Em um estudo realizado recentemente, um grupo de voluntários bebeu uma mistura branca, sabor hortelã, com bilhões de bactérias. Os micróbios foram projetados para decompor uma toxina que existe naturalmente no sangue.
A grande maioria de nós é capaz de fazer isso sem qualquer ajuda. Para aqueles que não conseguem, porém, essas bactérias podem se tornar um remédio vivo.
O teste é um marco importante em um campo científico promissor conhecido como biologia sintética. Duas décadas atrás, pesquisadores começaram a mexer com os seres vivos da maneira como engenheiros trabalham com peças eletrônicas.
Eles se aproveitaram do fato de que os genes em geral não funcionam isoladamente. Em vez disso, muitos trabalham juntos, ativando e desativando um ao outro. Biólogos sintéticos manipulam essas comunicações, criando células que respondem a novos sinais ou de novas maneiras.
Até agora, o maior efeito dessas pesquisas foi na indústria. As empresas estão usando bactérias modificadas como fábricas em miniatura, montando moléculas complexas como antibióticos ou compostos utilizados para produzir tecidos.
Nos últimos anos, porém, várias equipes de pesquisa voltaram sua atenção para o nosso interior. Os cientistas querem usar a biologia sintética para formar micróbios que entram em nossos corpos e nos tratam por dentro.
A mistura bacteriana que os voluntários beberam recentemente – testada pela empresa Synlogic – pode se tornar o primeiro tratamento médico baseado em biologia sintética a ser aprovado pela Administração de Alimentos e Medicamentos.
À medida que a fenilalanina se acumula no sangue, pode danificar os neurônios no cérebro, levando a atrasos no desenvolvimento, à deficiência intelectual e a distúrbios psiquiátricos. O tratamento tradicional para a PKU é uma dieta estritamente pobre em proteínas, acompanhada de suplementos nutricionais.
Em experiências feitas com ratos e macacos, porém, as bactérias da Synlogic mostraram que podem ser promissoras como um tratamento alternativo. Na terça-feira, os pesquisadores da empresa anunciaram resultados positivos em um ensaio clínico com voluntários saudáveis.
Os cientistas estão agora avançando com um teste em pessoas com PKU e esperam divulgar os resultados iniciais no ano que vem.
Tal Danino, biólogo sintético da Universidade de Columbia, disse que vários outros pesquisadores estão trabalhando em projetos semelhantes, mas ninguém avançou tão rapidamente quanto a Synlogic. “Eles estão liderando os testes”, afirma.
No ano 2000, um dos fundadores da Synlogic, James Collins, biólogo sintético do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), publicou uma das primeiras provas dos princípios da biologia sintética.
Junto com colegas, ele deu às bactérias E. coli uma maneira de ativar e desativar um gene quando estivessem expostas a certas substâncias químicas – “como um interruptor para dos genes”, explica Collins.
A princípio, os cientistas imaginaram que as bactérias retrabalhadas poderiam ter utilidade como sensores ambientais – talvez detectando armas biológicas no ar e produzindo um sinal químico em resposta.
Mas então, descobrimos o microbioma.
Em meados dos anos 2000, os microbiologistas começaram a mapear nossa coleção de micróbios, a grande diversidade de organismos que vivem em pessoas saudáveis. Segundo os cientistas, o microbioma está continuamente realizando processos complexos de bioquímica, alguns dos quais ajudam a nos proteger de doenças.
Os biólogos sintéticos logo começaram a se perguntar se poderiam adicionar bactérias modificadas à mistura – talvez como sensores internos de sinais de doenças, ou até mesmo como “fábricas” dentro dos intestinos capazes de produzir substâncias de que o corpo necessita.
“É impossível superestimar o impacto do trabalho do microbioma”, avisa Jeff Hasty, que foi aluno de Collins e hoje coordena seu próprio laboratório na Universidade da Califórnia, em San Diego. “Essa descoberta, em resumo, mudou tudo.”
Em 2013, Collins e Timothy Lu, outro biólogo sintético do MIT, fundaram a Synlogic, e começaram a procurar em quais doenças poderiam testar suas ideias. Uma de suas escolhas foi a PKU, que afeta 16.500 pessoas nos Estados Unidos.
