Em abril de 2011, o indígena apiaká Pedrinho Kamassuri morreu aos 70 anos de pneumonia e tuberculose. Entre os 730 apiakás que habitam reservas indígenas nos estados do Mato Grosso e Pará, Kamassuri era o único que dominava este idioma do tronco linguístico Tupi-Guarani.
Com a morte do ancião, o idioma apaiaká não conta com mais nenhum falante, mas a língua não se extinguiu. Investigadores ainda conseguiram em vida recolher o depoimento de Kamassuri com narrativas orais, vocabulários e expressões linguísticas.
O seu relato foi fundamental para a construção de uma memória do idioma prestes a desaparecer. O mesmo aconteceu com outras 34 etnias indígenas que tiveram as suas tradições orais, ritualísticas, narrativas e vocabulários registados e preservados.
“Desde 2009 realizamos um amplo programa de documentação de línguas e culturas indígenas. Identificamos etnias em situação de vulnerabilidade. Procuramos registar os léxicos, documentar narrativas, diferentes formas de comunicação e, assim, criamos acervos digitais e publicações com histórias, cantos, tradições e grafias”, disse à Agência Lusa o antropólogo luso-brasileiro José Carlos Levinho.
Levinho é o diretor do Museu do Índio no Rio de Janeiro e foi o responsável por coordenar o Programa de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas.
Os primeiros resultados após seis anos de documentação deste programa foram divulgados a 15 de maio, na sede da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em Brasília.
Na ocasião, foram lançadas 12 publicações com narrativas tradicionais e autobiográficas, glossário enciclopédico, documentação etnográfica e registos de música vocal e instrumental.
Todo o material foi produzido por jovens bolseiros indígenas em oficinas de documentação linguística, edição, desenhos e técnicas de informática.
Estas coletâneas serão distribuídas entre as 130 aldeias e escolas indígenas e também online.
Estima-se que as 35 etnias somam uma população de 30.000 indígenas espalhados por 14 estados do Brasil.
A iniciativa pioneira mobilizou 70 investigadores de 15 instituições do Brasil, Holanda, Estados Unidos, Argentina e Peru.
Os 200 bolseiros indígenas foram um dos grandes responsáveis por construir o acervo que reuniu mais de 1.600 horas de filmagens de vídeo, 425 horas de gravações sonoras e 70.000 fotografias.
“A ideia foi juntar o conhecimento acadêmico e conhecimentos indígenas. Pretendemos continuar a documentar as outras línguas”, adiantou Levinho.
Segundo a coordenadora de cultura da UNESCO no Brasil, Patrícia Reis, a perda de uma língua pode representar o desaparecimento de uma cultura inteira.
“Queremos criar um ambiente de cooperação internacional e promover a preservação do património cultural e de todas as suas expressões. A língua é um património simbólico, a identidade de um povo”, disse à Lusa.
Esta é considerada uma metodologia inédita e pode servir de referência para outros países que têm o desafio de preservar as suas línguas nativas.
O Brasil é o terceiro país do mundo com o maior número de línguas ameaçadas de extinção, segundo o Atlas Interativo de Línguas em Perigo no Mundo.
A UNESCO estima que 190 línguas indígenas podem desaparecer no Brasil, das quais 45 delas foram classificadas na categoria de risco mais elevado, pois possuem menos de 500 falantes.
José Levinho afirma que as 35 etnias selecionadas para esta primeira fase de documentação são tidas como prioritárias, pois a maioria tem menos de 10 falantes.
“É indispensável a preservação, pois irão desaparecer em breve”, comentou.
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