Olimpíadas, terrorismo e “ciberterrorismo”
16 de julho de 2016

É possível algum ataque à delegação francesa?

O ministro da Justiça disse: “Provável não, pelo que se tem de informação; mas sempre será possível”. Logo após o jogo de palavras veio a informação (ninguém sabe de verdadeira): “Estaria sendo preparado um ataque terrorista à delegação francesa nas Olimpíadas do Rio de Janeiro”. Isso é tudo que jamais deveria ocorrer, porque aí o Brasil seria a repetição de Munique, de 1972.

A Alemanha queria, naquele momento, conquistar uma nova imagem, bem distinta daquela extremamente bélica demonstrada na primeira metade do século XX (mais precisamente na 1ª e na 2ª Guerras Mundiais e no nazismo). Gostaria de se mostrar como uma nação comprometida com a paz e a irmandade entre os povos.

Nove atletas israelenses, no entanto, foram sequestrados durante tais jogos, pelo grupo palestino chamado Setembro Negro. O sonho de se promover a integração e o respeito entre as nações se converteu em pesadelo. As torpezas (e inabilidades) cometidas pelas forças policiais alemãs assim como a intransigência dos administradores de Israel e do comando palestino foram transmitidas ao vivo e em cores para o mundo todo, em tempo real (mais de 900 milhões de pessoas viram os Jogos Olímpicos daquele ano)[1]. No final, todos os reféns israelenses foram mortos. Do grupo sequestrador só restou um sobrevivente. Esse foi o primeiro atentado transmitido massivamente pela televisão.

Se o terrorismo tem como escopo mais que derrotar o inimigo, enviar uma mensagem política sobre a causa do ato ou do movimento (no caso do atentado de Munique a finalidade era chamar atenção para o que se passava com os palestinos no conflito com os israelenses), não há nenhuma dúvida que a propagação midiática é quase que uma condiçãosine qua non dos atentados terroristas.

Essa espetacularização midiática se potencializa em ocasiões especiais como nos Jogos Olímpicos, porque ali estão presentes todos os maiores e mais potentes meios de comunicação do mundo. Para além de buscar transmitir umamensagem (as organizações terroristas ou os terroristas solitários – “lobo solitário” – nunca possuem a mesma capacidade bélica e comunicacional dos Estados, daí a necessidade de que os meios de comunicação divulguem o ocorrido para que haja maior ameaça contra a sociedade ou mesmo uma máxima percepção massiva do ato, equilibrando-se dessa forma seu déficit armamentístico e comunicacional frente ao Estado), o terror faz das suas vítimas meros instrumentos para pressionar por suas demandas ou causas e, em alguns casos, para (paradoxalmente) conseguir o apoio da sociedade[2].

O que o grupo terrorista (ou o terrorista solitário) pretende, em última instância, é chamar atenção dos governantes e da sociedade inteira para seus propósitos políticos. As vítimas concretas (os inocentes atingidos pelos ataques desferidos pelo grupo ou ato terrorista) são meros instrumentos (vítimas simbólicas), porque com elas diretamente o terror não pretende nenhum tipo de acordo ou negociação.

A prova maior desse simbolismo consiste no seguinte: as vítimas são mutáveis (pode ser esse ou aquele grupo: por exemplo, os usuários do metrô desta ou daquela estação nesta ou noutra cidade). Para quem pratica o ato terrorista a vítima concreta não tem identidade, não tem nome, não tem história, não tem rosto, ou seja, não tem relevância individual. Mesmo que os assassinatos sejam seletivos, o que mais importa é a mensagem que se quer transmitir, a percepção e a apreensão massiva da sociedade, não a vítima concreta.

A finalidade primeira do ato terrorista é a de “provocar terror social ou generalizado”, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. Mas essa finalidade imediata (“de aterrorizar, intimidar, antagonizar, desorientar, desestabilizar, coagir, forçar, desmoralizar ou provocar – Alex P. Schmid”) não se confunde com a finalidade última do atentado, que é sempre política.

