Ao menos 25 pessoas, incluindo um policial civil, foram mortas num tiroteio no Rio de Janeiro.
A ação aconteceu durante uma operação policial na favela de Jacarezinho, na Zona Norte do município.
A Polícia Civil afirma que lançou a operação após receber denúncias de que traficantes locais estariam aliciando crianças e adolescentes para a prática de ações criminosas.
Dois passageiros do metrô foram atingidos – um por bala perdida e outro por estilhaços de vidro – mas sobreviveram. A Polícia Civil confirmou a morte do policial André Leonardo de Mello Frias durante a operação.
Num post no Facebook, a Secretaria de Polícia Civil afirmou que Frias “honrou a profissão que amava e deixará saudade” e que “lamenta, ainda, pelas vítimas inocentes atingidas no metrô”.
Um morador foi atingido no pé, dentro de casa, e passa bem. Dois policiais civis também se feriram.
Entidades de direitos humanos condenaram a operação e pedem que eventuais irregularidades sejam investigadas.
Em coletiva de imprensa, a Polícia Civil negou que tenham acontecido execuções durante a operação e criticou o que chamou de “ativismo judicial” que estaria impedindo uma presença maior do Estado nas comunidades.
Segundo o Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), a operação policial desta quinta-feira foi a mais letal da história do Rio de Janeiro, superando os recordes anteriores registrados na Vila Operária em Duque de Caxias (23 mortos em janeiros de 1998), no Alemão (19 mortos em junho de 2007) e em Senador Camará (15 mortos em janeiro de 2003).
Conforme o grupo de pesquisa, desde 1989, foram identificadas 23 operações policiais com 10 ou mais mortos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
“O episódio de hoje nos leva a lamentar que a Polícia Civil tenha agido como um grupo de extermínio e não como órgão de segurança pública. Realizaram uma operação absolutamente desastrosa”, declararam os pesquisadores da UFF em nota oficial. “Os danos causados pela operação são infinitamente mais graves do que os crimes que ela pretendia combater.”
O que diz a Polícia Civil
A Polícia Civil do Rio de Janeiro comunicou por volta das 7h30 da manhã desta quinta-feira (06/05) a realização de uma operação contra traficantes no Jacarezinho.
Segundo o comunicado, a polícia identificou, através de trabalho de inteligência e fazendo uso de quebra de sigilos autorizada pela Justiça, 21 integrantes da quadrilha, responsáveis por garantir o domínio do território através do uso de armas.
“Foi possível caracterizar a associação dessas pessoas com a organização criminosa que domina a região, onde foi montada uma estrutura típica de guerra provida de centenas de ‘soldados’ munidos com fuzis, pistolas, granadas, coletes balísticos, roupas camufladas e todo tipo de acessórios militares”, afirmou a polícia.
Ainda conforme a corporação, a região do Jacarezinho é considerada um dos quartéis-generais da facção Comando Vermelho na Zona Norte do Rio de Janeiro.
“Em razão da dificuldade de se operar no terreno, por conta das barricadas e das táticas de guerrilha realizadas pelos marginais, o local abriga uma quantidade relevante de armamentos”, diz a nota oficial.
“Além do uso das mencionadas práticas típicas de guerra, em dezembro de 2020 e abril de 2021, os criminosos do Jacarezinho sequestraram trens da SuperVia, demonstrando que a sua forma de atuação se assemelha àquelas empregadas por grupos terroristas”, conclui o documento.
STF proibiu operações em favelas durante a pandemia
A operação desta quinta-feira no Jacarezinho acontece apesar de decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que suspendeu, desde junho de 2020, operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia.
A decisão permite ações apenas em “hipóteses absolutamente excepcionais”. Para isso, os agentes precisam comunicar ao Ministério Público sobre o motivo da operação.
Conforme reportagem do UOL do início de abril, a proibição pelo STF às operações em favelas reduziu em 34% o número de mortes por agentes de segurança na região metropolitana do Rio de Janeiro em 2020. Foi a primeira queda registrada desde 2013.
Conforme a plataforma digital Fogo Cruzado, que registra dados da violência no Rio, o único caso de operação policial com mais mortes foi em uma operação na Baixada, em 2005, que resultou em 29 óbitos. Essa operação, no entanto, foi realizada por policiais à paisana e é considerada extraoficial, diferentemente da ação desta quinta-feira, que tratou-se de uma operação oficial.
Em terceiro lugar estaria uma chacina ocorrida em Vigário Geral, em 1993, com 21 mortos; seguida por operação na Vila Vintém, em 2009, que resultou em 19 mortos.
Ainda conforme a plataforma Fogo Cruzado, desde a decisão do STF, em 6 de junho de 2020, foram registrados 21 tiroteios ou disparos de arma de fogo em Jacarezinho, sendo sete deles em operações policiais.
Na nota no Facebook sobre a morte do policial civil André Frias, a Secretaria de Polícia Civil defendeu a necessidade das operações em favelas.
“A ação foi baseada em informações concretas de inteligência e investigação. Na ocasião, os criminosos reagiram fortemente. Não apenas para fugir, mas com o objetivo de matar”, escreveu o órgão, na postagem.
“Infelizmente, o cenário de guerra imposto por essas quadrilhas comprova a importância das operações para que organizações criminosas não se fortaleçam.”
