Bebês esquecidos no carros por seus pais: como a lei – e a sociedade – encaram esses fatos
A advogada Luciana Boiteux explica como a Justiça age nesses casos
Mães que esquecem o filho no carro merecem uma punição? (Foto: Thinkstock)
Com uma frequência maior do que gostaríamos, vemos nos jornais notícias sobre pais e mães que esquecem seus filhos em carros trancados por horas, até que depois se lembram e retornam, quando não há mais tempo hábil para salvá-los, sendo responsáveis pela morte de seus filhos por desidratação e falta de cuidados adequados, tal como ocorreu na última quarta-feira, 17.12, quando duas crianças foram encontradas mortas nessa situação.
As causas para tal acontecimento são normalmente estresse, pressa, sobrecarga de trabalho ou mesmo a saída da rotina naquele dia. Nos casos relatados, é comum verificarmos que essa situação envolve pais ou mães normalmente amorosos e responsáveis mas que, por questões pessoais, não se dão conta, esquecem seus filhos e dessa omissão decorre o acontecimento fatal.
Juridicamente, tal conduta é tipificada no Código Penal como homicídio culposo (sem intenção), no art. 121, parágrafo terceiro c/c art. 13, parágrafo 2o, a. Trata-se de crime omissivo que ocorre quando aqueles que têm por lei obrigação de guarda ou vigilância, como é o caso de pais em relação a seus filhos, causam-lhes a morte sem intenção, por negligência, ou seja, ausência do cuidado devido em situações nas quais a conduta esperada era a garantia de zelo bem-estar de seus filhos. Em outras palavras, a morte da criança ocorre sem que os pais desejem ou mesmo antevejam tal ocorrência como possível, mas, por esquecimento, deixam de fazer o que deveriam.
Porém, a intervenção da Justiça Criminal nesses casos não tem nenhuma utilidade, eis que o resultado da conduta criminosa acarreta a seus autores uma perda e uma dor tão grandes que nenhuma pena faz sentido. Quando finalmente se dão conta do que deixaram acontecer com seus filhos esses pais ou mães ficam realmente desesperados.
Reconhecendo esse tipo de situação, na qual a pena perde qualquer utilidade preventiva ou repressiva, o próprio Código Penal prevê, no art. 121, parágrafo 5o. A hipótese de perdão judicial, da seguinte forma: “na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.” Esse é exatamente o caso aqui analisado, as consequências da infração – morte de um filho – atingem o agente de forma tão grave que a pena se mostra desnecessária. Trata-se de reconhecer razões humanitárias para se deixar de aplicar a pena.
Portanto, em casos como esse a Justiça aplica tal artigo e concede perdão judicial aos acusados, extinguindo a punibilidade, e arquivando o processo penal depois de algumas formalidades legais.
Considera-se que o perdão judicial é a forma mais correta de se lidar com situações como essas, eis que o arrependimento e a culpa desses pais que lidam com essa dolorosa perda de um filho são muito intensos, não havendo qualquer razão, ou efeito, repressivo ou preventivo, que possa justificar a aplicação de uma pena criminal a esses pais.
Não se tem notícias de qualquer distinção, em situações desse tipo, entre a resposta judicial no caso de mães e de pais, até porque os termos da lei são bem objetivos, não cabendo grande margem de discricionariedade para o juiz. Por outro lado, caberia uma reflexão sobre se a sociedade patriarcal e machista na qual vivemos não tenderia a responsabilizar moralmente muito mais a mulher do que o homem em situações como esses, eis que se atribui a ela o papel principal de cuidadora dos filhos, sendo o papel masculino tido como secundário pelo senso comum.
*Luciana Boiteux é professora adjunta de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Vice-presidente do Conselho Penitenciário da cidade.
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