Mosquitos transgênicos ganham espaço em meio a falhas e manipulações
25 de julho de 2017

“As prefeituras que entrarem nesta aventura terão que comprar os mosquitos todos os anos. A tecnologia é um engodo porque o problema nunca se resolve”, diz ex-integrante da CTNBio

O projeto da prefeitura de Juiz de Fora, em Minas Gerais, de liberar mosquitos transgênicos para combater o Aedes aegypti transmissor da dengue, a partir de setembro, em três bairros, sem ter ouvido a opinião da população, está sendo questionado pelo vereador Wanderson Castelar (PT). Integrante da comissão de Saúde da Câmara e autor de uma lei aprovada que determina a participação popular nas estratégias de combate a doenças endêmicas, o parlamentar protocolou requerimento para a realização de audiência pública e deve entrar com representação na curadoria do Meio Ambiente do Ministério Público para sustar a soltura desses insetos até que a população tenha conhecimento da proposta, dos prováveis benefícios da biotecnologia e também sobre os riscos à própria saúde e ao meio ambiente e se manifeste a respeito.

No último dia 11, às vésperas do início do recesso parlamentar, o prefeito reeleito Bruno Siqueira (PMDB) assinou contrato com a Oxitec do Brasil para a compra de mosquitos transgênicos, que passarão a ser manipulados em uma “fábrica” que será instalada no município. O contrato, que a princípio tem vigência de quatro anos, tem previsão de expansão e custará à prefeitura, no primeiro ano, R$ 165 mil.

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Na ocasião, a prefeitura anunciou que chamaria lideranças comunitárias dos bairros Monte Castelo, Santa Luzia e Vila Olavo Costa para informá-las a respeito da soltura dos mosquitos geneticamente modificados, a partir de setembro. Essas localidades registraram o maior número de casos em 2016, quando houve uma epidemia de dengue com mais de 28 mil ocorrências e 48 mortes confirmadas. O Ministério Público instaurou Ação Civil Pública que apurou a necessidade de 354 agentes de endemias, quando o município tinha apenas 150. 

Piracicaba

O Aedes transgênico que o prefeito de Juiz de Fora está comprando é o OX513A, mesmo tipo que a Oxitec fornece desde 2015 para a prefeitura de Piracicaba (SP). De acordo com o “fabricante”, esses mosquitos foram obtidos com a inserção, nos genes, de proteínas adicionais que serão transmitidas a seus descendentes. Os insetos transgênicos são soltos no ambiente e copulam com as fêmeas selvagens. Essas proteínas adicionais, herdadas pelos descendentes, vão matá-los antes de chegar à fase reprodutiva. A empresa afirma ainda que esses mosquitos não se reproduzem com outras espécies e nem se perpetuam no ambiente.

Conforme dados da companhia, os casos de dengue diminuíram 91% nos bairros da região Cecap e Eldorado, em Piracicaba, por causa da redução de 82% das larvas selvagens de Aedes aegypti em comparação à área que não recebeu os transgênicos. 

Esses bairros foram escolhidos por causa da alta incidência da doença entre julho de 2014 e julho de 2015, quando foram confirmados 133 casos de dengue na região. Com o mosquito transgênico, os números confirmados caíram para 12, segundo a Oxitec afirma com base em dados oficiais.

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Carro da Oxitec percorre ruas de Piracicaba durante soltura de mosquitos.

Cientistas e setores organizados do município, no entanto, têm restrições à maneira como a biotecnologia foi adotada e à falta de transparência quanto às informações de seu monitoramento. Tanto que em abril de 2015 foram ao Ministério Público, que naquele mesmo mês firmou Termo de Ajustamento de Conduta(TAC) com a Oxitec e a prefeitura. Mas o acordo não estaria sendo cumprido. 

Procurada pela reportagem, a promotora do caso, Maria Christina Marton C. S. de Freitas, estava em férias e não havia substituto para falar a respeito. 

Aventura

Tais resultados não convencem o ex-integrante da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), Leonardo Melgarejo. “A afirmativa de redução de 81% nas larvas está condicionada a determinado momento de avaliação. O que permite afirmar que mosquitos selvagens de áreas adjacentes ao local da liberação não migrarão para este local? É impossível isolar um território e ali controlar a população de mosquitos, impedindo a entrada e o fluxo de outras áreas”, afirma. 

“Qualquer tipo de êxito, se ocorrer, será de curto prazo. E as prefeituras que entrarem nesta aventura terão que comprar os mosquitos todos os anos. A tecnologia é um engodo porque o problema nunca se resolve.”

Em março de 2014, Melgarejo e Antônio Inácio Andrioli, que segue mandato na Comissão, emitiram parecer em que questionavam diversos pontos do dossiê apresentado pela Oxitec para obter aprovação do organismo geneticamente modificado.

Entre eles, a falta de avaliação do risco associado à introdução de grandes quantidades do mosquito OX513A no meio ambiente, em que a empresa demonstra minimizar as consequências de perturbações ecológicas para a saúde pública. 

Melgarejo, que é coordenador do Grupo de Trabalho sobre agrotóxicos e transgênicos da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e coautor do livro Lavouras Transgênicas – Riscos e Incertezas, entende que se o mosquito transgênico vier a funcionar, o vírus causador da dengue encontrá outro vetor. “Na ocasião, apostávamos que o Aedes albopictus ocuparia este espaço e traria com ele uma crise de chikungunya, porque esse aedes é mais eficiente que o aegypti para transmitir a doença”.

