Verdade inconveniente: ociosidade do refino como instrumento para aumentar preços da gasolina
19 de março de 2022

Ausência de concorrência no mercado de refino pode gerar controle da ociosidade dos parques por governos, escreve Ricardo Borges Gomide

Ao longo dos anos, em maior ou menor proporção, têm sido comuns as críticas à intervenção governamental em preços de combustíveis. É um assunto conhecido. Não vamos falar disso aqui.

O que pouco se fala, entretanto, é outra espécie de intervenção, discreta, dissimulada, pouco transparente, mas igualmente ou mais nociva. É aquela que pode acontecer a partir do poder de controlar operacionalmente a ociosidade do parque de refino, especialmente em mercados monopolizados ou oligopolizados.

Como? Quando não há efetiva concorrência no refino de petróleo, reduzir deliberadamente a produção de derivados induz a um efeito perverso, capaz de alterar o regime de Preço de Paridade de Exportação (PPE) para a referência de Preço de Paridade de Importação (PPI). E como consequência, influencia todos os preços no mercado doméstico.

Como o volume importado afeta o PPI

Vamos elucidar. O custo unitário de importação varia de acordo com o volume importado, sendo que, pelo senso comum, com aquela lembrança do conceito de economia de escala, temos a percepção de que menor será o custo unitário quando o volume importado for crescente. Verdade? Não.

No caso de importação de combustíveis, não se aplica esse conceito de economia de escala. Ocorre o inverso. Vejamos.

Vamos considerar, como premissa, para ilustrar, que a cotação internacional da gasolina no golfo americano (USGC, em inglês) seja igual a US$ 1,00/litro. Como hipótese inicial, vamos supor que haja um déficit anual de 500 milhões de litros de gasolina no Brasil.

A alternativa do pólo supridor mais próximo seria, por exemplo, a Argentina, que poderia ter um excedente de 600 milhões de litros. Então, nessa situação, nosso déficit poderia ser suprido integralmente pelo país vizinho, ao preço da cotação internacional de referência, somado o frete internacional até o Brasil (hipoteticamente, 10 centavos de frete, incluso seguro e demais custos associados à importação).

Essa negociação já consideraria que, para a Argentina exportar, a primeira alternativa é o Brasil, caso contrário precisaria buscar mercado em um país mais distante.

Por isso, a cotação de referência na Argentina sofre um desconto pelas condições de mercado (5 centavos, por hipótese). Assim, o PPIBrasil = USGC + frete de 0,10 – desconto de 0,05 = USGC + 0,05 = 1,00 + 0,05 = US$ 1,05/litro.

Agora, em outra hipótese, vamos imaginar que nosso déficit de gasolina passe a ser de 1.000 milhões de litros. Com isso, precisaríamos importar 600 da Argentina, que é o pólo competitivo mais próximo, ao preço de US$ 1,05/litro. Mas ainda faltariam 400 milhões de litros.

Aí passa a ser necessário trazer gasolina de alguma refinaria no Caribe, por exemplo. E a qual preço? Ao preço da cotação USGC, mais o frete até o Brasil (vamos supor 15 centavos).

Nesse caso, para a refinaria caribenha, o desconto de paridade em relação à cotação USGC seria menor do que no caso da Argentina, ou mesmo nenhum, porque esse pólo tem como primeira alternativa o mercado norte-americano, não o Brasil.

Ademais, o frete marítimo é maior, em função da distância. Nessa hipótese, o PPIBrasil = USGC + frete de 0,15 – desconto de 0,00 = US$ 1,15/litro.

Cálculo do PPI médio, referência também para produção doméstica

Qual seria o PPI médio no Brasil? A média ponderada entre Caribe e Argentina? Não. Para todo o volume importado, será o valor caribenho de US$ 1,15, que é o custo marginal de expansão.

A parcela proporcionalmente mais barata, importada da Argentina, tende a ser absorvida como margem pelos importadores e pelos produtores nacionais, observada a lógica do custo de oportunidade. Esse “matematiquês” pode ser chato de compreender, mas quem opera esse mercado conhece muito bem.

Em uma terceira hipótese, supomos que o déficit brasileiro passe para 1.500 milhões de litros de gasolina por ano, ou mesmo 2.000 milhões de litros. Nessa situação, pode ser que esgotemos a disponibilidade do pólo supridor caribenho, inclusive em função da competição com a demanda dos Estados Unidos por aquelas refinarias.

Como consequência, o Brasil precisará buscar uma alternativa ainda mais distante, talvez alguma refinaria na África, ou mesmo, extrapolando, no sudeste asiático, como em Singapura.

Obviamente, o custo de frete marítimo e seguro será ainda maior (por suposição, 25 centavos). Além disso, deslocamos a cotação de referência do golfo americano para outra referência internacional (vamos supor CSingapura=1,02). O resultado seria um PPIBrasil = CSingapura + 0,25 = US$ 1,27/litro.

Da mesma forma como na hipótese anterior, este é o custo marginal de expansão da importação que será aplicado sobre todo o volume importado. E será também o valor de referência para toda a nossa produção doméstica de gasolina.

Fonte: EPBR

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