O curioso caso do Inquérito 2.424 no Supremo.
Uma das mais importantes garantias previstas no artigo 5º da Constituição é a inviolabilidade de domicílio, descrita no inciso XI nos seguintes termos:
XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial
Sendo assim, nota-se o ingresso no domicílio de alguém apenas pode ocorrer nos seguintes casos:
1. COM CONSENTIMENTO DO MORADOR, tratando-se da hipótese mais comum, naturalmente explicável
2. SEM CONSENTIMENTO DO MORADOR, nas hipóteses de:
(2.1) Flagrante Delito
(2.2) Desastre
(2.3) Prestação de Socorro
(2.4) Durante o Dia, para cumprir Determinação Judicial.
O mais interessante é que, dentre as situações narradas, o cumprimento de determinação judicial deve ser feito durante o dia, como forma de preservar, ao menos, o repouso noturno dos indivíduos.
IMPORTANTE: não se pode esquecer que o conceito de domicílio, segundo doutrina e jurisprudência no Brasil, são aplicáveis tanto para residência quanto para o local de trabalho.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal deparou-se com uma realidade polêmica no âmbito do Inquérito 2.424 (Relator: Min. Cezar Peluso), e que trouxe um intrigante questionamento: seria possível a autorização judicial para a colocação de escutas ambientais à noite em escritório de advocacia suspeito de praticar atividade criminosa?
No caso concreto, ocorreu o seguinte: um escritório de advocacia era suspeito da prática de atos criminosos, participando de uma suposta quadrilha formada por autoridades de grande escalão na República Brasileira.
A questão foi a de que, no âmbito das investigações, a Polícia requisitou ao Órgão Jurisdicional autorização para ingressar no escritório à noite para instalação de equipamento de escutas ambiental, o que seria a única forma de comprovar a atividade criminosa de que se suspeitava. Os advogados dos acusados, então, argumentaram perante o Supremo que a prova seria ilícita, já que realizada à noite, mesmo com autorização judicial.
O tema enfrentou uma grave polêmica no próprio Supremo, sendo que parte dos Ministros achou que a prova seria ilícita por conta do horário de ingresso no domicílio, ferindo o artigo 5º, inciso XI, da Constituição (posição dos Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Eros Grau; nestes termos, cf. STF, Inq 2.424, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe nº 55, 26/03/2010, p. 123).
Contudo, a posição majoritária foi no sentido da regularidade da prova, conclusão a que se chegou com base em dois argumentos principais: (1) o relevante interesse coletivo na investigação, já que a suposta quadrilha teria gerado enorme prejuízo para as instituições da República atingidas; (2) além disso, a proporcionalidade na colheita da prova, já que feita pela Polícia com discrição e equilíbrio, tendo havido a necessária autorização judicial, não sendo possível coletá-las por outro meio.
Neste sentido, cabe destacar trecho importante da decisão proferida pelo Relator, Ministro Cezar Peluso:(STF, Inq 2.424, DJe nº 55, 26/03/2010, pp. 206-207):
“É certo que a Constituição da República, no art. 5º, incs. X e XI, garante a inviolabilidade da intimidade e do domicílio dos cidadãos.
Os escritórios de advocacia, locais não abertos ao público e onde se exerce profissão, são equiparados a domicílio, para fins dessa inviolabilidade (…).
Mas tal inviolabilidade cede lugar, em casos concretos, a tutela constitucional de raiz, instância, inspiração, alcance e peso superiores, quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime, sobretudo concebido e consumado no âmbito de seu escritório, e sob o pretexto de exercício da profissão. O sigilo do advogado, é bom lembrar, não existe para protegê-lo quando cometa crime, mas para proteger o cliente, que tem direito à ampla defesa. E a inviolabilidade não pode transformar o escritório em protegido e privilegiado reduto de criminalidade!
Os interesses e valores jurídicos, que não têm caráter absoluto, representados pela inviolabilidade do domicílio e pelo poder-dever de punir, do Estado, devem ser ponderados e conciliados à luz da proporcionalidade, quando em conflito prático, segundo o princípio da concordância (…)”
Em síntese, chegamos à seguinte conclusão: usualmente, as hipóteses de ingresso no domicílio alheio são as regradas pela Constituição, em seu artigo 5º, inciso XI. Entretanto, excepcionalmente, e tendo em vista as circunstâncias do caso concreto, o STF já reconheceu a possibilidade de ingresso noturno em domicílio, trazendo importante ressalva ao conteúdo do dispositivo constitucional citado.
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