Veteranos teriam obrigado estudante de 18 anos a fazer exercícios à exaustão
Leonardo de Assis nunca escondeu o sonho de cursar medicina. Em seu primeiro vestibular, o estudante de 18 anos não conseguiu entrar para o curso mais concorrido do país, mas garantiu uma vaga na faculdade, na turma de educação física da Universidade Federal Rural do Rio (UFFRJ), em Seropédica. No entanto, durou pouco a satisfação de colocar o pé num campus pela primeira vez, após tantos meses de estudo e dedicação. Leonardo afirma que foi vítima de uma prática proibida por lei estadual desde 1996, mas que ainda traz graves consequências para os calouros: o trote.
A família do estudante conta que ele foi submetido a uma série de exercícios físicos como corrida, agachamentos, abdominais e flexões, no último dia 2. O pai de Leonardo, Marcelo de Assis, segurança de uma agência bancária, disse que o jovem chegou em casa esgotado. Na manhã do dia seguinte, ainda estava cansado e preferiu não ir à aula.
Com dores nos joelhos e nas articulações, mal conseguia sair da cama. À tarde, urinou sangue e foi internado às pressas, no CTI da Casa de Saúde Nossa Senhora do Carmo, em Campo Grande, com graves complicações muscular e renal.
— Na segunda e na terça, ele recebeu um trote leve, teve o corpo pintando para pedir dinheiro. Inclusive, pintaram a testa dele com um coração e fizeram uns rabiscos nas bochechas. Na quarta (dia 2), ele achou que teria aulas de anatomia e avaliação física. Mas, em vez dos professores, foram os veteranos que mandaram fazer os exercícios. Ele e os colegas não sabiam de nada. Houve uma sobrecarga de exercícios — conta Marcelo, que mora com o filho e a mulher no bairro de Anchieta, a 30 quilômetros da universidade.
O caso foi registrado na sexta-feira, na 48ª DP (Seropédica). O delegado Julio da Silva Filho diz que, até o momento, só recebeu essa denúncia em relação ao trote. Ele aguarda o jovem melhorar para prestar depoimento e fazer o exame de corpo de delito. Segundo o delegado, os autores do trote podem responder por lesão corporal de natureza grave, cuja pena varia de um a cinco anos de reclusão.
— Só com a perícia poderemos comprovar a natureza grave das lesões. Com o depoimento dele, teremos mais detalhes do que ocorreu e indícios da autoria. Antes de irmos à universidade, vamos coletar todas as informações que ele puder prestar. Até então, só quem veio à delegacia prestar depoimento foi a mãe dele — informou o delegado.
Depois de quatro dias no CTI, Leonardo foi transferido para o quarto na segunda-feira e tem sido submetido a exames. De acordo com a família, ele pode receber alta dentro de dois dias. Ontem, a mãe do jovem, a servidora pública Jurema de Assis, pediu alguns dias de afastamento do trabalho para cuidar melhor do filho. Ainda muito abalada, ela afirmou que Leonardo não deverá voltar à universidade.
— O que aconteceu é inadmissível. A gente nunca espera algo desse tipo tão perto da gente. Muita gente tem medo de denunciar. Para lá, ele não volta mais não. Lá é terra de ninguém. Se tivesse acontecido algo pior, será que alguém iria me avisar? Até hoje não recebi uma ligação da instituição. O meu filho é muito tranquilo. Acho que ele mesmo não pretende voltar mais — acredita a mulher, que acompanha a evolução do quadro do rapaz. — Ele está estável. Está sendo feita avaliação da função renal e do joelho, que está muito inchado. Vai ter que fazer outro vestibular.
A Rural informou, em nota, que vai abrir sindicância para apurar os fatos e destacou que não tem registrado ocorrências de trotes nos últimos anos. Segundo a nota, se ficar comprovado que a ação realmente ocorreu dentro do campus, a punição será a instauração de processo administrativo e disciplinar contra os alunos envolvidos. Se o fato tiver acontecido fora da universidade, os que se sentirem lesados deverão recorrer à Justiça. A universidade também disse que está à disposição da família de Leonardo para prestar qualquer tipo de esclarecimento.
Outro caso grave
Em 2009, o aluno Vitor Vicente de Macedo Silva, de 22 anos, morreu afogado na piscina de saltos ornamentais do campus da Rural. Na época, os amigos contaram que ele vinha sofrendo uma série de trotes porque tinha conseguido uma vaga no alojamento para estudantes. A suspeita era de que ele teria sido forçado a entrar na água por veteranos, mesmo sem saber nadar. A reitoria informou, na ocasião, que era muito difícil vigiar todo o campus, que tem cerca de três mil hectares, considerado o segundo maior do país, atrás apenas da Federal do Amazonas.
Fonte: Portal O Dia
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