Cinco anos atrás, o arqueólogo americano Roger Dooley confirmou o que tanto se buscava no fundo do mar da Colômbia – e que já havia sido detectado pela empresa Sea Search Armada 30 anos antes: os restos do galeão espanhol San José, que naufragou em 1708 com uma fabulosa quantidade de riquezas extraídas das então colônias da Espanha na América do Sul e Central.
Na ocasião, de tão relevante, a confirmação do achado foi anunciada pelo então próprio presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos. Ele vinha apoiando oficialmente as buscas e cedendo, inclusive, um navio de pesquisa da Marinha Colombiana para o rastreamento do leito submarino na região de Cartagena.
Divulgação Governo Colômbia
Mas havia um bom motivo para todo aquele entusiasmo com a descoberta de um simples naufrágio.
Dois países disputam o naufrágio
Segundo registros, quando foi a pique vítima dos canhões de uma esquadra inglesa que patrulhava o Caribe em busca de galeões espanhóis (clique aqui para saber como aconteceu o naufrágio do galeão San José), seus porões estavam abarrotados de lingotes de ouro, barras de prata, esmeraldas e muitas outras preciosidades, extraídas das minas da América do Sul e Central e que estavam sendo levadas para a Espanha.
E este detalhe encheu os olhos de todo mundo.
A começar pelo próprio governo colombiano, que, da lá para cá, passou a decretar uma série de normas para “proteger o naufrágio” e garantir que o quer que seja extraído dele não saia da Colômbia.
Instituto Colombiano de Antropologia e Historia
Com isso, o direito de exploração e resgate daquele que é considerado o mais valioso naufrágio de todos os tempos se transformou em uma pendenga jurídica que já dura meia década, e envolve os governos de dois países: a Colômbia, que garante ter direito ao naufrágio já que ele ocorreu em suas águas, e a Espanha, que, por ser dona do galeão, diz ter direito ao seu resgate, baseada numa recomendação da Unesco de que restos de naufrágios pertencem ao país de origem da embarcação – tratado o qual a Colômbia não é signatária.
Mas também a empresa americana Sea Search Armada, a primeira a achar o naufrágio na década de 1980, pleiteia o direito a uma parte do que for retirado dele. Esta alega que este era o acordo que tinha com o governo colombiano, antes de o navio ser encontrado. E recorreu à Justiça – tanto na Colômbia quanto nos Estados Unidos.
Índios querem sua parte
E a confusão não para por aí.
Mais recentemente, até descendentes de índios sul-americanos –sobretudo peruanos e bolivianos da nação Qhara Qhara — entraram com uma ação na Justiça colombiana, alegando que o ouro, a prata e as pedras preciosas que afundaram junto com o galeão foram extraídas do território de seus ancestrais, e, portanto, cabe também a eles uma parte do que for resgatado.
Mas reside aí o outro problema deste caso tão tentador quanto complexo: ninguém sabe como o resgate da valiosa carga do galeão San José poderia ser feito.
Como resgatar o ouro?
Os restos do galeão, que hoje não passam de alguns canhões e potes visíveis no fundo do mar, estão 600 metros debaixo d’água, profundidade impossível aos mergulhadores e só viável aos robôs submarinos mais modernos do mundo, equipamentos que a Colômbia não possui.
Além disso, os arqueólogos estimam que o que restou do casco de madeira do galeão, onde estaria a sua carga preciosa, se encontram soterrados debaixo de uma camada de seis metros de lama, o que dificultaria ainda mais os trabalhos.
Por isso, dois anos atrás, o governo colombiano anunciou que criaria uma parceria público-privada para “coletar apenas algumas peças do galeão” (sobre o ouro, nenhuma palavra) a fim de criar um museu em Cartagena. E abriu uma licitação para especialistas em explorações submarinas.
Três empresas, uma sueca e duas americanas, se inscreveram – a Sea Search Armada se recusou a participar, porque alega que já tem direito adquirido no caso.
Mas, em seguida, a história do regaste do galeão espanhol tomou outro rumo e mudou tudo de novo.
Virou Patrimônio Histórico
Numa decisão tão polêmica quanto festejada pelos historiadores, o Conselho Nacional do Patrimônio Histórico da Colômbia decidiu transformar os restos do galeão San José em “bens de interesse cultural”, o que colocou por água abaixo não só os planos de usar parte do ouro que ele transportava para financiar o seu o próprio resgate — ideia que horrorizava os cientistas porque parte da carga teria que ser vendida –, como passou a proibir que qualquer coisa que venha a ser retirada do navio possa ser comercializada.
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Em dinheiro de hoje, estima-se que a estupenda carga do galeão San José vale cerca de 15 bilhões (bilhões; não milhões) de dólares.
Só em lingotes de ouro seriam cerca de 200 toneladas, sem contar o que transportado sem registros, como era hábito na época.
E isso explica tudo. Embora muitos camuflem o real interesse no naufrágio.
“O verdadeiro tesouro do galeão San José não é o ouro que ele transportava e sim a riqueza histórica, cultural e científica que a Colômbia dará para o mundo, quando alguns artefatos forem resgatados e exibidos em local apropriado”, resumiu o arqueólogo que confirmou o achado do navio, cinco anos atrás.
Mas é difícil acreditar nisso quando se está falando do naufrágio mais valioso da História.
Deve ficar no fundo do mar
No entanto, com a recente decisão do Patrimônio Histórico colombiano de transformar o naufrágio em uma espécie de monumento e com a profusão de ações que correm na Justiça — tanto da Colombia quanto nos Estados Unidos e na Espanha, que tendem a tornarem-se uma eterna sucessão de recursos jurídicos — , o mais provável é que o destino do tesouro mais cobiçado do mundo no momento seja permanecer intocado no fundo do mar, onde repousa há mais de 300 anos.
Como, aliás, recomenda a Unesco, por considerar que naufrágios históricos não pertencem a nenhum país, mas sim ao patrimônio da humanidade.
Fonte: UOL
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