No dia 14 de setembro, a igreja festeja a exaltação da santa cruz, uma festa muito importante para os cristãos do Oriente e também do Ocidente. Ela lembra Cristo Jesus que morreu na cruz, para a salvação da humanidade.
Dom Vital Corbellini, bispo de Marabá – PA.
No dia 14 de setembro, a igreja festeja a exaltação da santa cruz, uma festa muito importante para os cristãos do Oriente e também do Ocidente. Ela lembra Cristo Jesus que morreu na cruz, para a salvação da humanidade. “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim”(Jo 12,32). Jesus também coloca que é pela cruz que nós somos chamados a segui-lo: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mc 8, 34).
A literatura patrística e os testemunhos arqueológicos colocaram como ponto de referência a respeito da cruz na festa da inventio crucis (descoberta da cruz), nascida pela dedicação das basílicas construídas em Jerusalém, pelo Imperador Constantino do Santo Sepulcro e do Calvário (325 dC). A partir de então, impulsionou-se sempre mais, o culto da cruz com o desenvolvimento de uma série de homilias dos santos padres e de iconografias bem individuais. Fazendo memória dos mártires e de outras pessoas, ela também apareceu sobre os sarcófagos, os túmulos dos cristãos como crux invicta, como símbolo de vitória de Cristo Jesus sobre a morte e o pecado, e sempre em alusão à sua ressurreição[1]. A seguir dar-se-á uma visão a respeito da cruz nos padres da Igreja, os primeiros escritores cristãos.
O significado da cruz
São Gregório de Nissa, bispo do século IV afirmou que a cruz possui um significado profundo, no qual se faz a descoberta pelos olhos da fé do fiel e por uma atitude sua de amor. Pela cruz é importante perceber na morte de Cristo, o lado humano e ver na maneira de como ele morreu, o elemento divino. Aquele que sobre ela foi estendido segundo o plano de salvação, através da morte, é o mesmo que estreita e ajunta a si mesmo todo o universo, pela sua pessoa, Cristo Jesus, as diversas naturezas dos seres numa só harmonia. Através da cruz, a criação é orientada para Ele e por meio d’Ele mantém a sua coesão, pois no “Nome de Jesus Cristo se dobre todo o joelho, nos céus, na terra e sob a terra” (Fl 2,10)[2].
A morte de Cristo na Cruz
Santo Ireneu, bispo de Lião dos séculos II e III disse que a morte de Jesus Cristo na cruz foi a morte do justo pelos injustos. Ele tornou perfeitamente justos aqueles que nele crêem, e que, como ele, estes podem sofrer a perseguição e a morte. Cristo passou pela morte de cruz, para a salvação de todos para assim chegar à gloria da ressurreição[3].
Na Cruz, água e sangue jorraram do seu lado
Tertuliano, padre africano, dos séculos II e III, colocou o valor da cruz na vida do cristão, do batizado e da batizada. Cristo Jesus nunca ficou sem água, pois foi batizado (cfr. Lc 3,21), depois deu início aos milagres pela transformação da água em vinho (cfr. Jo 2,1-2), e ele também convidou os seus seguidores e as suas seguidoras a beber da sua água que é fonte de vida eterna (cfr. Jo 4,14). O batismo de Jesus foi até a sua paixão. Quando ele estava na cruz, na sua morte, pela lança do soldado, água e sangue saíram do seu lado (cfr. Jo 19,34), significando a vida sacramental da Igreja e de todos os fiéis em Cristo[4].
Cristo passou pela Cruz
Tertuliano teve que se defrontar com Praxeas que era um patripassionista, ou monarquianista, pois ele afirmou que quem sofreu na cruz não foi o Filho, mas, o Pai. Seguindo a Palavra dos evangelhos, o padre africano teve que dizer que foi o Filho quem sofreu na cruz, e não o Pai, quando ele disse: “Pai, nas tuas mãos eu entrego o meu espírito” ( Lc 23,46) e depois da ressurreição o fez sentar-se à direita do Pai (cfr. Mc 16,19)[5].
