Incomodados com o baixo número de moradores da cidade matriculados na UFRRJ, estudantes se unem para explicar o Enem e os programas do Governo federal que apoiam a permanência no Ensino Superior
Com o objetivo de incentivar os alunos das escolas da rede pública na região de Seropédica a prestarem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Programa de Educação Tutorial (PET) do curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) criou o projeto “Semeando o Futuro”. Atendendo escolas de Ensino Médio do KM 40, passando pelo Jardim Maracanã e indo até o KM 54, em São Miguel, o grupo PET Floresta, como é chamado, planta sementes de um futuro melhor para a comunidade local.
Desde 2009, o Enem democratiza o acesso ao ensino superior, e é a principal porta de entrada para instituições públicas e privadas. O município de Seropédica possui em sua região a UFRRJ, uma universidade gratuita e de qualidade, que só neste câmpus oferta mais de 40 cursos, possui destaque nacional e internacional, e é referência em várias áreas. Com a junção dos dois, é de se imaginar que os alunos do município aproveitariam para fazer o ensino superior no ‘quintal de casa’, mas não é bem isso que acontece. No Catálogo Institucional de 2021, responsável pelos principais dados da Universidade, apenas 2,2% dos estudantes eram moradores de Seropédica antes do ingresso, enquanto mais de 70% vieram de outro município do estado do Rio de Janeiro.
Ao perceber essa grande diferença, o PET Floresta resolveu agir. Marcelo Araújo, um dos membros do grupo, conta como foi a criação e o início do “Semeando o Futuro”, também chamado “Projeto Enem”.
– Quando entrei no projeto, cheguei a questionar como ele começou. As meninas (do PET Floresta) da época, me falaram que foi uma iniciativa do grupo, porque elas viram que a Universidade está aqui (em Seropédica), mas nem 10% dos alunos são pessoas que realmente são daqui (da cidade) – contou ele. – Não que isso seja um problema, mas, se as pessoas têm uma Universidade, vamos dizer assim, no quintal da casa delas, por que elas não utilizam disso?
Para mudar este cenário, portanto, o grupo se mobilizou e atua até hoje com o objetivo de ajudar os estudantes da região a ingressarem no Ensino Superior, de preferência na Rural.
Como funciona o “Semeando o Futuro”?
O projeto teve início em 2012 e consiste em visitas às escolas da região para apresentar o Enem e a UFRRJ aos adolescentes e jovens. A partir de 2017, o grupo PET passou a fazer duas visitas ao ano em cada escola, uma no começo, antes das primeiras datas importantes em relação à prova, como o dia do pedido de isenção da taxa de inscrição e a data da inscrição de fato. A segunda, geralmente, ocorre no segundo semestre.
Matriculados na 3ª série do Ensino Médio (EM) em escola da rede pública; ou quem fez todo o EM em escola pública ou como bolsista integral em escola privada; ou pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica por serem integrantes de famílias de baixa renda – com registro no Cadastro Único para programas sociais do Governo Federal (CadÚnico); são as pessoas que têm direito à isenção da taxa de inscrição da prova, ou seja, a gratuidade na hora de se inscrever para o Enem.
Segundo Araújo, a importância dessa primeira visita é crucial para que o objetivo do projeto seja atingido.
– Em 2022, quando não tivemos como fazer a primeira visita, a gente reparou que eram pouquíssimos alunos que tinham interesse em fazer faculdade. É muito complicado que os adolescentes de hoje em dia vejam (o Ensino Superior) como “perda de tempo” e que lá na frente não vão ter nenhum tipo de retorno – observou. – Então, mais do que nunca, demos continuidade a esse projeto para tentar mudar este quadro.
Antes da data do Enem, acontece a segunda visita. Dicas de redação, de como se comportar ao fazer a prova, quais documentos são necessários na hora e até qual lanche levar são alguns dos assuntos abordados. Também são apresentados os meios para ingressar em uma universidade e como eles funcionam, como o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). A UFRRJ e seus 60 cursos de graduação são brevemente apresentados, com foco na Engenharia Florestal, a área do PET Floresta.
Neste ano, as primeiras visitas foram feitas no mês de abril, e as segundas devem ocorrer no mês de outubro, antes da aplicação da prova.
Frutos da semeadura do projeto
Marcelo Araújo conta que, aos poucos, o projeto vem colhendo os frutos das sementes plantadas pelo caminho.
– Em um colégio estadual no bairro de São Miguel, na visita da noite, tinha uma menina que disse ter muito interesse em fazer faculdade, mas ela tinha um bebê. Ela contou que deixou esse sonho de lado depois que a filha nasceu – contou ele. – Nós conversamos com ela, e falamos que a gente entendia que ter um filho pequeno é complicado, e que é realmente muito complicado continuar estudando tendo filho. Mas que era importante que ela não desistisse.
Segundo ele, o grupo PET explicou para a aluna sobre o auxílio-creche que a UFRRJ disponibiliza, e que, em caso de necessidade de moradia, a criança não apenas pode residir com os pais no alojamento, como a Universidade dispõe de um prédio específico destinado a receber discentes com filhos.
– Ela não sabia dessas possibilidades, e disse que quando a filha tiver uns 2 ou 3 anos, pretende voltar a estudar para fazer a graduação – comemorou ele.
Além disso, o “Semeando o Futuro” tem criado fortes raízes e está crescendo. Em 2023, o Pré-Vestibular do Instituto Multidisciplinar (IM) de Nova Iguaçu, um dos câmpus da UFRRJ, convidou o grupo para uma apresentação sobre o Enem em sua unidade. No mesmo ano, devido à ampliação do projeto e ao interesse dos adolescentes e jovens das escolas em saber mais sobre outros cursos além da Engenharia Florestal, criou-se um edital de voluntários, para que estudantes de outras graduações na Rural possam participar das visitas. Até convites de escolas do bairro de Campo Grande, no município do RJ, foram feitos ao PET Floresta.
O projeto, que possui 12 anos de caminhada, começou atendendo a apenas três escolas da região: C.E. Barão de Tefé, C.E. Presidente Dutra e CIEP 156 Dr. Albert Sabin. Atualmente, contempla nove escolas, sendo elas: C.E. Alice de Souza Bruno, C.E. Alvarina de Carvalho Janotti, C.E. Bananal, C.E. Professor Waldemar Raythe, C.E. Roberto Lira e o CIEP 155 Maria Joaquina de Oliveira, além das três primeiras. É com a troca entre a comunidade universitária e a comunidade local, que é possível fazer florescer o projeto Enem. O PET Floresta trabalha para que a porcentagem de moradores de Seropédica na UFRRJ aumente, mas não só isso: para que a juventude local e de baixa renda não desanime, e que passe a ocupar cada vez mais o seu local por direito: a universidade.
Texto: Ana Clara Tavares (estudante de Jornalismo sob a supervisão da professora Cristiane Venancio, do curso de Jornalismo)
Professora adjunta do curso de Comunicação Social / Jornalismo da UFRRJ há 13 anos. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho (Portugal) e mestre em Estratégia e Gestão pela UFRRJ. Foi repórter e editora da agência O Globo e do jornal Extra.
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