Reforma política e fim da reeleição
6 de novembro de 2014

01. O fim da reeleição e a consequente eliminação do “político profissional” vêm ganhando, a cada dia, mais consenso na sociedade brasileira. E no dia em que for contada essa possível história, um glorioso espaço deve ser reservado ao Jornal da Cultura, dirigido por William Corrêa, que corajosamente foi um dos primeiros meios de comunicação a conceder espaço para a defesa da tese, cumprindo seu compromisso de promover o aprimoramento cultural e intelectual da pessoa humana e da sociedade, por meio de sua formação crítica para o exercício da cidadania, valorizando sempre os bens constitutivos da nacionalidade brasileira, no contexto da compreensão dos valores universais.

02. Que a anunciada reforma política comece aprovando o fim da reeleição não só para os cargos executivos, senão também para os do Legislativo. Essa é a única forma de acabarmos com os “políticos profissionais”, que fazem da política não o instrumento de satisfação dos interesses gerais e comuns (como imaginavam os gregos que fundaram a democracia, a começar por Aristóteles), senão uma forma de se perpetuarem personalistamente no poder, por meio de reeleições contínuas (suas e/ou de seus parentes), facilitadas pelos polpudos financiadores empresariais das campanhas, que nem sequer esperam as aberturas das urnas para já cobrarem o retorno dos seus “investimentos”.

03. Em democracias consolidadas (diz G. Torquato), a reeleição pode ser um eixo de aperfeiçoamento democrático, no entendimento de que o mandato de quatro anos seria insuficiente para um partido no poder concluir sua obra. “Em países de instituições políticas e sociais em processo de consolidação, como é o caso do nosso, a reeleição bafeja os governantes, visto que, sem se afastarem do posto, eles usufruem o simbolismo e a força inerentes ao cargo. Essa alavancagem contribui para entortar a régua da igualdade entre disputantes. Um mandato de cinco anos sem reeleição cairia melhor na moldura de nossa democracia, pois propiciaria a renovação de mandatários e a oxigenação das estruturas governativas”. Nosso movimento popular (veja fimdareeleição. Com. Br) vai mais longe: somos pelo fim da reeleição em todos os cargos (executivo e legislativo). Com isso evitamos o pecaminoso e danoso político profissional, que é o que se perpetua na política corrupta, como se essa malignidade fosse o destino cruel e inevitável do Brasil.

04. A reeleição (como bem acentuou Ronaldo Caiado, Folha 4/11/14: A3) é causa da deterioração do processo eleitoral, sequestra a máquina pública durante o mandato do eleito, o Estado vira refém de quem tem a caneta governante na mão (aumenta sua vulnerabilidade), transforma a estrutura do Estado em anexo partidário, aumenta a descrença da população na política, beneficia o candidato que está governando, propicia mais apoio de partidos e tempo de televisão e rádio, proporciona mais doações das empresas com interesses nas licitações e contratos com o governo, alavanca as campanhas majoritárias por meio da atração dos candidatos a deputado, alija ou dificulta a entrada de novos candidatos no processo eleitoral etc.

05. É certo que a melhor vacina contra o uso e o abuso da máquina pública para fins eleitorais seria o voto assim como o controle jurídico promovido pelas instituições dedicadas aos freios e contrapesos democráticos (veja Alexis de Tocqueville, A democracia na América). Mas é uma ingenuidade imaginar que os eleitores brasileiros, sobretudo os que vivem do clientelismo político bem como os que lutam pelo prato diário de comida, estejam em condições de refutar ou mesmo de recriminar as bondades que recebem. Mais ingênuo ainda seria deixar de contextualizar o sistema eleitoral brasileiro com a corrupção da máquina pública.

06. Até parece que o próprio instituto da reeleição não fora “comprado” em 1997, como admitiu FHC: “[Ele] sempre negou o esquema. Dez anos depois, em sabatina na Folha, em 2007, o tucano não negou que tenha ocorrido a compra de votos. Alegou que a operação não foi comandada pelo governo federal nem pelo PSDB: “O Senado votou [a reeleição] em junho [de 1997] e 80% aprovou. Que compra de voto? (…) Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB: não foi. Por mim, muito menos; confissão gravada de 2 deputados federais do Acre que diziam ter votado a favor da emenda da reeleição em troca de R$ 200 mil recebidos em dinheiro. Outros três deputados eram citados de maneira explícita e dezenas de congressistas teriam participado do esquema. Nenhum foi investigado pelo Congresso nem punido” (ver Fernando Rodrigues, Folha).

07. O fato de o instituto da reeleição já ter nascido de forma corrompida constitui um indicador negativo que nos leva a eliminá-lo. Em países altamente corrompidos como o Brasil (72º no ranking da Transparência Internacional), a reeleição (em todos os cargos públicos) agrava ainda mais a deplorável qualidade da nossa democracia eminentemente personalista. John Bailey, professor da Universidade de Georgetown, levantou a seguinte hipótese (veja Crimen e impunidad): “A maioria dos países latino-americanos estão envolvidos em um equilíbrio baixo, ou seja, os problemas de insegurança interagem com instituições judiciais e reguladoras débeis, ineficientes e até mesmo predatórias, o que constitui uma das causas fundamentais de uma democracia de baixa qualidade”. A democracia na América Latina (sentenciou Larry Diamond, citado por Bailey) “continua degradando-se e desfigurando-se porque conta com um Estado de Direito frágil”. Nesse contexto atua ferozmente o princípio da inércia, ou seja, diversos mecanismos produzem ou reproduzem condutas negativas e a resistência a reformas significativas se intensifica cada vez mais.

ref-política

Área de comentários

Deixe a sua opinião sobre o post

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Comentário:

Nome:
E-mail:
Site: