MPF abre inquérito sobre montanha de escória que muda a paisagem de Volta Redonda e ameaça o rio que abastece 80% da Região Metropolitana do Rio
Uma peça-chave para entender o abastecimento não só do Rio, mas de todo o Sudeste é a Bacia do Paraíba do Sul, que abastece 77 municípios, sendo 66 no Rio – 57 e mais 9 da Região Metropolitana – e 11 em São Paulo. O sistema leva água diretamente para 11,2 milhões de pessoas.
O Rio Paraíba do Sul resulta da confluência dos rios Paraibuna e Paraitinga, que nascem no Estado de São Paulo, a 1.800 metros de altitude, na Serra da Bocaina. O curso da água percorre 1.150km, passando por Minas Gerais e Rio de Janeiro, até desaguar no Oceano Atlântico em São João da Barra (RJ). Os principais usos da água na bacia são: abastecimento, diluição de esgotos, irrigação e geração de energia hidrelétrica.
Principal manancial de abastecimento do estado do Rio, em seu leito estão quatro importantes reservatórios e hidrelétricas: Paraibuna, Santa Branca, Jaguari e Funil (o único em território fluminense, em Itatiaia). Na quinta-feira (22), segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA), divulgados nesta sexta (23). O reservatório do Paraibuna (o maior de todos) estava – 0,08% de reservas, enquanto que as reservas de Santa Branca ficaram em 0,41%, Jaguari em 1,93% e Funil em 3,49%.
Responsável pelo abastecimento de 12 milhões de pessoas na Região Metropolitana do Rio (80% da população), o Rio Paraíba do Sul está na iminência de uma catástrofe em Volta Redonda, no Sul Fluminense. O alerta consta na denúncia 1518/2018, aceita pelo Ministério Público Federal, que abriu inquérito para apurar responsabilidades, a pedido da ONG Associação Homens do Mar da Baía de Guanabara (Ahomar).
A ação adverte para o risco de deslizamento de uma pilha gigante, sem contenção, de escória (rejeito tipo areia, com metais pesados), oriunda dos Altos-Fornos e Aciaria da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). O subproduto da produção do aço, usado na indústria cimenteira, é estocado a céu aberto no bairro Brasilândia, em área de 274 mil metros quadrados, pela Harsco Metals.
No processo, que corre em segredo de Justiça, a Ong acusa também a CSN e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea-RJ) por suposta “conivência com o problema”, que muda a paisagem local e atormenta pelo menos 15 mil moradores com poluição. Documentos comprovam que a multinacional opera, mesmo aguardando avaliação de Licença de Operações (LO) definitiva desde 2010. O que criou juridicamente o chamado “limbo (aguardo) legal”. Ou seja, a movimentação diária de estimados 100 caminhões de escória é tolerada judicialmente.
“O assunto requer providências urgentes”, apela o advogado da Ahomar, Magno Neves. A estocagem é feita numa Área de Preservação Permanente (APP), com conhecimento do Inea, a menos de 50 metros da margem do rio, metade da distância permitida por lei. “Estamos à beira de um acidente semelhante ao da Samarco (em Mariana, MG)”, lamenta Adriana Vasconcellos, presidente da Comissão Ambiental Sul, formada por líderes comunitários.
Problemas respiratórios e alérgicos são comuns entre os moradores de Brasilândia, Volta Grande 2 e 4, São Luiz, Caieira, Nova Primavera e Santo Agostinho, os bairros mais afetados. Medições aéreas apontam que o volume tem mais de 20m de altura – 16m a mais que o recomendado pelo Inea.
Escórias, conforme especialistas, geram os gases sulfídrico e enxofre, e têm metais tóxicos, como manganês, zinco, cádmio, cromo, níquel e chumbo. O pior seria o CaO (cal virgem), resultado da reação de chuvas com hidróxido de cálcio, que contamina lençóis freáticos, elevando o pH de reservatórios subterrâneos de 7 para até 13 (acidez do cloro, por exemplo).
“Se houver um escorregamento da pilha, o leito do rio fechará”, prevê José Arimathea, presidente do Comitê de Bacias Hidrográficas do Médio Paraíba (CBH), que reúne até representantes do próprio Inea.
O engenheiro Paulo Canedo, do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ, também se diz preocupado. “Em caso de desastre, o Paraíba não teria água suficiente sequer para lavar o próprio leito”, assegura.
