Convivendo com as sequelas da polio desde crianças, Zuleide e Ledson contam ter vacinado os filhos na primeira oportunidade que tiveram.
Zuleide Verpa Degasperi brincava no chão da área externa de sua casa em Londrina, aos 18 meses de idade, quando, depois de se assustar com o barulho dos carros, foi colocada pela mãe para tirar uma soneca.
“Quando acordei, eu não andava mais”, conta ela, com base nas memórias compartilhadas pela mãe.
Uma vizinha da família tinha sofrido paralisia geral por causa de poliomielite, e assim surgiu a suspeita, logo confirmada, de que Zuleide havia sido contaminada pelo mesmo vírus. O ano era 1961, e a primeira campanha nacional de imunização contra a poliomielite foi lançada oficialmente só em1980 no Brasil.
Ela iniciou o tratamento imediatamente, e quando tinha cerca de três anos, mudou-se para a casa de uma tia em São Paulo para começar a ser acompanhada por um médico especialista.
Quatro anos depois, Zuleide já conseguia andar sozinha, mas ficou com sequelas permanentes de falta de força na perna esquerda.
“As pessoas desconhecem o efeito da doença porque não viram pessoas com poliomielite. Depois da vacina não se depararam com as dificuldades de uma pessoa durante o tratamento, que é bem complicado. Eu, por exemplo, vivi em função de fisioterapia, natação, e cirurgias — ao longo da vida, fiz seis, e sei que tem gente que fez muito mais”, diz Zuleide, que hoje tem 63 anos.
Ela faz uso de órtese somente quando precisa fazer caminhadas longas. “Não tenho uma grande deficiência hoje em dia. O que tenho é falta de força na perna esquerda. Manco um pouco, mas tem horas que é difícil porque tenho dores e não tomo medicamentos por me deixarem sonolenta, Mas eu tive muita sorte de ter encontrado pessoas que se preocuparam comigo e se dedicaram a achar o melhor para mim.”
Zuleide tem quatro filhos e se esforçou para sempre manter a carteira de vacinação deles em dia. “Principalmente contra a poliomielite, porque eu sabia o que ela poderia causar na vida deles — as dificuldades durante a adolescência e a vida adulta e as dores terríveis.
Para os pais que hesitam em vacinar seus filhos, Zuleide deixa uma mensagem.
“Vacinar é essencial para que essas pessoas possam ter uma vida normal no que diz respeito às escolhas profissionais e a simplesmente correr e pular. Eu não tive nada disso. Na minha infância, minha ‘aula de educação física’ foi dentro da AACD [Associação de Assistência à Criança Deficiente], fazendo fisioterapia e nadando.”
Brasil apresenta risco de volta da poliomielite
A faixa de cobertura vacinal recomendada para a poliomielite, de acordo com a Fiocruz, é de 80%.
Mas dados oficiais da campanha deste ano, que começou em 8 de agosto e foi prorrogada até 30 de setembro, mostram que somente 54% das crianças entre um e quatro anos — população-alvo da campanha — receberam o reforço da vacina contra a doença no Brasil.
Ainda é possível, se estiver na faixa etária recomendada para o imunizante, receber a vacina em postos de saúde ao decorrer de todo o ano.
Muitas vezes, a infecção não causa efeitos graves. No entanto, em um grupo menor, especialmente crianças com menos de cinco anos, a doença pode resultar em paralisia total ou parcial e até levar à morte.
O Brasil registra sucessivas quedas na taxa de vacinação contra a poliomielite desde 2016 e que a pandemia agravou o cenário: em 2021, o país registrou a pior cobertura dos últimos 25 anos, quando menos de 75% dos bebês foram imunizados.
De acordo com Juarez Cunha, presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), uma das razões prováveis da queda vacinal é a falsa sensação de proteção de doenças que as pessoas desconhecem e as quais não viram as sequelas.
“A poliomielite, junto com sarampo, já foi uma das principais doenças da infância em índice de sequelas e de mortes, mas os pais e tutores de hoje em dia são de uma geração que foi muito vacinada, e por isso, não têm experiência com a doença”, aponta Juarez Cunha.
Mônica Levi, diretora da SBIm, avalia que as fake news também são responsáveis por uma parcela da população não ter se vacinado.
“Para uma mãe de um bebê que fica com pulga atrás da orelha por conta de notícias falsas, por exemplo, é mais fácil para ela correr o risco da doença, que ela acha que não vai chegar até seu filho, do que arriscar um suposto efeito colateral gravíssimo logo após a vacinação. O movimento antivacina ficou mais organizado pós-pandemia e tem sido efetivo em causar hesitação.”
‘Não pensei duas vezes antes de imunizar meu filho’
Ledson Alexandre Sathler tinha dois anos quando foi contaminado pelo vírus da poliomielite, em 1954, muito antes da vacina estar disponível no Brasil.
Ele foi o único da família a ficar doente, mas se lembra de ter visto outras pessoas que sofreram com a pólio durante sua infância. “Uma vizinha da minha família também pegou, mas o caso dela foi mais grave, o vírus subiu para a cabeça [atingiu o sistema nervoso].”
Ledson ficou com uma atrofia permanente na perna direita, uma sequela causada pelo vírus. Apesar da limitação de movimentos, ele conta que seus pais sempre o deixaram “à vontade”, para que se movesse, largavam-o “solto”, e o deixavam tentar se levantar sozinho se caísse. Na visão dele, isso o ajudou a se tornar mais independente.
“Na época da infância, faziam brincadeiras comigo, piadas, mas eu nunca liguei para isso.”
Em 1992, ele passou por uma operação para tentar melhorar a funcionalidade da perna, mas acabou não tendo bons resultados com o procedimento e adquiriu uma infecção no hospital. Três anos depois, ele conseguiu uma órtese que o auxilia para caminhar até hoje.
Depois de adulto, Ledson se formou em agronomia, casou-se e teve um filho, com quem compartilha o mesmo nome.
“Desde que ele nasceu, sempre esteve com a carteira de vacina atualizada, para se proteger da poliomielite e também de outras doenças. Não pensei duas vezes antes de dar a imunização e é algo que eu incentivo até hoje.”
Ele conta que tem familiares que, mesmo sabendo do que a polio causou nele e suas consequências perigosas, decidiram por não vacinar os filhos. “Acho que isso é alienação de pessoas que acham que nada vai acontecer com elas, que só os outros ficarão doentes.”
“Essas famílias precisam pensar bem direitinho, lembrar que muitas pessoas enfrentaram problemas sérios por essas doenças. Se alguém não vacinado pega o vírus, o sofrimento de todos é muito grande.”
Zuleide Verpa Degasperi brincava no chão da área externa de sua casa em Londrina, aos 18 meses de idade, quando, depois de se assustar com o barulho dos carros, foi colocada pela mãe para tirar uma soneca.
“Quando acordei, eu não andava mais”, conta ela, com base nas memórias compartilhadas pela mãe.
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