Todo atentado terrorista, indiscutivelmente, “rompe a vida cotidiana”, rompe o dia a dia da comunidade (provoca terror social), mas o que mais importa para o terror é o escopo final, o objetivo político pretendido, que consiste numa alteração social ou estatal do statu quo ante. Quando o grupo tem finalidade lucrativa (não política), nascem outros tipos de atentados (como narcoterrorismo, por exemplo). O mais cristalino ato terrorista, no entanto, se limita a querer mudar alguma coisa na forma de vida ou na estruturação da comunidade ou do Estado.

Seguindo em linhas gerais a exposição de Ana Prieto, [3] os ataques podem ser de pessoas ou grupos clandestinos (não estatais) ou estatais. Aliás, a violência estatal é muito mais intensa que a violência não estatal (um ataque com bomba atômica ou nuclear pode matar milhares ou milhões de pessoas). A capacidade de violência dos Estados é enormemente superior à praticada por particulares. Uma particularidade da violência estatal praticada contra seus cidadãos é que frequentemente não é divulgada, sobretudo quando se trata de países totalitários (onde vigora a censura).

A violência dos atos ou grupos particulares buscam sempre a publicidade mais universalizante possível (a propaganda “pelos fatos”, como dizia o socialista e terrorista Carlo Pisacane, no século XIX), pois do contrário não se alcança o objetivo de gerar grande apreensão da sociedade. Os atos terroristas, ademais, alcançam normalmente vítimas ou comunidades civis.

O só fato de morar num determinado território, por exemplo, pode ser fator suficiente para se converter em vítima. Não se fala em efeitos colaterais nesses ataques justamente porque o alvo não é militar, sim, civil. E quanto mais pessoas forem afetadas, mais repercussão gerará o atentado.

Outra característica marcante dos atos terroristas clássicos é a seguinte: eles se dirigem contra pessoas. É a violência ou grave ameaça contra pessoas a forma mais comum do terrorismo. Mas a lei brasileira já contemplou o que pode vir a ser uma realidade (não distanciada no tempo): o “ciberterrorismo” ou “terrorismo eletrônico”.

Grupos terroristas treinados para o uso da violência clássica (como o Estado Islâmico, por exemplo) facilmente podem mudar de estratégia (quando venham a ter acesso às modernas tecnologias para fazer algo mais que o recrutamento de jovens “idealistas” para suas causas). Os EUA já sabem que um ataque “ciberespacial” será muito mais prejudicial que os ataques físicos tradicionais. O poder de destruição das armas cibernéticas rapidamente se igualará às biológicas, químicas e nucleares.

Os territórios, o mar e o ar foram (e ainda são) os espaços da velha competição militar. Isso está mudando radicalmente porque estão surgindo as “ciberforças” que vão lutar pelo “ciberespaço” adotando estratégias de desmantelamento da “cibersegurança”[4].

É nesse contexto que pode entrar o “ciberterrorismo”. Uma “ciberforça” capaz de interromper ou destruir o espaço digital nos coloca na beira do abismo, porque todo o sistema de comunicação, transportes, financeiro, hospitalar, elétrico, nuclear, tudo pode, de repente, parar de funcionar. Será a era do cibercolapso (que nos transportará para a Idade Média).

[1] Ver PRIETO, Ana. Todo lo que necesitás saber sobre terrorismo. Buenos Aires: Paidós, 2015, p. 162 e ss.

[2] Ver sobre essa e as demais características dos atentados terroristas PRIETO, Ana. Todo lo que necesitás saber sobre terrorismo. Buenos Aires: Paidós, 2015, p. 24 e ss.

[3] Ver PRIETO, Ana. Todo lo que necesitás saber sobre terrorismo. Buenos Aires: Paidós, 2015, p. 24-25.

[4] Ver IGNACIO TORREBLANCA, El gran juedo está em la red, El País, 1/5/16, Ideas, p. 2.

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