Ele observa ainda que uma das principais falhas no processo de produção e soltura dos insetos está na liberação de fêmeas. A separação, conforme explica, é feita por meio do escorrimento, com água, entre chapas de vidro com estreitamento gradativo, que reteriam as pupas (estágio entre larvas e inseto adulto) fêmeas. No entanto, esse processo de separação por tamanho não tem funcionado.

“A indústria está retendo pupas grandes, fora do padrão, e deixando passar pupas pequenas, entre elas de fêmeas. Ao deixá-las passar, durante a soltura dos transgênicos, o fabricante está ampliando o número de transmissores de doenças, já que são as fêmeas que picam. A redução da população nas próximas gerações de mosquitos é esperada. Porém, até lá, talvez as fêmeas liberadas ampliem o número de pessoas infectadas com a dengue”, aponta.

Embora a Oxitec rejeite a possibilidade de proliferação do seu mosquito, Melgarejo contesta. Segundo ele, há no meio ambiente partículas do antibiótico tetraciclina, ainda usado em rações animais. Em laboratório foi confirmado que essa molécula neutraliza o mecanismo que antecipa a morte antes da chegada à fase adulta. 

Novo mosquito

Os relatores do processo da cepa OX513A na CTNBio, porém, ficaram satisfeitos com a avaliação de risco apresentada pela Oxitec. E por se convencerem da segurança para humanos e o meio ambiente, deram aval para o lançamento no Brasil.

Mais do que isso, em agosto de 2016 eles voltaram a endossar os argumentos da Oxitec. Em artigo publicado em boletim da Organização Mundial da Saúde (OMS), reafirmaram as vantagens e a segurança da liberação dos mosquitos transgênicos para o controle de doenças espalhadas pela fêmea do Aedes, como a dengue, chikungunya e Zika.

E enalteceram ainda o fato de o Brasil ter se tornado o primeiro país a aprovar a liberação sem restrições de um mosquito geneticamente modificado. Nos Estados Unidos, onde as agências são mais rigorosas, o mesmo pedido aguarda liberação das autoridades, que analisam os possíveis impactos. E que, por sua vez, deverão antes realizar uma consulta pública.

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“Eles não têm provas, mas a convicção de segurança pela avaliação de uma tecnologia com tantas falhas merece preocupações. A inexistência de dúvidas costuma ser a negação da ciência. Não se espera este tipo de convicção entre avaliadores de risco com tamanha responsabilidade como aqueles que foram convidados para participar da CTNBio. Os conselhos de ética de suas formações profissionais deveriam examinar este tipo de situação”, observa o ex-integrante da CTNBio.

A julgar pelo histórico posicionamento favorável da maioria dos integrantes da comissão criada no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) para assessorar o governo federal quanto aos pedidos de liberação de novos organismos geneticamente modificados, é grande a chance de aprovação do novo pedido da Oxitec. O colegiado voltará a se reunir no início de agosto, em reunião ordinária. Trata-se de uma nova cepa do Aedes aegypti, o OX5034O, para ser solto em Indaiatuba, região de Campinas. O pedido foi apresentado em dezembro passado.

 No entanto, o novo mosquito vem à tona em um contexto controverso. Em abril de 2016, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou que os mosquitos transgênicos desenvolvidos para controle de vetores em saúde pública são objeto de regulação sanitária quanto à segurança sanitária de seu uso e em relação à sua eficácia. 

E que a venda desses desses organismos, para fins comerciais, depende de registro, que será feito somente a partir da avaliação de sua segurança e eficácia. Mas como ainda estão sendo elaboradas novas regras para a avaliação, que serão submetidas a consulta pública, a aprovação pela CTNBio é suficiente.

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Mosquito transgênico é fluorescente ao microscópio para facilitar a pesquisa.

Contratos

Enquanto isso, a Oxitec segue firmando contratos para levar novos mosquitos às prefeituras e instalar novas fábricas. Não se fala em vender mosquitos. E nem em realização de experiências porque a empresa já teria a confirmação da eficácia atestada inclusive pela CTNBio.

Segundo o banco de dados Pubmed, há 19 artigos científicos publicados em todo o mundo sobre o mosquitos da Oxitec. E nenhum desses estudos pode ser considerado independente, já em que todos há participação de pesquisadores da empresa. A insuficiência de pesquisas, que sugere que a tecnologia não foi tão bem estudada como deveria, aponta ainda para o desinteresse de outras empresas justamente por não ser tão promissora.

“O fato de inexistirem estudos para espaços continentais, como o Brasil, deve ser levado muito a sério. As avaliações positivas, que sugerem praticidade do controle, se resumem a algumas ilhas, onde não há fluxo livre de mosquitos. As outras avaliações positivas não envolvem séries temporais. Liberam os mosquitos, avaliam alguns meses após, concluem que foi um sucesso e viram as costas. Uma outra avaliação, no verão seguinte, mostrará o oposto”, diz Melgarejo. “É o que aconteceu na Bahia, que entre 2011 e 2013 teve mosquitos transgênicos soltos em Jacobina e Juazeiro. A avaliação da redução, comemorada como sucesso, foi seguida pela decretação de estado de calamidade por um novo surto de dengue.”