Matéria públicada na revista Época
Diante da crise ambiental e social, pensadores sugerem iniciativas que usem a força do mercado para remediar ecossistemas degenerados e comunidades desestruturadas
Em 1997, o professor Evandro Moraes da Gama, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), já previa o problema que as barragens de mineração poderiam causar no futuro próximo. De acordo com ele, já existiam provas de que, em determinado momento, seria insustentável manter represas do tipo, principalmente no Quadrilátero Ferrífero, região que abrange nove municípios populosos de Minas Gerais. Naquele ano, o professor Evandro e mais um grupo de pesquisadores começaram a buscar soluções para aproveitar as toneladas de rejeitos de minério acumuladas em monumentais barragens distribuídas pelo país, como a que rompeu em Mariana, em Minas Gerais.
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Conhecido como o maior acidente ambiental do Brasil, o rompimento da barragem da mineradora Samarco, em novembro de 2015, causou um tsunami de lama que destruiu casas, matou pessoas e contaminou mais de 660 quilômetros de rios com rejeitos de minério. Dois anos antes, os pesquisadores da UFMG já tinham desenvolvido uma tecnologia para reaproveitar esse tipo de lixo das mineradoras em pisos, asfaltos, tijolos, blocos de estrutura para a construção civil. Dentro de um laboratório da universidade que fica em Pedro Leopoldo, região metropolitana de Belo Horizonte, eles criaram o ecocimento. Segundo Evandro, o uso inteligente do material é feito sem riscos para a saúde ou para o meio ambiente e o produto final é mais econômico e resistente do que o tradicional.
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O ecocimento é feito por meio da transformação dos rejeitos de minério em um pó, a lama calcinada. Para isso, o material é colocado dentro de um forno que faz a água do barro evaporar-se completamente. Esse pó tem uma propriedade especial, que os engenheiros chamam de grande superfície específica. Essa propriedade faz com que o pó agarre outros materiais colocados em contato com ele. Funciona da mesma maneira que o cimento popularmente conhecido. Além disso, as rochas estéreis também descartadas no processo de mineração, quando moídas e calcinadas, acrescentadas a cal ou cimento, também se transformam em ligantes poderosos. A partir da junção desses materiais, é possível produzir blocos de tijolos.
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Segundo Evandro, grandes mineradoras, Ministério Público, pesquisadores e a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) já discutem estratégias para fomentar a utilização do material. Na opinião do professor, para atingir a população de baixa renda, o produto precisa receber incentivo fiscal em um primeiro momento. “Para se popularizar, o produto não pode ser sobretaxado, ele precisa ser mais barato do que o que já existe no mercado. Há também a necessidade da conscientização de que esse material não é tóxico, como a mídia divulgou na época do derramamento. Nós queremos ver a utilização do ecocimento em grande escala, na construção de estradas, prédios, estruturas de esgoto, barragens hidrelétricas”, disse Evandro.
O projeto do ecocimento é fruto de uma nova maneira de pensar. É uma filosofia que propõe usar as forças econômicas para ajudar a curar os males do planeta. É mais do que pregar que os negócios respeitem os limites naturais. O objetivo é fomentar ideias economicamente viáveis que ajudem a resolver problemas já existentes. O termo cunhado para descrever isso é economia regenerativa.
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A economia regenerativa considera, por exemplo, o aproveitamento do lixo de um processo de produção como matéria-prima para outros produtos. Talvez, se tivesse sido colocado em prática com alguns anos de antecipação, a tragédia de Mariana pudesse ter sido evitada. Mas, até o século passado, a economia mundial perseguiu cegamente o crescimento financeiro sem se preocupar com as consequências ambientais. Essa atitude causou o aprofundamento da desigualdade social em diversos países, principalmente nos menos desenvolvidos, e está levando o planeta ao colapso ecológico. Este século clama por uma nova maneira de agir, de forma que as necessidades de todos sejam atendidas, mas respeitando os limites da Terra.
