.
O setor de informática também é bastante afetado pela diferença, conforme o estudo. Em território nacional, os impostos incidentes sobre os itens estão entre 24% e 33%; já no país fronteiriço, o tributo sobre os artigos de informática é de 1%. Leia no infográfico.
O presidente do FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade), Edson Vismona, afirma que o grande estímulo para o produto ilegal é o preço. Pela lógica econômica, só há oferta quando existe demanda, e a demanda é atraída pelo preço mais baixo da mercadoria, explica o advogado.
“O produto contrabandeado entra no mercado com uma vantagem competitiva fantástica, porque o preço incorpora o imposto e, no Brasil, o imposto é alto. A carga tributária de uma série de produtos é, no mínimo, de 40%. Então, quem não paga imposto garante uma vantagem competitiva”, disse.
Para o ex-secretário nacional de Segurança Pública e CEO do ICL (Instituto Combustível Legal), Guilherme Theophilo, uma revisão do modelo tributário do Brasil é urgente e essencial para diminuir o espaço do contrabando no mercado nacional e aumentar a concorrência leal no país.
“A tributação excessiva no Brasil incentiva a ilegalidade. As empresas que cumprem com a legalidade e pagam seus tributos participam de uma concorrência desleal, porque, naturalmente, o consumidor vai procurar o produto mais barato. Estamos à espera de uma revisão do sistema tributário”, afirmou.
Para os especialistas, o país precisa ter um tributo inteligente, que favoreça a arrecadação da União; combater com inteligência o crime de lavagem de dinheiro, comum nas transações do contrabando; e participar do fortalecimento do Mercosul, para reforçar uma cooperação com os países vizinhos para coibir o contrabando.
“A indústria sabe que haverá algum nível de mercado informal, como tem nos países mais desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos. O problema é que, no Brasil, o contrabando ganhou um tamanho que desincentiva a indústria a investir, provoca perdas bilionárias para o governo e tem o dinheiro lavado a favor do crime organizado”, disse Godoy.
A publicação deste conteúdo foi paga pelo FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade) e faz parte da série “O custo do contrabando”. Leia todas as reportagens.
Fonte: Poder 360
Formado em Sistemas de Informação pela FAETERJ, carioca de coração, apaixonado por teologia, tecnologia, matemática, geografia, história e pela sociedade em geral.
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