Justiça Federal define que cultos afro-brasileiros não constituem uma religião
16 de maio de 2014

MPF solicitara a retirada da internet de vídeos de cultos evangélicos que pregavam intolerância contra as práticas religiosas de matriz africana

Rio – A Justiça Federal no Rio de Janeiro emitiu uma sentença que considera que os cultos afro-brasileiros não fazem parte de uma religião. O juiz Eugênio Rosa de Araújo, da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro,  entende que há a necessidade de um texto base – uma Bíblia Sagrada, Torá ou Alcorão, por exemplo -, e que deve existir uma estrutura hierárquica, com um deus a ser venerado, para que se constitua uma religião.

Essa definição aconteceu em resposta a uma ação do Ministério Público Federal (MPF) que pedia a retirada no YouTube de vídeos de cultos evangélicos considerados intolerantes e preconceituosos contra os praticantes de umbanda, candomblé e outras religiões afrobrasileiras.

Eis a sentença do juiz:

“DECISÃO

Em primeiro lugar, revogo, em parte, a decisão de fls. 145/146 que determinou a formação de existência de litisconsórcio passivo necessário.

Deverá, portanto, tramitar somente em face do GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA.

Em relação à retirada dos vídeos, bem como o fornecimento do IP dos divulgadores, indefiro a antecipação da tutela, com base nos seguintes argumentos.

Com efeito, a retirada dos vídeos referentes a opiniões da igreja Universal sobre a crença afro-brasileira envolve a concorrência não a colidência entre alguns direitos fundamentais, dentre os quais destaco:
Liberdade de opinião;
Liberdade de reunião;
Liberdade de religião.

Começo por delimitar o campo semântico de liberdade, o qual se insere no espaço de atuação livre de intervenção estatal e de terceiros.

No caso, ambas manifestações de religiosidade não contêm os traços necessários de uma religião a saber, um texto base (corão, bíblia etc) ausência de estrutura hierárquica e ausência de um Deus a ser venerado.

Não se vai entrar, neste momento, no pantanoso campo do que venha a ser religião, apenas, para ao exame da tutela, não se apresenta malferimento de um sistema de fé. As manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões, muito menos os vídeos contidos no Google refletem um sistema de crença ¿ são de mau gosto, mas são manifestações de livre expressão de opinião.

Quanto ao aspecto do direito fundamental de reunião, os vídeos e bem como os cultos afro-brasileiros, não compõem uma vedação à continuidade da existência de reuniões de macumba, umbanda, candomblé ou quimbanda.

Não há nos autos prova de que tais ‘cultos afro-brasileiros’ – expressão que será desenvolvida no mérito – estejam sendo efetivamente turbados pelos vídeos inseridos no Google.

Enfim, inexiste perigo na demora, posto que não há perigo de perecimento de direito, tampouco fumaça do bom direito na vertente da concorrência – não colidência – de regular exercício de liberdades públicas.

Não há, do mesmo modo, perigo de irreversibilidade, posto que as práticas das manifestações afro-brasileiras são centenárias, e não há prova inequívoca que os vídeos possam colocar em risco a prática cultural profundamente enraizada na cultura coletiva brasileira.

Isto posto, revogo a decisão de emenda da inicial, indefiro a tutela pelas razões expostas e determino a citação da empresa ré para apresentar a defesa que tiver no prazo legal.

Após a contestação, ao MPF.

Rio de Janeiro, 28 de abril de 2014.

EUGENIO ROSA DE ARAUJO
Juiz Federal Titular
da 17ª Vara Federal.”

 

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