Em 2015, o Instituto Capital Think dos Estados Unidos divulgou um relatório defendendo que os economistas contemporâneos precisam pensar de acordo com a “ciência do holismo”. Isso significa que, para salvar o mundo, capitalismo ou socialismo não serão suficientes para consertar todos os problemas já causados. Segundo o relatório, esses dois sistemas econômicos encaram cada cadeia de produção com individualidade. Por exemplo, os efeitos da produção de automóveis são independentes dos da mineração de ferro, da extração de combustíveis fósseis, da liberação de gases poluentes. O holismo, por outro lado, vê toda a cadeia dos meios de produção como um conjunto, considerando também os impactos sociais de cada uma. Esse termo foi citado pela primeira vez por Jan Smuts, em 1926, no livro Holismo e evolução. Para o autor, concentrar-se em apenas uma parte dos processos de produção pode dificultar o entendimento do organismo social como um todo, que inclui pessoas, economia e meio ambiente.
Em abril deste ano, a economista Kate Raworth lançou o livro Doughnut economics: seven ways to think like a 21st century economist, que em português seria Economia da rosquinha: sete maneiras de pensar como um economista do século XXI. Nele, a autora explica que, nos últimos 200 anos, a atividade industrial se baseou em um sistema degenerativo para o planeta. A matéria-prima é retirada da natureza, transformada nas coisas que os consumidores desejam, utilizadas por um tempo e depois jogadas fora. A resposta atual para isso é o conceito de sustentabilidade. Ele propõe que o desenvolvimento respeite os limites sociais e ambientais, para se perpetuar. Mas como lidar com o que já foi danificado? Como recuperar comunidades degradadas ou ecossistemas degenerados. Aí entra um novo conceito, que para alguns é uma evolução da sustentabilidade. Para eles, não basta preservar, é preciso recuperar. “É necessária a transformação da economia que temos hoje, que é degenerativa por definição, em uma que seja regenerativa”, escreveu Kate. Ela defende que os economistas do século XXI têm o papel crucial de cultivar o potencial dos negócios e das finanças para fazer florescer esse futuro regenerativo.
Há três anos, o arquiteto holandês Daan Roosegaarde visitou Pequim, capital da China, pela primeira vez. Hospedado em um quarto no 32º andar, ficou incomodado ao perceber que não conseguia enxergar a cidade pela janela. Inspirado pela situação inconveniente, naquela viagem ele decidiu construir um monumento que chamasse a atenção do mundo para a questão da poluição do ar. Com a parceria do Ministério de Proteção ao Meio Ambiente da China, o artista criou um enorme aspirador de poluição e passou a fabricar diamantes com as impurezas capturadas no ar.
Pode parecer brincadeira ou ficção científica, mas o projeto Smog Free Tower realmente existe e funciona. A torre foi instalada no ano passado em Pequim, construída com 7 metros de altura por 3,5 metros de largura. De acordo com o holandês, a torre é o maior aspirador de ar do mundo e tem a capacidade para limpar 30.000 metros cúbicos de ar por hora. Além disso, a máquina é movida por energia limpa, a eólica, e precisa de somente 1.400 watts para funcionar, o mesmo que uma chaleira elétrica.
Mas como o projeto transforma a poluição recolhida em diamantes? Simples. O autor do projeto explica em seu site, Studio Roosegaarde, que mais de 40% da poluição recolhida pela máquina é carbono. Expondo as partículas a uma elevada pressão, o material é transformado em diamantes. Ao comprar um anel do projeto Smog Free Ring, a pessoa carrega nas mãos cerca de 1.000 metros cúbicos de ar sujo. E leva na consciência a noção de que deixou na atmosfera de Pequim o mesmo tanto de ar limpo. Um verdadeiro item de colecionador, os anéis são exclusivamente produzidos pela equipe da Roosegaarde na Holanda.
Em 2017, uma nova etapa do projeto Smog Free deve ser apresentada. Trata-se de uma bicicleta que filtra a poluição atmosférica. O conceito de funcionamento é basicamente o mesmo da torre. A bicicleta inovadora deve inalar ar poluído e purificá-lo ao redor do ciclista.
O conceito de economia regenerativa defende basicamente os mesmos ideais dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), criados pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015. Os ODS foram adotados oficialmente por todos os 193 estados-membros da ONU. As metas, que deverão ser cumpridas até 2030, estabelecem ações em diversas áreas, como educação, paz, consumo responsável, igualdade social e proteção do meio ambiente. Pelo segundo ano consecutivo, o Prêmio ÉPOCA Empresa Verde apresenta a categoria especial baseada nos ODS. As empresas com boas práticas ambientais devem se inscrever até 17 de julho.
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