“Tu me ensinas a fazer renda, que eu te ensino a namorar”, cantam em coro as artesãs de Aquiraz, a 30 km de Fortaleza, enquanto mexem os dedos em movimentos precisos, sem jamais tirar os olhos das pequenas máquinas que operam. “Mas namorar é melhor que fazer renda”, responde Zilda Moreira, a mais velha entre elas, despertando risadas em todos os presentes.
Estamos no Complexo Artesanal de Aquiraz, onde funcionam 72 lojas que expõem e vendem peças de renda. Há desde lenços até vestidos elaborados, peças que custam entre R$ 1 e R$ 1000 reais. O centro foi criado em 2001 e é um dos diversos galpões que reúnem e comercializam o trabalho das rendeiras no Ceará, mantendo viva uma tradição tão importante. Mas esse complexo é especial: é lá que está exposta a maior renda do mundo.
Em 2013, quando chegou ao RankBrasil (espécie de Livro Guinness dos Recordes brasileiro), a renda assinada por 40 mulheres já tinha 1,13 km de extensão. A peça começou a ser produzida em 2006. O objetivo era que estivesse pronto na época da Copa do Mundo no Brasil, em 2014, para que a tradição cearense ganhasse visibilidade internacional. Mas as mulheres rendeiras não pararam. Quando passei por lá, em junho de 2018, a renda já tinha passado dos 1500 metros de extensão.
Fio a fio
As primeiras mulheres rendeiras do Ceará eram esposas de colonos portugueses que trouxeram o costume de algum lugar da Europa (não se sabe ao certo se a história da renda começou na Itália, na Espanha ou na Bélgica). Mas, logo, a tradição se misturou aos costumes indígenas e ganhou uma assinatura tipicamente brasileira.
Há tipos diferentes de rendas, que mudam de acordo com a linha usada (mais grossa ou mais finas). Mas quase todo o processo é feito de forma sustentável, ou seja, com materiais da própria natureza. O bilro, uma haste que serve para guiar os fios entrelaçados, é feito de madeira de árvore. Os alfinetes são espinhos de cactos. A almofada que apoia os fios é recheada de folhas de bananeira.
Além do Ceará, a renda é uma forte tradição em Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Rio Grande do Norte, Sergipe, Piauí e Bahia. Até em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, e em outros cantos do sudeste há o costume de criar peças com os fios entrelaçados.
É um trabalho coletivo, que requer destreza e dedicação. A maior parte das rendeiras de Aquiraz trabalham nisso há 20, 30, até 50 anos. Quase todas irmãs, mães, filhas, tias, sobrinhas, avós, netas e cunhadas umas das outras. Algumas só tiveram essa ocupação na vida, e trançam os fios com maestria desde criança.
Famílias inteiras dependem do dinheiro da venda de renda. Por isso, os passeios organizados por agências de viagem por Aquiraz nunca deixam de incluir uma paradinha num dos galpões das mulheres rendeiras. Mesmo assim, a história das rendeiras cearenses às vezes encontra dificuldades. O Centro das Rendeiras Luiza Távora, construído em 1979 também em Aquiraz, ficou fechado entre 2008 e 2017, fazendo com que as artesãs tivessem que vender seus produtos em outras feiras, em restaurantes, ou mesmo na beira das estradas.
Ao presenciar o trabalho das rendeiras, é difícil resistir à analogia das moiras, as fiandeiras do destino da mitologia grega. Enquanto entrelaçavam fios, elas teciam também as vidas de todos os indivíduos. Lá no Ceará, é assim. Os fios das rendas contam a história das mulheres da região, cujas vidas estão igualmente entrelaçadas continuamente, sem previsão de fim.
O Complexo Artesanal de Aquiraz fica na CE-040, perto da entrada para a Praia do Iguape. Por perto, há também o Centro das Rendeiras da Prainha (R. Damião Tavares de Souza) e o Centro de Rendeiras Mirian Porto Mota (R. Luís Eduardo Studart, 1118, Iguape).
Fonte: 360meredianos
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