A Cruz na alma da pessoa
São Jerônimo, presbítero, dos séculos IV e V disse que a cruz é também carregada na alma da pessoa, pois quando se falava da cruz, para ele, não pensava só de quem morreu na madeira mas também na dor, pois a cruz encontrava-se em todos os lugares, seja na Bretanha, na Índia e em toda a terra, porque o evangelho é claro ao dizer que se não carrega a sua cruz e não se segue a Cristo, não pode ser discípulo dele (cfr. Lc 14,27). É feliz quem carrega no seu intimo a cruz, a ressurreição, o lugar do nascimento e da ascensão de Cristo. O fato é que todo o dia Cristo vem ao ser humano afixado à cruz[6].
A Cruz: escândalo e salvação
Santo Inácio de Antioquia, bispo do século I, afirmou que a cruz é escândalo para os que não crêem, mas é salvação e vida eterna para todos os seguidores e seguidoras de Jesus Cristo. O Deus de Jesus Cristo, segundo a economia de Deus, foi levado no seio de Maria, da descendência de Davi e do Espírito Santo. Ele nasceu e foi batizado, para purificar a água pela sua paixão e morte, para assim chegar à gloria da ressurreição[7].
Tudo tem sentido pela Cruz
São Justino de Roma, filósofo cristão, do século II, teve presente a cruz na leitura platônica em relação a este instrumento crucial. Ele falou que o filósofo grego Platão teria lido Moisés quando ele ergueu uma haste no deserto com uma serpente em forma de X de modo que todos os que fossem picados por serpentes e olhassem para aquela figura, seriam salvos por meio dela (cfr. Dt 32,22). Para São Justino, Platão teria lido isso e não compreendendo e nem entendendo que se tratava da figura da cruz, tomou-a pela letra X grega, e disse que o poder que acompanha a Deus, o Filho de Deus, estaria estendido pelo universo em forma de X, de cruz[8].
Segundo São Justino, a cruz era importante na existência cristã, dando sentido para muitas coisas da vida e do universo. Diante das organizações romanas, ela era o maior símbolo de sua força, como se manifestou pelas mesmas coisas que caem sob os nossos olhos. Tudo o que existe no mundo possui a sua comunicação com a figura da cruz de Cristo, pois, seria impossível sulcar o mar, sem que a chama da vela, não se mantém de pé no navio; também não se ara a terra, sem os instrumentos que tem essa figura. Da mesma forma, a figura humana não se distingue dos animais irracionais senão por ser reta, poder abrir os braços e levar partindo de frente, o chamado nariz mostrando a forma da cruz do Senhor Jesus[9].
A Cruz como redenção dos pecados humanos
Ainda em São Justino ele dizia que a cruz nos redimiu de nossos pecados. Quando nós estávamos banhados pelos gravíssimos pecados que tínhamos cometido, nosso Senhor Jesus Cristo nos redimiu quando foi crucificado sobre o madeiro, quando nos purificou pela água e nos converteu em casa de oração e de adoração[10].
A Cruz como marca dos fieis
São Cirilo de Jerusalém, bispo no século IV afirmou que o madeiro da vida foi plantado na terra para que se obtivesse a benção do Senhor e os mortos fossem liberados. Não é para ter vergonha de confessar o crucifixo. Em qualquer ocasião com fé, traçamos com os dedos um sinal de cruz: quando comemos o pão ou bebemos, quando entramos ou saímos, antes de adormecer-nos, quando estamos deitados e quando nos levantamos, seja que estamos em movimento ou permaneçamos no nosso lugar. A cruz é uma ajuda eficaz, gratuita, para os pobres e para os débeis, pois o seu sinal não requer algum esforço. Trata-se de uma graça de Deus, marca dos fieis e terror dos demônios. Com este sinal o Senhor triunfou sobre eles, expondo-os ao escárnio público (cfr. Cl 2,14-15)[11].
São Cirilo também dizia aos seus catecúmenos para que não se envergonhassem da cruz do Cristo, mas que eles fizessem o sinal da cruz diante de todos de maneira que os demônios, vendo aquele sinal real, fujam temerosos pela cruz. Ele convidava os catecúmenos a fazerem o sinal da cruz nas diversas ocasiões do dia e da vida humana[12].
