Seropédica é uma cidade situada na periferia metropolitana do Rio de Janeiro. Mesmo sede de um campus universitário que congrega milhares de alunos, professores e técnicos administrativos e de uma unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa Agrobiologia, com mais de cem profissionais entre analistas e técnicos, e com mais de 80.000 habitantes (80.596, segundo o Censo de 2022, do IBGE), continua sofrendo diuturnamente com constantes interrupções no fornecimento de energia elétrica e no acesso à água encanada.
Vale acrescentar, trata-se de uma localidade entrecortada por linhões e torres de grande potência, gasoduto, oleoduto e abriga a Usina de Biogás da EVA Energia, do Grupo Urca, na Central de Tratamento de Resíduos Santa Rosa (CTR) e um complexo termelétrico da Petrobrás, formado pelas Usinas Termelétricas Seropédica e Baixada Fluminense, a primeira com oito unidades geradoras e 385,9 MW de capacidade instalada operando com gás natural e a segunda com capacidade energética de 530 MW, sendo composta por três turbogeradoresː dois com 172 MW (a gás) e um com 186 MW (a vapor).
No que se refere à água, o território de Seropédica está situado nas proximidades de importantes mananciais de água, pois está integralmente inserido na Bacia do Guandu-RH II e recebe grande parte das águas do Sistema Ribeirão das Lajes, fundamental na história do abastecimento hídrico do Rio de Janeiro. Por sua vez, a Estação de Tratamento de Água (ETA) do Guandu, em Nova Iguaçu, responsável por 80 % do abastecimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, é simplesmente limítrofe à cidade, sendo a captação da água feita justamente no trecho do Rio Guandu que divide as duas cidades. Trata-se simplesmente da maior estação de tratamento de água do mundo em produção contínua, segundo registro do Guinness Book, O Livro dos Recordes, conforme destacado no folheto institucional da empresa.
É absurda, portanto, a situação referente às constantes faltas de energia e interrupções de fornecimento de água. Ambos são serviços sob concessão: o fornecimento de energia é de responsabilidade da Light Serviços de Eletricidade S/A, empresa privatizada em 21 de maio de 1996, tendo como compradores a estatal francesa Electricité de France (EDF), as americanas Houston Industries Energy e AES Corporation, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a BNDESPar, além de 30 % ter ficado sob controle da Eletrobrás, mas que desde 12 de maio de 2023 entrou com pedido de recuperação judicial. Já a distribuição de água é feita pela Rio+Saneamento, empresa criada em 2021 pelo Grupo Águas do Brasil em parceria com o fundo Vinci Partners. Fundada em 1998, a empresa é uma holding de concessionárias do setor privado de serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento, que possui como grupos controladores a Developer S.A., a Queiroz Galvão e a New Water Participações. Por sua vez, a Vinci Partners é uma empresa brasileira de fundos de investimentos fundada em 2009 por antigos sócios da BTG Pactual com atuação em diferentes ramos, como energia, infraestrutura, imobiliário, telecomunicações, restauração e medicina diagnóstica.
Nesse cenário, energia elétrica e água encanada não são mais exatamente direitos da população, mas “serviços”, ou, se preferirmos, mercadorias, negócios, capitais, fontes de riqueza e de poder. Os diuturnos piques e oscilações de energia e a suscetibilidade da rede de eletricidade a quaisquer fenômenos atmosféricos mesmo de baixa magnitude, como precipitações e ventos moderados, têm causado grandes problemas, como a avaria de eletrodomésticos e a perda de alimentos que requerem refrigeração; da mesma maneira, a interrupção do fornecimento de água, muitas vezes sem sequer um aviso prévio, tem efeito avassalador, fazendo com que muitas famílias, especialmente em situação de vulnerabilidade, não consigam fazer coisas simples, como tomar banho, preparar seus alimentos e consumir água potável.
Como professores da UFRRJ, sabemos que a interrupção no fornecimento de luz ou água na cidade gera transtornos profundos no cotidiano da universidade. Como manter as aulas sem previsão correta de retorno do fornecimento de ambos os “serviços”? Como armazenar alimentos corretamente sem energia elétrica ou como lavar cuidadosamente o que será servido aos alunos sem água nas torneiras do restaurante universitário? Como negociar com quem cobra tão caro por serviços tão mal realizados, que não cumpre prazos auto estabelecidos e que desrespeita as necessidades do cidadão comum? Como planejar calendários de aulas, ações, eventos, projetos, em meio à constante e inescapável dúvida se haverá disponibilidade de água ou “luz normal”?
Bom, nesse cenário, resta-nos destacar que na UFRRJ a periferia jamais é apenas estudo de caso: é a morada e a vida cotidiana da maioria; é afeto, conflito e desafio; é o estudo autorreferenciado e crítico; é o trabalho, a cosmovisão e a luta por melhorias. Preferimos dizer que, mais que relação com o entorno, a UFRRJ é também o entorno! A UFRRJ tem que se engajar na melhoria das condições da cidade onde moram, circulam, se alimentam, onde vivem muitos de seus estudantes, professores e técnicos administrativos. É preciso que todos compreendamos: a questão central é a luta coletiva por mais justiça territorial, direitos igualitários para todos e sobre o papel que importantes sujeitos, como a UFRRJ, podem ter no enfrentamento das mazelas da região.
Texto: Leandro Dias de Oliveira- André Santos da Rocha- Pablo Ibañez
Laboratório de Geografia Econômica, Política e Planejamento (LAGEP)
Professores do Departamento de Geografia (DGG-IGEO) da UFRRJ
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