Os vendavais que fecharam o inverno servem de alerta para os desastres que costumam acontecer com os temporais que sempre caem na primavera e no verão
O inverno no Hemisfério Sul se despediu em grande estilo na última quarta-feira e deixou para o Rio de Janeiro um aviso que não poderia ter sido mais eloquente em relação às tragédias que têm exigido cada vez mais atenção nas estações mais quentes. Tratam-se, naturalmente, dos fenômenos naturais que, em situações extremas, podem se transformar em catástrofes.
Esse tipo de ocorrência tem se tornado mais frequente na medida em que as mudanças climáticas apontadas pelos especialistas são estimuladas pelas agressões ao meio ambiente. Ela pode causar danos em qualquer parte do mundo. Mas quando acontece num lugar despreparado, que conta com uma infraestrutura deteriorada e não se habituou a lidar com ela — como, infelizmente é o caso do Rio de Janeiro — seu potencial de destruição se torna bem maior.
Foi, por exemplo, o que aconteceu na terça-feira da semana passada, véspera da chegada da primavera. O vento que começou a soprar mais forte nas primeiras horas da tarde se transformou em vendaval e alcançou pouco mais de 80 quilômetros por hora. Se tivesse sido um pouco mais intenso, na classificação da Defesa Civil do Rio de Janeiro, poderia ter sido considerado um ciclone extratropical.
O vendaval pôs abaixo cerca de 100 árvores e vários postes da rede de iluminação pública. Derrubou muros e destruiu dezenas de automóveis. As quedas interromperam o trânsito em diversos pontos da cidade e, por razões de segurança, foi preciso interromper o fluxo de veículos na Ponte Rio-Niterói. Desta vez, pelo menos, não houve vítimas fatais — e todo o estrago se resumiu aos danos materiais. Mas serviu para alertar para as tragédias que podem acontecer a qualquer momento, sobretudo agora que a meteorologia prevê para o Rio chuvas fortes nas semanas finais de outubro.
POLÍTICA PÚBLICA — Fenômenos naturais que oferecem riscos nem sempre podem ser previstos. É o caso, por exemplo, dos terremotos. Em agosto de 2014, cientistas do Laboratório Sismológico de Berkeley, no estado norte-americano da Califórnia, comemoraram como uma grande vitória a previsão, com dez segundos de antecedência, do terremoto de grande magnitude que atingiu o Vale do Napa, a cerca de 100 quilômetros da cidade de San Francisco. Isso mesmo: eles só tiveram certeza de que a tragédia ocorreria dez segundos antes da terra começar a tremer.
Na Califórnia, todos sabem que os terremotos podem acontecer de uma hora para outra — só que ninguém consegue saber onde e quando ocorrerão. Sendo assim, todo mundo já sabe mais ou menos como reagir diante dos abalos. A infraestrutura no local foi feita levando que em conta esse tipo de fenômeno, tanto assim que o terremoto de 2014 (que atingiu seis pontos na Escala Richter, que mede a intensidade dos terremotos) não danificou as rodovias, não destruiu casas nem deixou mortos.
Tão logo a terra parou de tremer, como sempre acontece mesmo nos abalos menos intensos, as equipes de socorro saíram às ruas e começaram a trabalhar. Os atendimentos do serviço de Saúde foram motivados mais pelo susto do que por ferimentos causados por desabamentos. A principal consequência foi a interrupção por cerca de quatro horas do fornecimento de energia elétrica em alguns pontos do vale.
Vendaval é uma coisa e terremoto é outra muito diferente! Que, por sinal, nem é tão preocupante assim no Brasil. Trazer essa história a este espaço, portanto, só faz sentido como comparação entre as reações diante das tragédias num lugar e no outro. Mesmo não sabendo que o terremoto aconteceria, as autoridades e a população das cidades do Vale do Napa pareciam prontas para recebê-lo. No Brasil, mesmo sabendo que determinadas tragédias, como temporais e inundações, sempre acontecem em épocas certas e nos lugares esperados, o habitual é demonstrar surpresa diante delas.
As chuvas torrenciais que caem na primavera e, sobretudo, no verão são esperadas no Rio de Janeiro desde antes da chegada de Estácio de Sá. Ninguém pode, portanto, alegar surpresa diante dos estragos que causam. O problema é que, entra ano, sai ano, ninguém se esforça para transformar em política pública permanente e ininterrupta as providências que poderiam mitigar os efeitos dos temporais e impedir que eles continuem tirando vidas de pessoas vulneráveis.
DESLOCAMENTO DE TERRA — Todo mundo está cansado de saber que em diversos pontos do Estado do Rio há pessoas vivendo em áreas de encostas e que os morros ficam mais sujeitos a deslizamentos quando ocupados de forma irregular — com a remoção da cobertura de vegetação natural que impede o deslocamento de terras pelas encostas. Qualquer pessoa também sabe que o lixo jogado no ambiente acaba se acumulando em alguns pontos, forma barreiras que se rompem com as enxurradas mais fortes e sai arrastando tudo o que encontra.
Essa cena já aconteceu dezenas de vezes e, sem querer ser o arauto de uma tragédia anunciada, continuará se repetindo até que alguém resolva enfrentar a situação. A solução não é fácil. O trabalho será árduo e mesmo que se transforme em prioridade do poder público, não eliminará o risco para as próximas temporadas de chuvas. Mas cada passo que for dado ajudará a reduzir o problema.
As sirenes instaladas em determinados locais e que são acionadas nos casos de risco são importantes e ajudam a salvar vidas. O ideal, porém, é que elas se tornassem desnecessárias e que todas as pessoas se sentissem seguras em suas casas. O governo e a população nada perderiam se houvesse intervenções pontuais e orientadas nas áreas mais críticas da capital e da Região Serrana — que, certamente, já estão mapeadas e são do conhecimento da Defesa Civil.
Parte dos recursos que o governo tem para investir daqui por diante poderia muito bem ser destinado para um amplo programa que começasse por oferecer moradias dignas às pessoas que vivem em áreas de maior risco. Depois que as áreas críticas fossem desocupadas, deveria ser adotada uma política rigorosa que coibisse novas ocupações desses locais.
É preciso investir num programa de desassoreamento dos córregos e cursos d’água — e também cuidar da manutenção das obras mais antigas, que dão problemas a cada chuvarada. É preciso, por exemplo, nunca descuidar da limpeza do Canal do Mangue e acelerar a construção dos coletores que captarão os esgotos e pelo menos meia dúzia de bairros populosos que hoje correm in natura e a céu aberto pela região central da cidade. O problema existe, mas é previsível. O inaceitável é que, quanto as tragédias acontecem, autoridades ainda insistam em demonstrar surpresa diante delas.
Fonte: O DIA
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