Entidades de direitos humanos pedem investigação
Entidades ligadas à defesa dos direitos humanos pediram a investigação de eventuais abusos que tenham sido cometidos na ação policial desta quinta-feira.
“O Ministério Público do Rio de Janeiro deveria iniciar imediatamente uma investigação minuciosa e independente da operação deflagrada hoje (6) na comunidade de Jacarezinho”, declarou em nota a organização não-governamental Human Rights Watch.
“Apenas no primeiro trimestre deste ano, a polícia do Rio de Janeiro matou 453 pessoas e ao menos 4 policiais morreram em ações policiais, mesmo com uma decisão do Supremo Tribunal Federal que proíbe operações em comunidades durante a pandemia de Covid-19”, lembrou a entidade.
A divisão brasileira da Anistia Internacional também se manifestou sobre o caso.
“A população negra e moradora de favelas e periferias tem seus direitos humanos violados sistematicamente. O que está acontecendo agora no Jacarezinho é uma chacina”, declarou a entidade, que cobrou posicionamentos do governador do Rio, Claudio Castro (PSC), e do STF.
O Instituto Marielle Franco, fundado pela família da vereadora do Rio assassinada a tiros em 2018, afirmou em uma rede social: “A chacina do Jacarezinho é o retrato fiel das barbaridades que acontecem nas favelas do Rio. O governo do Estado não garante direitos básicos à população e só se faz presente assim: com mortes!”
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro informou que “está acompanhando com muita atenção os desdobramentos da operação policial que deixou 25 mortos na manhã desta quinta-feira” e disse que está ouvindo os moradores e apurando as circunstâncias da operação, “a fim de avaliar as medidas individuais e coletivas a serem adotadas”.
Polícia civil nega execuções e fala em ‘ativismo judicial’
Em coletiva de imprensa no fim da tarde desta quinta-feira, representantes da Polícia Civil do Rio de Janeiro negaram que tenham acontecido execuções ou irregularidades na operação que terminou com 25 mortos em Jacarezinho.
Questionado sobre a decisão do STF que inibiu operações policiais em favelas durante a pandemia, Rodrigo Oliveira, subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Polícia Civil, afirmou que a medida judicial não impede as operações, mas estabelece uma série de protocolos para que elas sejam realizadas.
Segundo ele, todas as medidas necessárias para justificar a operação foram previamente cumpridas.
“Num único inquérito a gente ter 21 mandados de prisão, eu acho que [indica que] o Tribunal de Justiça tem conhecimento suficiente de todas as provas que foram produzidas”, afirmou.
“Não foi uma diligência exclusiva da polícia civil, mas foi submetida ao crivo do Ministério Público e, depois, ao Judiciário. E vieram esses 21 mandados de prisão, então está cristalino que houve consentimento recebido.”
Quanto às denúncias de invasões de casas de moradores e supostos abusos cometidos pelos policiais durante a operação, o delegado Fabrício Oliveira, coordenador da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil), disse que foram os criminosos que invadiram as casas.
“A partir daí, atendendo a pedidos de socorro dos moradores, a polícia foi até o local e conseguiu prender alguns criminosos e confrontar outros, que acabaram falecendo em confronto com a polícia”, disse Oliveira.
Segundo ele, quanto a um rapaz fotografado morto em uma cadeira de plástico, cuja imagem circulou amplamente nas redes sociais na tarde desta quinta-feira, sob acusações de que ele teria sido colocado sentado pelos policiais para servir de exemplo aos demais moradores, o delegado disse que se tratava de um “criminoso” e que o caso está sobre investigação.
Com relação ao policial morto com um tiro na cabeça, Oliveira disse que a morte ocorreu pois, quando a polícia deu início à operação às 6h da manhã, a comunidade estava cercada por barricadas que impediram o acesso dos quatro blindados usados na ação.
Por conta disso, uma equipe de oito policiais foi obrigada a desembarcar das viaturas. O policial André Frias teria sido executado nesse momento, ao se ver emboscado num beco.
Os representantes da polícia civil criticaram em diversos momentos da coletiva o que chamaram de “ativismo judicial” que, segundo eles, tem impedido a presença do Estado, através da polícia, nas comunidades. Questionados mais de uma vez se estavam se referindo ao STF, os policiais disseram que não iriam nomear nenhuma pessoa ou instituição.
“Seria muito leviano da nossa parte nomear ‘A, B, C ou D’, mas o que a gente enxerga é que há diversas organizações que buscam através do discurso impedir o trabalho da polícia”, disse Oliveira. “Essas entidades ou pessoas definitivamente não estão no mesmo barco que nós. Pessoas que pensam dessa forma ou estão mal intencionadas ou mal informadas.”
Questionados sobre a elevada letalidade da operação, Oliveira disse que isso é fruto de a polícia não estar operando sempre nas comunidades.
“Se a gente estivesse operando sempre, o tráfico não teria tanta tranquilidade, não estaria tão bem equipado, tão bem armado e tão bem provido de segurança, inclusive com obras de engenharia. Então, o fato de não estarmos fazendo essas incursões, no momento em que se faz, a tendência é que isso [a letalidade] aumente.”
Fonte: BBC
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