Dezesseis mortos por mês. Essa é a média de vítimas de tiroteios e/ou disparos de arma de fogo nas principais vias da região metropolitana do Rio de Janeiro entre julho de 2016 e setembro deste ano, segundo levantamento do Fogo Cruzado, ferramenta digital que faz um mapeamento não oficial da violência decorrente do uso de armas de fogo na cidade.
Em 14 meses, 226 pessoas perderam a vida, das quais 118 eram policiais e 108, civis. Além das mortes, ocorrências envolvendo disparos deixaram 327 feridos –a maioria também de policiais (183).
O levantamento contabiliza, no total, 393 tiroteios e/ou disparos em um período de 436 dias — média de uma ocorrência a cada 26 horas .
Das oito vias analisadas, a mais problemática é a avenida Brasil, onde ocorreu quase a metade dos registros (138). Com pouco menos de quase 60 km de extensão, ela corta vários bairros da cidade e é considerada a mais importante do Rio. Ao menos 23 pessoas morreram e 44 ficaram feridas na avenida Brasil em decorrência de tiros.
As demais vias que fazem parte do levantamento são: avenida Cesário de Melo (zona oeste), avenida Pastor Martin Luther King Junior (zona norte), linhas Amarela e Vermelha, rodovia Presidente Dutra, rodovia Washington Luiz (a BR-040, que liga a capital à região serrana) e a via Light (liga o Rio a municípios da Baixada Fluminense).
Na visão do coronel reformado da PM Róbson Rodrigues, que já comandou as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) e foi chefe do Estado-Maior da corporação, crimes como assaltos a veículos e roubos de carga criam um ambiente propício a tiroteios nas grandes vias da região metropolitana fluminense.
“Esses indicadores aumentaram rapidamente nos últimos anos e impediram qualquer manejo ou ação de inteligência. Tivemos ainda uma fragilização do processo das UPPs e da política de segurança pública como um todo, o que gerou uma oportunidade para que esse tipo de ocorrência voltasse a aumentar”, afirmou.
Segundo o ISP (Instituto de Segurança Pública), o indicador de roubo a veículo teve, em setembro, um aumento de 25% em comparação com o mesmo mês do ano passado.
Já o roubo de carga é um problema histórico do Rio e que aumentou nos últimos anos. Entre 2011 e 2016, foram mais de 33 mil ocorrências, segundo o ISP, e prejuízo de R$ 2,1 bilhões, conforme estimativa da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro).
Dada a gravidade do tema, o Estado criou um grupo integrado para coibir roubos de carga, em parceria com a PRF (Polícia Rodoviária Federal) e Polícia Federal. Com a implementação de um plano de enfrentamento, o indicador tem recuado nos últimos meses. Em setembro, houve redução de 24%.
Rodrigues lembrou ainda que muitas vias margeiam áreas formadas por favelas, como a avenida Brasil –onde estão os principais acessos às comunidades do Complexo da Maré, na zona norte carioca. “Nesses locais, os criminosos se sentem mais à vontade para escapar de perseguições. Também tem o fator roubo de rua, com assaltos frequentes nos pontos de ônibus, principalmente em horários mais vulneráveis, quando a população está indo ou voltando do trabalho.”
“A avenida Brasil, por exemplo, vai do Parque Alegria, no Caju [zona norte], até Campo Grande [zona oeste]. Sempre foi uma região de forte incidência criminal. A extensão da avenida Brasil também é um fator que deve ser levado em consideração”, completou.
Facções e policiamento
Cecília Olliveira, gestora de dados do Fogo Cruzado e pesquisadora na área de segurança pública, diz que o problema também está relacionado a um déficit de policiamento nas vias expressas.
“O efetivo do BPVE [Batalhão de Policiamento em Vias Expressas] é muito reduzido e tem que se dividir entre as grandes vias. E é uma divisão por turno, sendo que os PMs não podem mais dobrar o turno. Antes, eles até trabalhavam além da escala”, argumentou ela, lembrando que a crise financeira do Estado inviabilizou o RAS (Regime Adicional de Serviço).
“Você precisa desenhar o policiamento específico de cada área. (…) Se existisse um número adequado de policiais trabalhando nessas vias, o resultado seria outro, sem dúvida. E tem ainda a questão da falência das UPPs, que certamente provocam um impacto no policiamento total da cidade”, disse.
Cecília lembrou que, por conta da crise nas UPPs, facções do tráfico de drogas se “reacomodaram” em determinadas áreas nos últimos anos. Isso levou a disputas “acirradas” entre grupos rivais, sustenta a pesquisadora, e a necessidade de “fazer caixa”. Para ela, a demanda do crime organizado reflete diretamente no recrudescimento da violência urbana.
“As facções estão se reacomodando. Você tem hoje disputas muito acirradas em determinadas áreas da cidade, e os criminosos precisam fazer caixa para poder pilhar outros territórios. As facções têm hoje o momento ideal de ação. Elas precisam se preparar para essa disputa, e o campo está muito fácil para isso. O cenário é ideal.”
Por meio de nota, a Polícia Militar informou que o BPVE é responsável pelo policiamento das linhas Vermelha e Amarela, da avenida Brasil e da avenida Transolímpica. Não foi informado, no entanto, o número de agentes responsáveis pelo patrulhamento.
A PM também não comentou as críticas feitas por Cecília. Em nota, o órgão destacou apenas que “é importante lembrar as dificuldades enfrentadas pela Polícia Militar, como as perdas de recursos humanos e materiais, que impactam o policiamento preventivo”.
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