Pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Francisco, nos Estados Unidos, criaram um dispositivo capaz de traduzir pensamento em palavras.
O estudo que descreve o feito, publicado nesta quarta (24) na revista científica britânica Nature, tem dois neurocirurgiões e um engenheiro elétrico como autores. No futuro, a tecnologia poderá ajudar pessoas que perderam a habilidade da fala por conta de um derrame ou de doenças como esclerose lateral amiotrófica, a ELA, que atingiu o físico Stephen Hawking, morto em 2018.
O estudo monitorou a atividade cerebral da fala de cinco voluntários, que estavam em tratamento de epilepsia e passariam por uma neurocirurgia. Durante o procedimento, foram inseridos eletrodos entre o osso da cabeça e o cérebro dos pacientes.
Os pesquisadores, então, pediram aos pacientes que falassem centenas de frases. Enquanto isso, um monitor ligado aos eletrodos fazia uma espécie de mapa da atividade elétrica no cérebro, mostrando quais áreas repercutiam enquanto os pacientes falavam.
“Se eu pedir para a pessoa mexer a mão, vai acender a área do cérebro que teve um impulso elétrico. A mesma coisa acontece com a fala. Os pesquisadores registraram a área de Wernicke, que é a parte do cérebro que controla a linguagem”, explica o neurologista Saulo Nader, do hospital Albert Einstein e colaborador do departamento de neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
O estudo propôs a decodificação dos sinais captados em duas etapas. A primeira mapeou a articulação dos músculos da fala (como os lábios, a língua, a laringe e a mandíbula). Em seguida, outra rede artificial decodificou esses movimentos em componentes fonéticos, os sons, para que a fala pudesse ser produzida artificialmente.
“Imagine que você está falando, mas sem emitir som. Os músculos estão se movendo de acordo com os comandos enviados pelo cérebro. Primeiro, eles processaram isso e depois transformaram esse comando em um componente fonético para produzir os sons e palavras. Conseguiram inovar ao transformar essa atividade cerebral em fala”, explicou Roger Taussig Soares, neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Para o neurologista Guilherme do Olival, do hospital Albert Einstein, no entanto, a novidade pode ser útil para uma parcela muito pequena das pessoas que não podem falar. “Por um lado, é revolucionária porque o dispositivo transforma a atividade cerebral em algo visível. Por outro, ela atinge a minoria do grupo interessado.”
Isso porque a tecnologia só pode funcionar em quem possui a região neurótica da fala ativa. Ou seja: quem já nasceu sem o estímulo não poderá utilizar o dispositivo.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 15 milhões de pessoas sofrem um derrame a cada ano. Dessas, 5 milhões ficam com alguma sequela permanente, que pode incluir a perda da capacidade de fala.
Ainda de acordo com a organização, estima-se que a ELA, que resulta em paralisia motora irreversível, é diagnosticada em 6 a cada 100 mil indivíduos.
Hoje, a tecnologia mais avançada no auxílio da fala em pessoas que perderam essa habilidade é a que era utilizada pelo físico Stephen Hawking. No caso dele, movimentos da bochecha ou dos dedos eram transformados em fala. No novo decodificador neural, basta o pensamento.
“Hawking só conseguia falar de oito a dez palavras por minuto e sem entonação no discurso, como se fosse um GPS. Com esse novo aparelho, a ideia é que você consiga falar mais palavras e passar uma naturalidade”, diz o neurologista Saulo Nader. As pessoas normalmente falam cerca de 150 palavras por minuto.
Doutor em educação para a ciência e professor de robótica assistiva, o físico Edival Rodrigues de Viveiros explica que é uma tendência explorar mecanismos capazes de decodificar sinais corporais de forma integrada. “As melhores interfaces conseguem ler neurônios de várias regiões do cérebro ao mesmo tempo”, diz ele.
Os próximos passos do trabalho da Califórnia são aprimorar o dispositivo para que ele chegue o mais perto da naturalidade possível e testar se ele funciona também em pessoas que não falam.
“Queremos criar uma tecnologia para que pessoas possam se comunicar de forma mais natural”, disse Edward Chang, um dos autores da pesquisa, em coletiva de imprensa. “O estudo foi feito a partir de palavras que foram ditas. Ainda não sabemos se é possível decodificar pensamentos isolados.”
Fonte: Jornal do Brasil
Notícias de Seropédica, do Brasil e do Mundo