A interrupção da gravidez de feto que não tem possibilidade de vida é conduta atípica, e não crime de aborto, pois não há ofensa ao bem jurídico vida. Com base na decisão do Supremo Tribunal Federal que permitiu cessar a gestação de anencéfalos, a 4ª Vara Criminal do Rio de Janeiro autorizou uma grávida a abortar um feto com a síndrome de body stalk.
O Núcleo de Prática Jurídica Jéssica Philipp Giusti (NPJ), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro — Instituto Três Rios (UFRRJ), foi à Justiça pedir autorização da interrupção da gestação para a mulher e seu companheiro. Na petição, os professores Marcela Siqueira Miguens e Rulian Emmerick e a estudante Leandra Cristina de Oliveira Costa relataram que a Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro e o Instituto Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), afirmaram que o feto possui a síndrome de body stalk.
A doença é rara, incurável e impossibilita a vida extrauterina do bebê, uma vez que o cordão umbilical é inexistente e não há o fechamento da parede abdominal do embrião, deixando os órgãos expostos. Por isso, o casal decidiu pedir a interrupção da gestação, com base em parecer da Comissão de Ética Médica da Maternidade Escola da UFRJ favorável ao procedimento.
De acordo com os integrantes do NPJ-UFRRJ, a síndrome de body stalk é tão incompatível com a vida fora do útero quanto a anencefalia. E o STF, no julgamento da ADPF 54, decidiu ser inconstitucional a interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é crime. Além disso, obrigar uma mulher a levar adiante uma gestação em que não há possibilidade de sobrevivência do bebê viola os seus direitos humanos e, especialmente reprodutivos, sustentaram.
Na decisão, o juiz Gustavo Gomes Kalil apontou que o caso não se encaixa nas hipóteses de excludente de ilicitude do artigo 128 do Código Penal. O dispositivo estabelece que não será punido o médico que praticar aborto se não houver outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez resulta de estupro. Nas duas situações, não é necessário ter autorização judicial para fazer o procedimento.
No entanto, o julgador destacou que as circunstâncias e consequências dos fetos com síndrome de body stalk assemelham-se às dos anencéfalos. E, neste caso, o STF entendeu que a interrupção da gravidez é fato atípico, ressaltou Kalil.
“É, a meu ver, precisamente o caso. Note-se que se está diante de solicitação para interrupção de uma gestação, em que a requerente figura como veículo de um ser que, mercê das conclusões de ordem científica, não guarda qualquer viabilidade de sobrevida, em razão de severas malformações, razão pela qual entendo que, assim como nos casos de anencefalia, a interrupção da gravidez não pode ser tida como conduta típica, diante da inexistência de ofensa ao bem jurídico vida, como já decidido pela Suprema Corte na ação constitucional que, de resto, vincula todo o Poder Judiciário”, avaliou o juiz.
A professora do NPJ-UFRRJ Marcela Miguens elogiou a decisão, mas lamentou ser preciso recorrer ao Judiciário para cessar a gravidez de feto que não tem possibilidade de viver após o parto.
“A decisão reconhece o direito da mulher de interromper uma gestação na impossibilidade de vida extrauterina. Infelizmente, em casos como esse — de malformações distintas, mas tão inviáveis quanto a anencefalia — ainda é preciso recorrer ao Judiciário para conseguir que seja interrompida a gravidez, o que dificulta e atrasa a realização do procedimento, sobretudo em relação às mulheres em situação de vulnerabilidade”.
Clique aqui para ler a decisão
Fonte: Conjur (Consultor jurídico)
Notícias de Seropédica, do Brasil e do Mundo