Fiocruz solta mosquitos da dengue com bactéria para contaminar outros insetos e combater doença
2 de novembro de 2016

Insetos foram liberados na Ilha do Governador, no Rio. Bactéria dificulta transmissão do vírus da dengue

Diagrama mostra como a bactéria se espalha entre os mosquitos transmissores da dengue depois que os insetos contaminados são liberados em um ambiente – Fiocruz

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) iniciou na manhã desta quarta-feira os testes de campo de um novo método para combater as epidemias de dengue no país, como antecipou a coluna de Ancelmo Gois. A técnica consiste na liberação na natureza de mosquitos Aedes aegypti contaminados com uma bactéria chamada Wolbachia, que dificulta a transmissão da doença pelos insetos, mas não afeta seres humanos. Os testes fazem parte do projeto internacional Eliminate Dengue: Our challenge (Eliminar a Dengue: Nosso desafio), que já realizou experiências semelhantes na Austrália, no Vietnã e na Indonésia, com resultados promissores. Aqui, em cerca de dois anos já será possível ter resultados visíveis de redução dos casos nas comunidades onde os mosquitos serão lançados.mosquitos-fiocruz-webNesta primeira fase de testes, cerca de 10 mil mosquitos Aedes aegypti com Wolbachia serão liberados semanalmente pelos pesquisadores no bairro de Tubiacanga, na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio. O número de mosquitos é similar aos protocolos dos experimentos feitos na Austrália, onde os testes já foram concluídos em várias localidades. As liberações acontecerão durante três a quatro meses, de acordo com a avaliação dos cientistas sobre a capacidade dos mosquitos com a bactéria natural de se estabelecerem no meio ambiente e se reproduzirem com os mosquitos que já existem no local, principais objetivos desta etapa inicial.
– Estamos diante de uma estratégia científica inovadora e segura, que poderá contribuir para o controle da dengue e para a melhoria da saúde da população – avalia Luciano Moreira, pesquisador da Fiocruz e líder do projeto no Brasil, que lembra que, uma vez no ambiente, os insetos contaminados com a bactéria a transmitem naturalmente para as gerações seguintes de mosquitos, tendo efeito parcial sobre a transmissão de chikungunya e febre amarela. – Assim, o método se torna autossustentável: os mosquitos com Wolbachia predominam sem que precisemos soltar constantemente mais mosquitos com a bactéria.

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Inicialmente transferida da mosca-da-fruta (ou drosófila) para os ovos do Aedes aegypti por meio de um procedimento de microinjeção, a Wolbachia, uma vez no interior da célula, estabelece uma presença estável em vários tecidos do mosquito.

Cerca de 60% dos insetos no mundo, como o famoso pernilongo, têm presentes a Wolbachia, não existindo evidências de qualquer risco da bactéria para a saúde humana ou para o ambiente, garantem os pesquisadores. Ela pode ser transmitida apenas de mãe para filho, no processo de reprodução dos mosquitos, e não durante a picada do Aedes em um ser humano, por exemplo.

Moreira cita como exemplo da segurança do método o fato de que membros da equipe do programa na Austrália se voluntariaram para alimentar uma colônia de mosquitos com Wolbachia usando seus próprios braços.

– Eles foram picados centenas de milhares de vezes sem qualquer reação – diz

MÉTODO ESTARÁ NO MERCADO ESTE ANO

A autossustentabilidade do método com a Wolbachia é apontada como uma das suas principais vantagens frente a outras alternativas que também usam o próprio mosquito transmissor da dengue para combater a doença. Entre estas opções está uma desenvolvida pela empresa britânica Oxitec e testada com sucesso em dois municípios baianos, no qual insetos machos geneticamente modificados para terem uma disfunção metabólica são soltos no ambiente. Ao cruzarem com fêmeas selvagens, os mosquitos transgênicos transmitem o defeito para a prole, que morre ainda na fase de larva, reduzindo assim a população de Aedes aegypti na área.

O método da Oxitec já recebeu o aval da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em abril passado e deverá estar disponível comercialmente até o fim deste ano. Para funcionar, no entanto, ele exige a constante liberação de novos insetos modificados no ambiente, o que não seria necessário no caso dos mosquitos com a Wolbachia. Mas o experimento com mosquitos contaminados realizado em uma ilha no Vietnã verificou que com o tempo sua proporção no ambiente começa a cair, o que também demandaria uma periódica liberação de mais insetos com a bactéria para que ela se mantenha em níveis considerados eficazes para prevenção da dengue, de cerca de 80%.

Apesar de ser uma iniciativa promissora, há a possibilidade da ocorrência de mutações genéticas, assim colocando em risco a eficácia do método. No entanto, para Moreira, em termos evolutivos isso pode levar décadas, permitindo que se garanta, sim, a redução no número de casos nos próximos anos.20111004208521

MORADORES ENVOLVIDOS

Segundo a Fiocruz, para diminuir o incômodo da população de Tubiacanga com a liberação dos mosquitos em seu bairro, os pesquisadores, em conjunto com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, realizaram uma etapa chamada de supressão dos criadouros. O objetivo foi reduzir a quantidade de Aedes aegypti na região por meio da eliminação de criadouros confirmados do inseto e, assim, fazer com que o número total de mosquitos na área não sofra alteração.

– Buscamos com esta medida diminuir o desconforto para os moradores de Tubiacanga, que sempre apoiaram esta iniciativa científica – conta Moreira. – Ao nos aproximarmos do início dos estudos em campo, as ações de relacionamento com os moradores de Tubiacanga foram intensificadas para que fossem devidamente informados de todas as atividades. Somos extremamente gratos a essas pessoas que recebem toda semana nossas equipes em suas casas, contribuindo para um projeto que busca o benefício coletivo.

Além de Tubiacanga, o projeto vai se alastrar para Urca e Vila Valqueire, no Rio, e para Jurujuba, em Niterói. Dentre os fatores de escolha para os locais, está a ocorrência de mosquito o ano todo.

– A gente queria regiões que registrassem casos de dengue. Além disso, pensamos em uma diversidade socioeconômica e ambiental de locais onde o mosquito tivesse capacidade de se estabelecer. Todos esses locais são diferentes entre si – explica o responsável pela pesquisa.

De acordo com dados do Ministério de Saúde, em 2014 foram registrados 531 mil casos de dengue e 336 óbitos pela doença. Já em 2013, foram quase 1 milhão e meio de casos e 633 óbitos registrados.

– Essa doença é um problema grave do Brasil. O custo que estamos tendo com esse projeto é ínfimo perto do que gastamos depois para tratar essa doença – afirma Antonio Carlos Campos de Carvalho, responsável pelo Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde.

Fonte: http://www.atitudefarmaceutica.com.br/