Morte e ressurreição, modelo para nós
Santo Agostinho bispo de Hipona, dos séculos IV e V, disse que a morte e ressurreição do Salvador são sinais de sacramento, modelos para nós, pois ele não sendo pecador, nos reconciliou com Deus. Revestido da sua carne mortal, morrendo e ressurgindo, Cristo Jesus ajustou-se à nossa morte, visto que nela se realiza o sacramento do ser humano interior e o exemplo do seu exterior. Assim o Senhor pela cruz e ressurreição, transfigurará o nosso corpo humilhando, conformando-o a seu corpo glorioso (cfr. Fl 3,21)[13].
A importância da Cruz de Cristo
São Leão Magno, papa de 440-461, afirmou que todas as dificuldades e as esperanças humanas tem o seu fundamento na cruz de Cristo. É do alto do lenho onde esteve Cristo crucificado, vem a força para a continuidade de nossos trabalhos, desafios, realizações humanas e eclesiais. Cristo Jesus assumiu com fé e com amor a cruz, porque salvou a humanidade. Ele não considerou indigno assumir a natureza de servo (cfr. Fl 2,7). O fiel é chamado a imitar o que ele fez, amar o que ele efetuou e encontrar muito amor gratuito de Deus para a sua vida. É desta forma que abraçar a cruz é matar a ganância, aniquilar os vícios, afastar-se da vaidade é renunciar a todo erro para assim celebrar bem a Páscoa do Senhor na vida das pessoas[14].
A cruz é vida, pois nela morreu Jesus Cristo para a salvação do gênero humano. Se na antiguidade ela era sinal de condenação, Cristo Jesus tomou a cruz como condição para a pessoa segui-lo, pois o Senhor por primeiro, a carregou em nome de todo o ser humano, para assim passar da cruz à glória da ressurreição. A festa da exaltação da santa cruz ajude-nos a viver a palavra do Mestre para que carreguemos a cruz de cada dia com fé e com amor, para um dia chegar à ressurreição com o Senhor.
[1] Cfr. V. Grossi. Croce, Crocifisso. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane, diretto da Angealo Di Berardino, A-E. Marietti, Genova, 2006, pgs. 1295-1298.
[2] Cfr. Gregório de Nissa. A Grande Catequese, XXXII, 4-9. Paulus, SP, 2011, pgs. 358-361.
[3] Cfr. Irineu de Lyon. Demonstração da pregação apostólica, 72-75. Paulus, SP, 2014, pgs. 123-125.
[4] Cfr. Tertulliano. Il Battesimo, 9, 4. Introduzione, Traduzione, Note e Appendice Attilio Carpin. Edizioni San Clemente, Edizioni Studio Domenicano, Bologna, 2011, pg. 159.
[5] Cfr. Tertulliano. Contro Prassea, XXV, 2; XXX, 5, Edizione critica con introduzione, traduzione italliana, note e indici a cura di Giuseppe Scarpat. Corona Patrum, SEI, Torino, 1985, pgs. 218-219; 236-237.
[6] Cfr. Girolamo. Commento al Salmo 95. In: La teologia dei padri, v. 2. Città Nuova Editrice, Roma, 1982, pg. 143.
[7] Cfr. Inácio aos Efésios, 18,1-2. In: Padres Apostólicos, Paulus, SP, 1995, pg. 88.
[8] Cfr. Justino de Roma. I Apologia, 60, 1-5. In: Paulus, SP, 1995, pg. 75.
[9] Cfr. Justino de Roma. Idem, 55, 4-5, pg. 71.
[10] Cfr. Justino de Roma. Diálogo com Trifão, 86, pg. 246.
[11] Cfr. Cirillo di Gerusalemme. Catechesi battesimali, 13,35-36. In: In: La teologia dei padri, 2, pg. 152.
[12] Cfr. Cirillo di Gerusalemme. Idem, 4, 14, pg 153.
[13] Cfr. Santo Agostinho. A Trindade, IV, 3, 6. Paulus, SP, 1995, pgs. 142-155.
[14] Cfr. Leone Magno. Sermoni, 74, 4-5. Idem, pg. 147.
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