Presidente é criticado por falas consideradas preconceituosas e que desagradaram investidores, políticos e lideranças estrangeiras desde o início do mandato.
Por Pedro Henrique Gomes, Guilherme Mazui, G1 — Brasília
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebe críticas por falas consideradas preconceituosas e por opiniões que não agradaram investidores, políticos e lideranças estrangeiras desde o início do mandato, em janeiro de 2023.
A declaração polêmica mais recente foi dada na terça-feira (16) no Palácio do Planalto. Lula afirmou que considera “inacreditável” o aumento da violência contra a mulher após jogos de futebol, mas disse que “se o cara é corinthiano, tudo bem”.
O presidente citou a informação ao elogiar a presença de mulheres em uma reunião com ministros e empresários do setor alimentício.
“Hoje, eu fiquei sabendo de uma notícia triste, eu fiquei sabendo que tem pesquisa, Haddad, que mostra que depois de jogo de futebol, aumenta a violência contra a mulher. Inacreditável. Se o cara é corinthiano, tudo bem. Mas eu não fico nervoso quando perco, eu lamento profundamente. Então, eu queria dar os parabéns às mulheres que estão aqui”, disse o presidente na terça.
A fala soma-se a outras declarações que destoaram do tom dos discursos e entrevistas nos quais o presidente procura incentivar a igualdade de gênero e raça e melhores oportunidades de ensino, emprego e renda para as pessoas.
No dia seguinte, na Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, ele disse que foi alertado pela primeira-dama sobre a “sensibilidade aguçada” do público e decidiu ler o discurso elaborado por sua assessoria para não criar “problema”.
Os discursos em eventos a respeito de políticas para mulheres, negros, indígenas e pessoas com deficiência geram apreensão entre auxiliares do Planalto pelo risco de falas polêmicas que resultam em críticas da oposição e de setores ligados às políticas progressistas.
Contudo, Lula é visto como principal garoto-propaganda do governo e precisa liderar a defesa da gestão por meio de discursos, mensagens em redes sociais e entrevistas. Há duas semanas ele fez uma bateria de entrevistas para rádios de cidades que visitou.
Escravidão e capacitismo
Lula coleciona desde o ano passado declarações que geraram incômodo por serem consideradas preconceituosas. Em setembro de 2023, antes de passar por cirurgia no quadril, afirmou em live que as pessoas não o veriam de andador porque seu fotógrafo pessoal, Ricardo Stuckert, não pretendia fazer o registro.
“Vocês não vão me ver de andador, vocês não vão me ver de muleta. Vocês vão me ver sempre bonito como se eu não tivesse sequer operado”, declarou Lula.
Antes, em abril do mesmo ano, Lula disse que pessoas que sofrem de transtornos mentais têm “problemas de desequilíbrio de parafuso” e, também, relacionou essas pessoas à promoção de violência nas escolas.
Três dias depois, ele usou as redes sociais para pedir desculpas às pessoas com deficiência.
Em julho de 2023, em Cabo Verde, o presidente defendia a necessidade de ampliar a relação com a África ao afirmar ter “uma profunda gratidão ao continente africano por tudo o que foi produzido durante 350 anos de escravidão” no Brasil.
Lula já havia dado fala similar em visita à Terra Indígena Raposa Serra do Sol ao declarar que, apesar “de toda desgraça”, a escravidão “trouxe uma coisa boa que foi a mistura, a miscigenação”.
Em maio de 2024, durante anúncio de medidas de auxílio aos atingidos pelas cheias no Rio Grande do Sul, o petista, que está no terceiro mandato presidencial, disse que se espantou com a “quantidade de gente negra” no estado.“Eu falei para a Janja domingo: é impressionante, eu não tinha noção que no Rio Grande do Sul tinha tanta gente negra. E no Fantástico [da TV Globo] apareceu muita gente, eu falei ‘não é possível’. E aí, a Janja me falou: ‘É porque são os mais pobres, que moram nos lugares mais arriscados de serem vítimas dessas coisas’”, disse.
