Li a seguinte manifestação do Leonardo Boff: “Diz-se por aí, que uma profetiza de sua igreja evangélica, a Assembleia de Deus, profetizou que ela, Marina, seria presidenta. E ela crê cegamente nisso como crê no que, diariamente lê na Bíblia, passagens abertas ao acaso, como se aí se revelasse a vontade de Deus para aquele dia. São as patologias de um tipo de compreensão fundamentalista da Bíblia que substitui a inteligência humana e a busca coletiva dos melhores caminhos para o país.” (http://leonardoboff.wordpress.com/2014/09/06/marina-silva-aquela-que-mudou-de-lado/, acesso em 09/8/2014, 10h)
Não sei se Marina disse isso ou se Boff disse que ela disse. Quanto ao voto, não é tema desse artigo. Cada um que vote em quem achar melhor. A questão aqui é como um cidadão deve lidar com a fé alheia.
Eu leio a Bíblia, diariamente, como qualquer cristão, evangélico ou católico, deveria fazer. Tenho o direito humano de crer que a Bíblia é a Palavra de Deus e ser respeitado “apesar” disso. Creio que qualquer trecho dela, mesmo aberta ao acaso, revela a vontade de Deus para todo e qualquer dia. A interpretação também é livre. Assim, se alguém calhar de ler sobre o suicídio de Judas não deve entender que isso é uma orientação para aquele dia.
Não aceito, como professor de Direito Constitucional, que alguém, muito menos um teólogo que tem uma história tão interessante, chame minha prática e a de dezenas de milhões de cristãos, de uma “patologia“. Não bastasse isso, disse que uma compreensão “fundamentalista da Bíblia substitui a inteligência humana e a busca coletiva dos melhores caminhos para o país“.
A definição do que é “fundamentalista” é subjetiva. É um “fundamentalismo” dizer que a interpretação que não o agrada é a de um “fundamentalista”. Isso ocorre, pois o crítico assume a perigosa tarefa de censor. E, por viés autoritário, de entender que é melhor intérprete que o outro. Isso é arrogante, antidemocrático e até mesmo mal educado.
A única patologia que vejo é desrespeitar a liberdade religiosa e de opinião, previstas na Constituição da República e em todas as cartas de direitos humanos reconhecidas pela Humanidade. Chamar a fé do outro de “patologia” é trabalhar pelo preconceito e discriminação, algo lamentável numa democracia, ainda mais quando parte de alguém com tantos anos de estudo. Não gostei também de ser chamado de “burro”, já que ler a Bíblia é visto como “substituir a inteligência”.
Quanto à busca coletiva dos melhores caminhos para o país, posso dizer que esses os evangélicos (segundo ele, “fundamentalistas”) são responsáveis por enorme auxílio a toxicômanos (com índice de recuperação de mais de 70%). Eles e os católicos visitam as penitenciárias, ajudam órfãos, alimentam famintos, providenciam roupa e abrigo para desvalidos, criam escolas, dão bolsas de estudo, etc. Eu, por exemplo, por ler a Bíblia, me tornei – apesar de branco e de olhos azuis – membro do movimento negro e defensor das cotas nas universidades, ministro aulas gratuitas, faço doação de livros, ajudo orfanatos católicos, espíritas e evangélicos (fome não tem religião, anoto) etc. Então, me perdoe, mas meu compromisso com “melhores caminhos para o país” veio justamente da leitura diária da Bíblia.
Vale registrar que em outro momento (ainda em julho do corrente ano) o mesmo Boff admitiu que esses leitores “patológicos” da Bíblia ajudam os necessitados. Indagado sobre a postura do Papa frente ao avanço das igrejas evangélicas, após dizer que Francisco não é proselitista, mas que tem interesse em servir à humanidade, disse o seguinte: “É aquilo que nós chamamos de ‘ecumenismo de missão’. Estamos divididos, é um fato histórico, mas não é uma divisão dolorosa. Porque cada um tem seus antros, profetas e mestres. Mas como nós juntos nos reconhecemos nas diferenças e como juntos vamos apoiar os sem terras, os sem tetos, os marginalizados, as prostitutas. Esse serviço nós podemos fazer juntos.”
(Entrevista à Sul21, http://www.sul21.com.br/jornal/leonardo-boff-dentro-do-sistema-capitalista-nao-ha-salvacao/– acesso 09/8/14, 1030h).
Leonardo Boff sabe que aqueles – aos quais acusa de não terem “inteligência”, nem interesse em buscar por “melhores caminhos para o país”– ajudam bastante aos necessitados. Então como pode, de uma hora para outra, nos chamar de” patológicos “e, na prática, de burros? Pior, parece se esquecer de quantos católicos são leitores, diários, das Escrituras. Quanto a acreditar ou não em profecias, isto é mais um assunto onde cabe respeitar a fé de cada um. E, anoto: entre aqueles que acreditam nas profecias, alguns católicos carismáticos aí incluídos, há sempre o cuidado de distinguir a legitimidade do profeta. É, porém, e me perdoem ser repetitivo, um direito humano que esperamos seja respeitado por todos.
Lamento muito a fé de milhões de católicos e evangélicos tenha sido tratada como” patologia e substituição de inteligência “. Isto me lembra o que disse Freud:” Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo. “Estou certo que ao falar de Marina, Leonardo disse mais sobre Leonardo.
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