As recentes mudanças climáticas vêm trazendo consequências para o nosso planeta, com muitos dos eventos ganhando a atenção dos cientistas pela velocidade em que acontecem Entre esses desastres, está o derretimento do permafrost (ou pergelissolo) ártico, solo que é composto por rochas, terra e sedimentos.
Este derretimento, no entanto, acaba sendo ainda mais grave pela liberação de substâncias nocivas ao meio ambiente, como carbono, metano e mercúrio tóxico, além de vírus e bactérias que causaram doenças perigosas há muitos anos. De acordo com Sue Natali, pesquisadora do The Woods Hole Research Center, organização de pesquisa científica sobre o clima nos Estados Unidos, o permafrost ártico é rico em matéria orgânica e possui aproximadamente 1,500 bilhões de toneladas de carbono.
Natali diz ainda que essa quantia representa cerca de duas vezes mais carbono presente na atmosfera, sendo três vezes mais do que o carbono que está armazenado em florestas de todo o planeta. A previsão para o futuro é que entre 30% e 70% do pergelissolo derreta ainda antes do ano 2100, tudo dependendo do impacto dos esforços para reduzir as mudanças climáticas causadas pela ação humana.
“Os 70% são se continuarmos com a queima de fósseis na taxa atual, e 30% se reduzirmos a emissão de maneira ampla. Dentro desses 30% a 70% que derreterem, o carbono preso na matéria orgânica vai começar a entrar em decomposição pelos micróbios, que o usam como energia ou combustível, liberando CO2 ou metano”, conta a cientista.
Aproximadamente 10% do carbono que, provavelmente, será liberado como CO2 pesará entre 130 a 150 toneladas, sendo o equivalente à taxa total de emissão somente dos Estados Unidos, todos os anos até 2100. “As pessoas falam sobre uma bomba de carbono. Em escalas de tempo geológicas, essa liberação não é lenta. É um reservatório de carbono que está trancado e que não é contabilizado no orçamento usado para manter os aumentos de temperatura a menos de 2 °C”, explica Natali.
Desastres visíveis
Entre os anos de 2018 e 2019, o inverno do Hemisfério Norte ficou marcado por acontecimentos como o vórtice polar, que é um ciclone de grande escala, conforme as temperaturas desciam de forma extrema até a América do Norte. Na cidade de South Bend, no estado norte-americano de Indiana, a temperatura chegou a -29 °C em janeiro de 2019, chegando a dobrar o recorde anterior que aconteceu bem antes, em 1936.
No entanto, não foi muito divulgado que o mesmo estava acontecendo no extremo norte. Também em janeiro do ano passado, foi registrado no Mar Ártico uma extensão de gelo de somente 13,56 milhões de quilômetros quadrados, o que era aproximadamente 860 mil abaixo da média registrada entre os anos de 1981 a 2010.
Tudo isso significa que o Ártico está esquentando duas vezes mais rápido que o restante do planeta, e a causa disso é a redução da refletividade solar. Com o aquecimento, consequentemente, o permafrost começa a descongelar de uma forma que não havia sido prevista antigamente.
Emily Osborne, editora do Boletim do Ártico, estudo ambiental anual da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), conta que a paisagem do Ártico está se deteriorando a cada vez mais. Além disso, em 2017, o boletim afirmou que não há sinais de que a região volte a ficar congelada de forma estável.
Um dos artigos do Boletim do Ártico também conduziu a análise das temperaturas do pergelissolo a uma profundidade de 20 metros, chegando à conclusão que o aumento foi de 0,7 °C desde o ano 2000. De acordo com Hanne Christiansen, professora e vice-reitora da University Centre in Svalbard, na Noruega, uma das autoras do estudo e presidente da Associação Internacional de Permafrost, confirma que o que uma vez esteve congelado de forma permanente pode ser liberado com o derretimento.
Christiansen conta que, em 2016, as temperaturas de outono em Svalbard ficaram acima de zero durante todo o mês de novembro, e que foi a primeira vez que isso aconteceu desde o início dos registros, em 1989. “Então, vieram grandes quantidades de chuva, a precipitação aqui é tipicamente de neve, mas tivemos deslizamentos de terra atravessando estradas por centenas de metros e tivemos que evacuar algumas partes da população”, conta a pesquisadora.
Voltando à América do Norte, lagos começaram a surgir com o derretimento e muitos deles estão borbulhantes devido à presença de metano. “De vez em quando, andamos pelos lagos porque são bem rasos e é como se você estivesse em uma jacuzzi, têm muitas bolhas”, diz Natali.
O metano e o CO2, no entanto, não são as únicas coisas que são liberadas assim que acontece o descongelamento. Em 2016, no verão, um grupo de criadores de renas começou a ficar doente devido a uma doença misteriosa. Depois de um tempo, após a morte de 2.500 renas e um garoto, a doença foi identificada como antrax, que se originou 75 anos antes do acontecimento.
A edição de 2018 do Boletim do Ártico mostrou que doenças como varíola e gripe espanhola, que já foram exterminadas, poderiam seguir congeladas no pergelissolo. De acordo com um estudo francês, publicado em 2014, cientistas pegaram um vírus de 30 mil anos atrás congelados no permafrost e o aqueceram novamente. Então, 300 séculos depois, ele rapidamente voltou à vida.
Cientistas alertam ainda para a presença de microplásticos no mar que, devido às correntes marítimas globais, acabam parando no Ártico, ficando congelados no gelo do mar ou no permafrost. No mar da Groenlândia, entre os anos de 2004 e 2015, a concentração de microplásticos dobrou.
“Isso é algo que nós não percebemos (anteriormente) como um problema. O que os cientistas estão tentando encontrar agora é a composição desses microplásticos, que tipos de peixes estão se alimentando deles… e se estamos, essencialmente, ingerindo microplásticos pela ingestão desses peixes”, conta Emily Osborne.
Em relação à liberação de mercúrio do Ártico, ele é o local que mais acumula a substância de todo o planeta. De acordo com estimativa do Serviço Geológico dos Estados Unidos, deve haver um total de 1.656.000 toneladas de mercúrio retido no pergelissolo e na calota polar, sendo o dobro da quantidade global existente no solo, oceanos e atmosfera.
Existem benefícios no derretimento do Ártico?
Osborne concorda que, com o derretimento, o Ártico está ficando a cada vez mais verde. Porém, temperaturas mais altas aumentam a prevalência de doenças e vírus, sendo um dos motivos pelos quais a cada vez mais as renas da região estão ficando doentes.
Além disso, Natali conta que diversas áreas também estão enfrentando um fenômeno em que as temperaturas evaporam a água da superfície até a atmosfera, o que acaba causando a morte de plantas. Algumas áreas também estão passando por inundações repentinas, que acontecem com o colapso do solo.
Natali completa dizendo que as ações tomadas pelo mundo todo terão um grande impacto em relação à emissão de carbono que será liberada na atmosfera, e a quantidade de permafrost que será descongelada. A cientista conta ainda que o Ártico depende disso — e que nós dependemos do Ártico.
Fonte: BBC
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