Recentemente, tornaram-se disponíveis medicamentos que podem reduzir os níveis de fenilalanina. Eles, no entanto, só funcionam em uma parcela dos pacientes e possuem seus próprios efeitos colaterais.
“As ferramentas que temos disponíveis hoje não são boas o suficiente”, diz Christine Brown, diretora executiva da National PKU Alliance.
Durante anos, pesquisadores exploraram o tratamento da PKU com terapia genética, na esperança de inserir versões funcionais do gene defeituoso, chamado PAH, nas próprias células do paciente. Mas a estratégia não foi além dos estudos em ratos.
A Synlogic achou que a PKU era a oportunidade perfeita de usar a biologia sintética para criar um tratamento que pudesse obter aprovação do governo.
Pesquisadores da empresa selecionaram uma cepa inofensiva de E. coli que tem sido estudada por mais de um século. “A maioria das pessoas tem E. coli saudável e boa em seu trato intestinal”, explica Paul Miller, diretor científico da Synlogic.
Então, os pesquisadores inseriram genes no DNA da bactéria para que, uma vez que chegassem ao intestino, quebrassem a fenilalanina como deveriam fazer nossas próprias células.
Um dos novos genes tem codificada uma bomba que as bactérias usam para sugar a fenilalanina ao redor delas. Um segundo gene produz uma enzima que decompõe a fenilalanina em fragmentos. As bactérias então liberam os fragmentos, que são expelidos na urina.
A equipe da Synlogic, porém, queria que os micróbios quebrassem a fenilalanina apenas no lugar e na hora certos no corpo humano. Então, projetaram as bactérias para manter seus genes de fenilalanina desligados enquanto sentissem altos níveis de oxigênio ao redor.
Somente quando chegam a um lugar com pouco oxigênio – o intestino – elas ativam os genes projetados.
Para testar as bactérias, os pesquisadores criaram camundongos com uma mutação que causa a PKU. Quando os ratos receberam uma dose da bactéria, a fenilalanina no sangue caiu 38 por cento, em comparação com os ratos sem os micróbios.
Os pesquisadores também testaram as bactérias em macacos saudáveis. Quando macacos sem os micróbios ingeriam uma dieta rica em proteínas, experimentavam um pico de fenilalanina no sangue. Já os macacos que tinham bactérias artificiais em seus intestinos experimentaram apenas um leve aumento.
Para o teste em humanos, a Synlogic recrutou pessoas saudáveis para ingerir as bactérias. Alguns tomavam uma dose única, enquanto outros, doses cada vez maiores ao longo de uma semana. Depois de ingerir as bactérias, os voluntários bebiam um shake ou comiam alimentos sólidos ricos em proteínas.
Na terça-feira, a Synlogic anunciou que o teste demonstrou que as pessoas são capazes de tolerar as bactérias com segurança. Além disso, quanto mais bactérias elas ingeriram, mais fragmentos de fenilalanina acabaram em sua urina – um sinal de que as bactérias estavam fazendo o trabalho esperado.
O próximo passo será verificar se esses micróbios podem reduzir os níveis de fenilalanina em pessoas que sofrem de PKU.
“Estou impressionado com a rapidez com que chegamos a esse resultado”, afirma Collins, que não está envolvido na pesquisa de PKU da Synlogic.
Em julho, Danino e seus colegas publicaram um artigo na revista Cell Systems onde catalogam uma série de outros distúrbios para os quais os pesquisadores estão desenvolvendo tratamentos com micróbios sintéticos, incluindo inflamações e infecções.
Atualmente, Danino e Hasty estão colaborando em outro projeto: como usar a biologia sintética contra o câncer.
Um grande desafio no desenvolvimento de medicamentos para o câncer é que eles muitas vezes não conseguem penetrar nos tumores. Mas pesquisadores de microbiomas descobriram que, regularmente, bactérias naturais se infiltram em tumores e crescem dentro deles.
Agora, os cientistas estão criando bactérias que também podem se infiltrar nos tumores. Uma vez lá, vão descarregar moléculas que atraem células do sistema imunológico, uma estratégia que os pesquisadores esperam que mate o câncer.
“Eu acho que qualquer lugar onde há bactérias no corpo torna-se uma oportunidade para projetá-las para fazer outra coisa”, diz Danino.
Por Carl Zimmer
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