Empresas dizem que cumprem todas as leis
Sueli Barbosa, 50, do São Luiz, mostra as mãos sujas. “Limpamos a casa quatro vezes por dia”, lamenta. Sua vizinha, Janice Silva, 47, gasta R$ 300 por mês para tratar bronquite. “Meu sofrimento é duplo: sujeira e saúde debilitada”, diz. “É revoltante a inércia das autoridades”, desabafa Leonardo Gonçalves, do Santo Agostinho.
Em nota a CSN alega que “a 3ª Vara Federal-VR (1ª instância) e a 8ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região (2ª instância), já consideraram improcedente a ação contra ela”. “A CSN dá destinação correta aos resíduos e respeita a legislação”, diz o texto.
A Harsco argumentou em nota que também “respeita a legislação”. “A empresa preza pelo bem-estar das comunidades e possui licença ambiental válida para operar”.
Somente na manhã desta segunda-feira, após a publicação da matéria, o Inea, através da assessoria de comunicação da Secretaria Estadual do Ambiente, respondeu ao e-mail enviado pelo DIA na quinta-feira passada, com diversos questionamentos. O instituto, porém, limitou-se a informar que, apesar de estar há oito anos analisando pedido de Licenciamento de Operações (LO) feito pela Harsco, “o processo está dentro da regularidade, com as especificidades que o caso tem”.
O Inea, porém, não detalhou que especificidades seriam essas. O instituto, que não mencionou nadas sobre a pilha de escória já ter alcançado mais de 20 metros de altura e estar a menos de 50 metros do Rio Paraíba do Sul, dedicou a maior parte do texto para atacar a ONG Ahomar, autora de diversos processos contra poluição ambiental no estado.
Veja a íntegra da nota do Inea
“Quanto à referida ‘ONG’, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) observa a seletividade dos seus casos e, sobretudo, sua parceria com empresas que normalmente são beneficiadas por suas supostas ações na justiça.
O órgão está finalizando o dossiê sobre os indícios de ações da ‘ONG’ com os supostos beneficiários empresarias das mesmas. O Inea deixa claro que não será arrastado para conflitos concorrenciais entre empresas. Seu papel é, com razoabilidade, promover a sustentabilidade, sem se envolver em litigância empresariais.
O Inea esclarece ainda que o processo de licenciamento está dentro da regularidade com as especificidades que o caso tem.”
Também por meio de nota, a direção da Associação Homens do Mar da Baia de Guanabara (Ahomar), respondeu às críticas do Inea, que, segundo a entidade, tenta desqualificá-la, por conta de suas ações ganhas na Justiça contra empresas poluidoras.
A íntegra da nota da Ahomar
“A Ahomar surgiu em 2007 como um grupo de pescadores artesanais que lutavam pelo direito dos pescadores de Magé, na região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro em função das diversas obras que estavam acontecendo na Baía de Guanabara, inviabilizando o modo de vida dos pescadores. O então “Grupo Homens do Mar da Baia de Guanabara” deu origem à Associação Homens do Mar da Baia de Guanabara – Ahomar, que assumiu a luta dos pescadores contra o descaso das empresas responsáveis pelas obras/impactos socioambientais na Baía de Guanabara, dentre elas a Petrobras.
O Ministério Público Federal, reconhecendo a luta da Ahomar entrou com Ação Civil Pública em face da Petrobrás e outras empresa pedindo reparação pelos danos causados a pesca artesanal pelos empreendimentos em instalação na Baia de Guanabara. A atuação na Baía de Guanabara ampliou a atuação da Ahomar para as questões ambientais e ainda propiciou a participação em diversos fóruns ambientais, como a Apedema-RJ – Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente no Estado do Rio de Janeiro, onde atualmente ocupa uma Coordenação da Regional; o Conselho Estadual de Meio Ambiente – CONEMA, onde participa da Câmara Técnica de Qualidade Ambiental; no Comitê da Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara e Sistemas Lagunares da Região Metropolitana do Rio de Janeiro – CBH-BG, ocupando uma vaga de titular no plenário e uma vaga na diretoria do Comitê; nos conselhos gestores da APA de Guapimirim – ICMBio/MMA e ESEC – Estação Ecológica da Guanabara – ICMBio/MMA; no Conselho de Defesa e Direitos Humanos do Estado do Rio; no Conselho Estadual de Recursos Hídricos – CERHI-RJ , e ainda é membro de outros fóruns e instâncias. Entre eles: da executiva estadual do Movimento dos Pescadores e Pescadoras do Brasil – MPP/CPP; Comitê de Acompanhamento da Avaliação Ambiental Estratégica – AAE COMPERJ – LIMA/COPPE/UFR; das articulações, campanhas, congressos e fóruns da rede “OILWATCH SUDAMERICA”; da rede Fórum Justiça, como integrante e articulador, pelo GT-Minorias, organizado pela Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro; e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA.