Guerras e voto secreto no STF
Em outros casos, o presidente polemizou por opiniões que não trataram de temas a respeito de minorias. Na seara externa, Lula ouviu críticas sobre suas posições a respeito do conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas, a guerra da Rússia contra a Ucrânia e sobre a situação política da Venezuela.
Lula apontou que o governo de Nicolás Maduro sofre com “narrativas” e tem repetido o desejo de que as eleições do próximo dia 28 sejam justas e tenham o resultado respeitado, o que poderá levar a Venezuela de volta ao Mercosul.
Após oito anos, Nicolás Maduro veio ao Brasil para encontro com Lula e reunião com outros líderes sul-americanos — Foto: EPA
Em outra ocasião, Lula também defendeu que os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sejam secretos, a fim de reduzir a animosidade na sociedade.
O presidente foi reprovado pelo governo dos Estados Unidos após posições a respeito da guerra entre Rússia e Ucrânia. Lula declarou que a decisão de iniciar o conflito foi tomada “por dois países”, iniciado quando tropas russas invadiram o território ucraniano.
Ele disse ainda que EUA e Europa ajudam a prolongar o conflito e que lhe parece que os líderes russo e ucraniano estão gostando da guerra.
Banco Central e controle fiscal
Com o retorno ao governo após 12 anos, Lula voltou a conviver com as reações do mercado financeiro às suas declarações sobre economia, com impacto na cotação do dólar e na bolsa de valores.
Exemplo disso foi a recente alta da moeda norte-americana em meio a uma série de entrevistas do presidente. Neste caso, a reação se deu por divergências dos investidores em relação às opiniões de Lula.
No último dia 18 de junho, em Brasília, ele concedeu entrevista à rádio CBN, na qual destacou que Campos Neto tem “lado político” e que o comportamento do Banco Central, que define a taxa básica de juros da economia, é a única “coisa desajustada” no país.
Presidente do Banco Central, Campos Neto, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante sessão sobre o tema juros, inflação e crescimento, no Senado Federal, em Brasília (DF), nesta quinta-feira (27). — Foto: FáTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Dois dias depois, durante um ciclo de viagens e entrevistas para participar de inaugurações de obras públicas, o presidente aproveitou os eventos em diversas partes do país para conceder entrevistas a rádios das cidades visitadas, a exemplo de Fortaleza, Teresina, Belo Horizonte, Feira de Santana e Salvador.
As críticas a Campos Neto, ao apoio do economista ao ex-presidente Jair Bolsonaro, à taxa de juros, à autonomia do Banco Central e à exigência do mercado por controle dos gastos públicos ganharam destaque na série de entrevistas.
“O presidente do Banco Central é um adversário político, ideológico e adversário do modelo de governança que nós fazemos. Ele foi indicado pelo governo anterior e faz questão de dar demonstração de que não está preocupado com a nossa governança, ele está preocupado é com o que ele se comprometeu”, disse Lula à Mirante News FM, rádio do Maranhão, durante visita a São Luís (MA).
Na entrevista mais recente à imprensa, concedida à TV Record na terça-feira (16), Lula voltou a afirmar sobre a necessidade de “estar convencido” da necessidade de realizar cortes no orçamento em busca do equilíbrio fiscal.
A ofensiva de Lula tem lastro em pesquisas internas e externas, como as sondagens de opinião feitas por institutos. Em abril de 2023, levantamento do Datafolha apontou que 80% dos entrevistados avaliavam que presidente agia bem ao pressionar o BC pela redução da taxa de juros.
Em julho, pesquisa da Quaest indicou que 66% dos entrevistados concordavam com as críticas de Lula à política de juros.
O tom das falas, em especial às críticas ao BC e à taxa de juros, repete-se desde o início do governo, com momentos mais ou menos virulentos.
“É uma bobagem achar que o presidente do Banco Central independente vai fazer mais do que fez o Banco Central quando o presidente era que indicava”, afirmou o presidente à Globo News em 18 de janeiro de 2023.
Dois meses depois, Lula declarou que continuaria “batendo” para reduzir a taxa de juros, que à época estava em 13,75%. No mês passado, o BC interrompeu o ciclo de cortes na Selic, que ficou em 10,5%, patamar ainda considerado elevado pelo presidente e seus ministros.
Fonte: O GLOBO
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