Documentos obtidos pela TV Globo colocam sob suspeita lisura da principal ação contra a pandemia da Secretaria de Saúde. Propostas apresentadas têm plágio e ‘concorrente’ fantasma.
A TV Globo teve acesso a documentos anexados ao processo para a instalação das novas unidades hospitalares. A documentação, enviada por empresas interessadas em participar da montagem das novas unidades, prevê a instalação de tendas, geradores e criação de leitos.
Há propostas idênticas feitas por duas empresas diferentes, o que levanta a suspeita de que houve fraude na seleção. A Épico Eventos fica em Minas Gerais e a Corporate Events, no Rio.
Os textos das propostas parecem plagiados, copiados e colados. Em um trecho, por exemplo, ambas escrevem: “quartos UTIs com piso vinílico, tubulação de cobre para oxigênio e ar condicionado e camas, no total de cento e cinquenta e sete (157) unidades tamanho 3,00 x 2,40 metros”.
Todas as demais frases, presentes em cada uma em páginas únicas, contam com textos e termos iguais, inclusive a ordem e a pontuação. A diferença de preço entre elas é de R$ 1,5 milhão. A Épico Eventos oferece R$ 24 milhões e a “concorrente”, R$ 25,5 milhões.
A equipe de reportagem esteve, na quinta-feira (16), nos endereços registrados como sendo da Corporate Events, no Rio.
O primeiro, cadastrado na Receita Federal, fica no Anil, em Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade. É uma casa. A moradora atendeu o interfone e disse desconhecer a empresa.
No outro local, em um edifício comercial na Barra da Tijuca, a Corporate ocuparia as salas 107 e 108. Ambas estavam vazias.
Por telefone, usando o número presente na proposta feita ao Governo do RJ, o G1 falou com o dono da Corporate Events, Fernando José de Oliveira Fernandes.
Ele disse ter sido procurado “por uma agência oferecendo a disputa no certame”, mas afirmou não saber o telefone dessa suposta agência. Ele assumiu ter feito o documento, mas alegou não ter copiado ninguém.
Nesta sexta-feira (17), o G1 esteve na sede da Épico Eventos, em Belo Horizonte. A empresa consta como tendo enviado uma proposta assinada e carimbada pela dona da firma, a empresária Flávia Gontijo Gomes.
No endereço, ela negou que tenha feito enviado qualquer documento ao governo do estado. E disse que o formato de papel timbrado antigo da empresa foi usado no processo dos hospitais de campanha do RJ.
Há ainda uma terceira empresa que possui cotações enviadas, ao lado da Épico Eventos e da Corporate Events, à Secretaria de Saúde: Clube de Produção, com sede no Rio de Janeiro.
Na proposta, ela se apresenta como uma empresa de vasta experiência, tendo inclusive atuado em grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014.
A equipe de reportagem foi até o endereço cadastrado na proposta anexada ao processo, no bairro da Tijuca, na Zona Norte do Rio. Lá, em uma vila de casas, a reportagem não encontrou a firma.
Ao ligar para o telefone celular impresso no documento do processo de disputa, assinado por Luiz Claudio Costa Duarte, o G1 conseguiu contato — e encontrou um homem “surpreso”.
Ele afirmou ser professor e não conhecer a empresa Clube de Produção. Disse que jamais morou no endereço apontado na proposta e que não participou de qualquer processo de construção de Hospitais de Campanha.
Propostas depois do contrato assinado
Apesar de estarem assinadas com data de março, as propostas foram anexadas ao processo no dia 8 de abril, data bem posterior à assinatura do contrato principal pela empresa vencedora, em 3 de abril.
O Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas), organização social proibida de contratar com a Prefeitura do Rio por envolvimento em irregularidade, saiu vencedor, num investimento público global de R$ 835 milhões.
O Iabas foi selecionado para construir hospitais de campanha nos seguintes locais:
- Maracanã
- Duque de Caxias
- São Gonçalo
- Nova Iguaçu
- Campos
- Casimiro de Abreu
Subsecretário afastado
O contrato foi assinado pelo ex-subsecretário estadual de Saúde, Gabriell Neves, afastado temporariamente da pasta também por suspeita de má conduta.
As propostas analisadas pelo G1 foram anexadas ao processo e, em seguida, um despacho trata sobre elas. O documento, endereçado à Subsecretaria Executiva, órgão então comandado por Gabriell Neves, diz que os papéis se referem à “solicitação de contratação de serviços serviços administrativos e outras atividades de natureza operacional, para atender à demanda do hospital de campanha”.
O documento lista os números das propostas, incluindo as da Épico Eventos, da Corporate Events, e do Clube de Produção, “para verificar se atendem as disposições fixadas do Termo de Referência”.
Em nota, o IABAS informou:
“O Iabas tem convicção da lisura de todos os seus procedimentos. O Iabas está trabalhando para entregar os hospitais de campanha cumprindo o sobre-humano prazo emergencial solicitado pelo Governo do estado do Rio de Janeiro para colocar em funcionamento os 1.400 leitos que salvarão vidas dos fluminenses. Afirmamos nossa disposição de diálogo e estamos abertos à fiscalização de qualquer órgão de controle”.
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