Em função da sua luta e representatividade ajudou a fundar e participa ativamente das seguintes instituições: Fórum dos Afetados pela Indústria do Petróleo nas cercanias da Baía de Guanabara – FAAP-BG; Sindicato dos Pescadores Artesanais e Pescadores Profissionais do Estado do Rio de Janeiro; Liga das Entidades da Pesca do Rio de Janeiro – LIPESCA-RJ, onde atua na coordenação.
A Ahomar conta com um dos mais ativos e atuantes defensor de direitos humanos no Brasil, inserido no PPDDH – Programa Nacional de Proteção aos Defensores do Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR, Alexandre Anderson, presidente da entiodade
Abaixo listamos alguns prêmios e honrarias que a Ahomar e seus membros receberam pela luta em defesa dos direitos dos pescadores artesanais e do meio ambiente, o que a habilita moralmente a estar presente no conflito existente de forma inconteste, independentemente de atender aos requisitos formais e legais:
No mês de Setembro de 2010, a Ahomar foi homenageada e premiada com entrega da placa comemorativa pelos “25 anos da criação da APA de Guapimirim – ICMBio”, pelo empenho e pelo trabalho no uso sustentável do “Meio Ambiente” e “Mobilização dos Pescadores”.
Em Outubro de 2010, recebeu o troféu, “João Canuto de Direitos Humanos de 2010”, homenagem do MHUD, para aqueles que se destacam na defesa dos Direitos Humanos em suas comunidades.
No mês de Novembro de 2010, participou do Seminário Internacional do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, em Brasília-DF;
Em Março de 2011, participou como palestrante da 16ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH), das Organizações das Nações Unidas – ONU, em Genebra/Suíça, denunciando as violações de Direitos Humanos e crimes ambientais sofridos pelas comunidades tradicionais no Brasil.
Em Abril de 2011, recebeu à “23ª Medalha Chico Mendes de Resistência”, entregue pelo Deputado Federal pelo Estado do Rio de Janeiro, Chico Alencar.
No mês de Agosto de 2011, participou de mesa redonda sobre Racismo e Justiça Ambiental, na Universidade do Grande Rio, a convite do Consulado Geral dos EUA, da Unigranrio, e do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA), com a diretora da Agência de Proteção Ambiental (EPA) e Ministra dos EUA, Lisa P. Jackson, e o reitor da Unigranrio, Arody Cordeiro Herdy. Alexandre Anderson também recebeu a 52ª Medalha Orgulho do Rio, por sua batalha pela defesa da Pesca Artesanal e do Meio Ambiente no Rio de Janeiro.
Em Dezembro de 2013, juntamente com outros nove Defensores dos Direitos Humanos, sob proteção do Governo Brasileiro, o pescador Alexandre Anderson, recebe a homenagem que conta sua história em uma publicação lançada no final de 2012, pelas Nações Unidas no Brasil-ONU, em parceria com a Embaixada do Reino Unido e Países Baixos, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR e a Delegação da União Europeia no Brasil, com o livro as Dez faces da Luta pelos Direitos Humanos no Brasil.
Recentemente, seguindo na luta, a Ahomar participou da Cúpula dos Povos, onde denunciou as práticas contra as pescadores na Baia de Guanabara e os impactos ambientais decorrentes; entrou na luta socioambiental pelo rompimento da Barragem de Mariana, promovido pela SAMARCO, VALE E PHP; passou a atuar contra o derramamento de chorume in natura na Baia de Guanabara, promovido pelo Lixão de Gramacho, atualmente operado pela empresa Gás Verde e também atua na luta socioambiental contra as práticas de empresa Fibria, no extremo sul da Bahia.
Hoje, a Ahomar se tornou uma destacada entidade de defesa dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente, reconhecida internacionalmente. Enfim, participa ativamente de diversos fóruns nacionais e internacionais, na defesa da pesca artesanal e do meio ambiente”.
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