Lula reclama de ingerência no orçamento e reabre tensão com o Congresso, onde estão pautas caras ao Planalto
24 de janeiro de 2024

Veto a calendário de liberação de emendas e novas regras para agrotóxicos são alguns dos temas que devem ser analisados pelos parlamentares já no começo deste ano

Por Alice Cravo – Bruno Góes – Camila Turtelli – Renan Monteiro e Sérgio Roxo Fonte: O GLOBO

24/01/2024 04h30  Atualizado há 13 horas

A dez dias do fim do recesso parlamentar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a esticar a corda da relação com o Legislativo ao afirmar que, até o ano passado, era o Congresso que governava o país, numa referência ao controle do Orçamento. A declaração, dada nesta terça-feira, ocorreu no mesmo dia em que o governo oficializou o corte de R$ 5,6 bilhões nas chamadas emendas de comissão, decisão que irritou deputados e senadores, a quem caberá analisar temas caros ao Palácio do Planalto, como o veto a um calendário de liberação de emendas, novas regras para agrotóxicos e a obrigatoriedade de vistos a estrangeiros.

Declarações de Lula que desagradaram ao Congresso — Foto: Editoria de Arte
Declarações de Lula que desagradaram ao Congresso — Foto: Editoria de Arte

Segundo o petista, seu antecessor, o ex-presidente Jair Bolsonaro, não tinha “governança” e, por isso, delegava aos parlamentares a definição do destino dos recursos públicos.

— Ele não tinha sequer capacidade de discutir o Orçamento, porque não queria ou porque não fazia parte da lógica dele. O que ele queria era que os deputados fizessem o que quisessem, e resolvemos estabelecer uma relação democrática com o Congresso Nacional. Se conversa todo dia, toda hora — afirmou Lula.

O governo Lula em imagens

Com a ausência do antecessor, Lula subiu a rampa e recebeu a faixa das mãos do povo — Foto: Hermes de Paula/Agencia O Globo

Lula se emocionou ao discursar contra a fome, que prometeu erradicar novamente — Foto: Evaristo Sa/AFP
Presidente Lula, a primeira-dama Janja, em cerimônia de posse de Anielle Franco e Sônia Guajajara como ministras — Foto: Sergio Lima / AFP

Líderes de partidos aliados e de oposição se reuniram ontem para discutir um novo revés ao governo e articular a derrubada da decisão de Lula sobre as emendas de comissão. Essa modalidade não tem o pagamento obrigatório, mas foi turbinada após o fim do orçamento secreto e passou a servir de moeda política para congressistas negociarem apoio às pautas do Executivo.Após a canetada de Lula, segundo interlocutores do Planalto, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, ligou para os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com o objetivo de explicar a decisão.

Embates de Lula com o Legislativo — Foto: Editoria de Arte

Embora haja insatisfação, alguns parlamentares importantes do centrão entendem que é possível chegar a um acordo com o governo. Para o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), há espaço para diálogo.

— Lá atrás, o combinado era de R$ 11 bi (para emendas de comissão). Então, é preciso ver no detalhe por que o relator alterou posteriormente e como será a questão, no detalhe, do valor — disse Elmar.

Fora de Brasília, Lira avisou que pretende tratar do assunto na semana que vem. O deputado, porém, se queixou a aliados de que o governo tem descumprido acordos e, segundo ele, ainda há demandas de 2023 pendentes.

O que está em jogo

A articulação de Costa junto a Pacheco e Lira tem por objetivo evitar a conflagração do ambiente político na largada do segundo ano de mandato do petista, visto que há temas importantes para o governo que dependem do Parlamento. Um deles diz respeito ao fim do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). Ele está previsto numa Medida Provisória publicada no fim do ano passado e que o Congresso agora avalia não apreciar. A mesma MP inclui a reoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, iniciativa que também contrariou uma decisão dos parlamentares.

Uma reunião com líderes da Câmara está marcada para a segunda-feira. A pauta deve incluir vetos de Lula. Um deles barrou a definição de um calendário para o governo liberar emendas parlamentares. O cronograma foi aprovado no fim do ano passado, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas barrada pelo presidente no dia 2 de janeiro.

Pela norma estabelecida no texto, o governo seria obrigado a empenhar até dia 30 de junho todos os valores destinados por congressistas a seus redutos eleitorais por meio das chamadas emendas impositivas — cerca de R$ 38 bilhões. O empenho é a primeira etapa do pagamento dos recursos, quando o dinheiro é reservado no Orçamento. Congressistas desejam irrigar os cofres de prefeituras aliadas com verba pública antes das campanhas eleitorais, que começam oficialmente em agosto.

Em 2024: Com mais da metade dos vetos derrubados no primeiro ano, Lula tenta evitar novas derrotas no Congresso

O deputado José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, acredita ser possível negociar uma saída que concilie os interesses do Executivo e dos parlamentares.

— Vamos dialogar com todo mundo. Tem tempo de sobra. O nosso processo na Câmara é de construção. É o que vamos fazer para preservar os interesses do Executivo e do Legislativo — afirmou ele.

A bancada ruralista também articula enterrar vetos ao projeto de lei que altera o processo de autorização para agrotóxicos no país. Lula não deixou passar o trecho que centralizava no Ministério da Agricultura a análise de riscos e alterações nos produtos já registrados, retirando poder da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

No Parlamento: Lula corre risco de ter ao menos quatro vetos derrubados pelo Congresso na volta do recesso; saiba quais são

Além disso, parlamentares dão como certo a derrubada de um decreto de Lula que retoma a necessidade de visto para turistas provenientes do Canadá, Austrália e Estados Unidos (EUA) ao entrar no Brasil — a exigência havia sido extinta pelo governo Bolsonaro. A nova regra está prevista para abril, mas, caso seja derrubada no Congresso, sequer entrará em vigor.

Na mesma entrevista, nesta terça-feira, Lula mencionou outro ponto de fricção que teve com o Legislativo. Apesar de afirmar que o Congresso tem tido a “compreensão necessária” do que é preciso ser feito, ele citou o impasse referente ao marco temporal para a demarcação de terras indígenas. O presidente afirmou que vetou o projeto de lei por uma questão política, mas que já esperava a derrubada do seu veto.

— O Congresso tem tido a compreensão necessária das coisas que a gente tem que fazer. “Ah, mas derrubaram o marco temporal, o senhor vetou e derrubaram o veto”. Obviamente que derrubaram o veto, é só ver qual é a maioria no Congresso e sabia que ia derrubar, mas vetei por uma questão evidentemente política — disse o petista.

Disputa entre aliados

Na volta do recesso, Lula terá de escolher a quem entregará a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão que havia sido extinto no início do ano, mas foi recriado pelos parlamentares. A indefinição se arrasta há pelo menos seis meses, e a estratégia adotada pelo presidente até aqui tem sido a de postegar a decisão.

Dois partidos da base do Planalto brigam pelo comando da fundação. Integrantes do Republicanos dizem ter sido comunicados que a legenda ficaria com o cargo. Já no PSD o argumento é que essa foi uma demanda ainda da época da transição de governo.

Área de comentários

Deixe a sua opinião sobre o post

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Comentário:

Nome:
E-mail:
Site: