Interditada há dois meses, estrada isola Paulo de Frontin de Paracambi e espalha prejuízos
6 de maio de 2024

Bloqueio provocado pelos estragos causados por fortes chuvas em fevereiro tem gerado enorme impacto na vida dos moradores dos dois municípios

O caminho de pouco mais de 10 quilômetros é bucólico: sinuoso, estreito, cercado por densa vegetação e pode ser percorrido de carro em meros 15 minutos. Na verdade, podia. Há mais de dois meses, o trecho da rodovia RJ-127 que corta a serra entre as cidades de Paracambi, na Região Metropolitana do Rio, e Engenheiro Paulo de Frontin, no Centro-Sul do estado, virou uma estrada fantasma, fechada ao tráfego de veículos e sem previsão de reabertura.

O trecho da rodovia RJ-127 que corta a serra entre as cidades de Paracambi, na Região Metropolitana, e Engenheiro Paulo de Frontin, no Centro-Sul do estado, virou uma estrada fantasma — Foto: Custódio Coimbra
O trecho da rodovia RJ-127 que corta a serra entre as cidades de Paracambi, na Região Metropolitana, e Engenheiro Paulo de Frontin, no Centro-Sul do estado, virou uma estrada fantasma — Foto: Custódio Coimbra

O bloqueio da pequena via, devido aos estragos causados por fortes chuvas na noite de 21 de fevereiro, tem gerado enorme impacto na vida dos moradores dos dois municípios. Obrigados a usar alternativas com trajetos quase sete vezes mais longos, além de passagens de ônibus que saltaram de R$3,90 para R$ 23, alguns já perderam o emprego, outros interromperam os estudos e teve até quem tenha resolvido se mudar para fugir do transtorno.

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A dificuldade extra para sair de Paulo de Frontin e chegar a Paracambi custou a Adriano Almeida dos Santos, de 47 anos, o emprego de porteiro num prédio do Méier, na Zona Norte do Rio. A rotina de descer a serra e pegar o trem na estação de Paracambi, que já não era fácil, ficou mais complicada. Diante dos inevitáveis atrasos, ele conta que recebeu um ultimato dos patrões. Para não ser dispensado por justa causa, pediu demissão.

— Não tive escolha, estava complicado demais. Agora, não sei o que vou fazer. Em Paulo de Frontin é difícil arrumar emprego e, sem previsão de abrir a estrada, as opções ficam limitadas — diz Adriano.

O cenário no trecho bloqueado da estrada impressiona. Há árvores enormes arrancadas pela raiz, pedras e barro por todo lado, além de áreas em que a lateral da pista foi tragada pelo íngreme barranco que se formou.

Caminhos fechados — Foto: Editoria de Arte
Caminhos fechados — Foto: Editoria de Arte

Um ano de obras

O Departamento de Estradas de Rodagem (DER), do governo estadual, informou que “as obras de recuperação da Serra de Paracambi estão em fase final de tramitação interna”. O projeto de recuperação da via prevê 12 meses de obras a um valor estimado em mais de R$ 92 milhões. Entre as intervenções está prevista a construção de um viaduto com 150,5 metros no ponto mais crítico. Embora seja tratada como “obra emergencial”, com dispensa de licitação, ainda não há prazo para que os trabalhos comecem, e a previsão é de que o tráfego no local só seja gradativamente liberado depois de seis meses das obras iniciadas. Os técnicos argumentam que a manutenção do fechamento é necessária por questões de segurança. Seja como for, para quem depende da estrada no dia a dia, a espera, que já causou muitos transtornos, promete ser longa demais.

Para Tayara Elena Souza, de 30 anos, essa espera também significou a demissão. Moradora de Paulo de Frontin, ela batia ponto numa fábrica em Paracambi. Antes da interrupção da estrada, bastava a ela descer a serra para chegar ao trabalho. Após a RJ-127 fechar, a empresa de Tayara chegou a dar férias para ela e outros empregados que vivem em Paulo de Frontin e também na vizinha Mendes. Quando ficou claro que não havia prazo para reabertura, e diante do incremento substancial do custo e do tempo para chegar ao local de trabalho, veio a demissão, depois de quatro anos de casa.

— Algumas colegas conseguiram arrumar um lugar para morar lá embaixo (em Paracambi). Mas, para mim, foi inviável. Tenho uma tia que é diarista e passou a dormir na casa da família onde ela trabalha, em Paracambi. Foi um impacto grande na vida de muita gente — diz Tayara, que já arrumou outro emprego em uma empresa em Paulo de Frontin, mas com salário menor e sem benefícios do antigo trabalho.

A opção de passar a semana em Paracambi foi adotada por outros moradores de Paulo de Frontin. Foi o caso do analista judiciário Alexandre Correia Pinto, de 60 anos.

— Não tinha como ficar indo e voltando todo dia. O tempo de viagem agora pode chegar a duas horas em cada trecho, a depender do trânsito. Eu cheguei a vir pela Estrada Imperial, mas está muito ruim, parece o filme de “Indiana Jones” — disse Alexandre, referindo-se a uma estrada vicinal, com cerca de metade da distância das rotas alternativas apresentadas aos moradores.

A falta da RJ-127 já adiou até o sonho da formatura de Gabriela Santos Guilherme, 39 anos, moradora de Paulo de Frontin que cursa Administração Pública no Cederj/UFF, em Paracambi.

— Esperava me formar este ano, estava tudo caminhado para isso, mas tive que trancar a matrícula. A passagem ficou cara. O curso é semipresencial, mas para não ser reprovada por faltar às provas tive que fazer essa opção — conta.

No caso de Larah Messias, de 21 anos, a decisão de se mudar de Paulo de Frontin para Paracambi foi quase uma imposição. No segundo período do curso de Engenharia de Produção (Cederj/UFF) e trabalhando numa empresa da cidade, ela teve que antecipar a decisão de sair de Paulo de Frontin:

— É mais gasto. Mas, no momento, está valendo a pena. Depois que finalizarem o projeto da estrada eu posso decidir voltar ou não.

Prejuízos no comércio

Empresas das duas cidades também têm sofrido com o fechamento da rodovia. Estabelecimentos ligados ao turismo e negócios como lanchonetes, mercados e postos de gasolina sentiram o golpe primeiro, mas a conta já chegou a outros setores.

— Minhas vendas caíram bastante desde o fechamento da estrada, tenho muitos clientes em Paracambi e Seropédica. Agora ficou bem mais difícil chegar aqui, o pessoal sumiu. A gente vai levando, mas está muto complicado — diz o empresário Roberto Schiavo, de 48 anos, que também é ciclista e atua no ramo de bicicletaria.

Apesar das queixas, os moradores entendem que o desastre foi grande. O discurso mais comum, no entanto, é de que, com boa vontade e fiscalização, seria possível liberar a pista em esquema de pare e siga, por exemplo. O DER sustenta que a reabertura só acontecerá quando houver condições plenas de segurança.

As duas rotas alternativas para quem quer fazer o trajeto Paracambi-Paulo de Frontin têm quase 70 quilômetros cada uma. Em uma delas, que vai na direção de Miguel Pereira pelas rodovias RJ-121 e RJ-129, o Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio (Detro-RJ) autorizou, no início de março, a criação de uma linha provisória de ônibus. Além da longa duração da viagem (pode chegar a duas horas), o problema é o preço: R$ 46 ida e volta. A outra via alternativa é só para quem tem veículo próprio. Por ela, é preciso ir até Piraí e descer pela BR-116 (Via Dutra).

Em nota, a prefeitura de Paracambi disse que o fechamento da RJ-127 “está afetando significativamente a vida das pessoas” e que “estudantes, trabalhadores e quem precisa pegar o trem na estação de Paracambi enfrentam dificuldades e perdas de tempo devido ao desvio necessário”. O município informou que suas “equipes estão trabalhando para auxiliar o Estado em tudo que for possível para reabrir a rodovia o mais rápido possível”. Procuradas, as prefeituras de Engenheiro Paulo de Frontin e Mendes, não se manifestaram.

Fonte: O GLOBO

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