Brasil se cala diante de costume indígena de sepultar crianças vivas
30 de dezembro de 2014

A recusa do governo brasileiro em assinar resolução de comitê da Assembleia-Geral das Nações Unidas que condena, dentre outros atos de selvageria, os apedrejamentos e as amputações – inclusive de adolescentes – na República Islâmica do Irã (antiga Pérsia), causa um misto de vergonha e de indignação.

Com isso renova-se a decisão de nossos representantes de não intervir na “cultura” de outros povos, o que não é um pretexto de todo inconsistente. Afinal, que autoridade teríamos para criticar a morte de adúlteros e de homossexuais no Irã se consideramos o assassinato de brasileiros recém-nascidos uma manifestação de nossa decantada diversidade cultural?

Sintomático que, recentemente, um programa da TV CULTURA tenha registrado, na região amazônica, uma grávida torcer a cabeça do bebê ainda no seu ventre. Seriam as crianças indígenas menos humanas que seus compatriotas? Em algumas regiões de nosso vasto território, esses seres, completamente indefesos, cujo único crime é ser filho de pai desconhecido ou suposto fruto da infidelidade da mãe, são enterrados vivos.

Nessas “culturas” também é crime punível com a morte por acovamento ter um irmão gêmeo, ser acometido de alguma doença física ou mental ou nascer com o sexo feminino quando este for considerado inconveniente pelos adultos da família ou da tribo.

Quem se cala consente

Aprovada independentemente do Brasil e dos outros 56 Estados que se abstiveram, e dos 44 que votaram contra, a resolução também censurou a Coreia do Norte e Mianmar. O chanceler brasileiro, Celso Amorim, tentando justificar sua abstenção, disse apostar no “diálogo direto” como instrumento mais efetivo: “É muito fácil seguir o que quer a imprensa que é dizer ´nós condenamos´, mas sem nenhum efeito prático”.

Diferentemente do que afirma Amorim, o documento – uma espécie de plebiscito entre a comunidade internacional – é eficiente para pressionar os Estados-Membros. Tanto que gerou veementes protestos dos países censurados, tendo o Irã até movido uma moção visando barrar a aprovação das medidas, que deverão ser adotadas já a partir do mês que vem.

Ademais, se a resolução não tivesse qualquer relação com a questão dos direitos humanos no Irã (conforme acusaram Teerã e o Itamaraty), e sim com a questão do enriquecimento de urânio para fins pacíficos defendida pelo Brasil, não deveríamos ter votado CONTRA a resolução em vez de lavado as mãos, principalmente em se tratando de nações com as quais teríamos tanta afinidade?

É o caso de perguntarmos o que estamos fazendo nas ONU, inclusive pleiteando um assento permanente no Conselho de Segurança e o Lula disputando, extraoficialmente, o cargo de diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), se fugimos à nossa responsabilidade em questões relevantes, seja em repúdio à discriminação e às penas cruéis e desumanas, seja intercedendo pelo direito de outros países desenvolverem programas nucleares como alternativa de obtenção de energia ou mesmo para sua autodefesa

Conquanto o artigo da nossa Constituição (incisos III e IV) estabelece que o Brasil deva observar, nas suas relações internacionais, a autodeterminação dos povos e o não intervencionismo, tais princípios não devem sobrepujar a supremacia dos direitos humanos (idem, inciso II), a qual deve prevalecer, pelo que o seu próprio nome indica e a nossa consciência impõe.

Ainda que a resolução tenha caráter político – afinal, Sudão e Nigéria, dentre vários outros Estados que contínua e flagrantemente violam os direitos humanos, ficaram de fora – tal exame é matéria secundária. O ponto crucial é que semelhantes abusos – os quais na oportunidade o chanceler brasileiro não negou – são inaceitáveis e devem ser extirpados o quanto antes.

O que não podemos tolerar é a motivação política servir para justificar um ato de extrema covardia como a que está por trás da abstenção do Brasil, haja vista o estreitamento de nossas relações diplomáticas com o regime do presidente Mahmoud Ahmadinejad, reeleito no ano passado em um processo com fortes indícios de fraude.

Civilização e Barbárie

O caso Sakineh Ashtiani, iraniana condenada a apedrejamento por adultério – pasmem, mesmo sendo viúva na época do suposto crime –, foi levado à Terceira Comissão da Assembleia-Geral da ONU pela delegação canadense. Após o advogado ter divulgado que sua cliente fora condenada arbitrariamente, com base apenas na convicção dos juízes, a tipificação penal passou a ser mariticídio e a pena foi comutada para enforcamento.

Mohammad-Javad Larijani, piedosa criatura que representa o Irã, defendeu a lapidação alegando que em seu país o número de pedras é limitado e que estas devem ser arremessadas “de uma forma especial, nos olhos da pessoa condenada”, sendo “uma punição menor que a execução porque […] mais de 50% das pessoas podem sobreviver”.

Isto é, desde que consigam resistir aos traumatismos cranianos ou libertar o corpo e fugir, podem sobreviver com algumas sequelas. Será por acharem essa forma de punição deveras benevolente é que as autoridades iranianas não a adotam contra os que cometem crimes de guerra em seu país ou os que desviam verbas públicas a fim de manter a maioria do povo na miséria e na ignorância, ou será porque tais atos seriam menos graves do que a orientação sexual ou o adultério, que nem sequer é crime em países como o Brasil?

O tamanho das pedras é criteriosamente determinado pelo avançado sistema jurídico iraniano: não podem ser muito grandes, a ponto de rachar a cabeça do réu com uma ou duas pancadas ou fazê-lo desmaiar (abreviando-lhe o sofrimento), nem pequenas demais, a ponto de não causar as merecidas lesões. Os próprios familiares da vítima participam ativa e voluntariamente desse macabro suplício medieval.

Embora os homens possam ser condenados por adultério, as maiores vítimas da Sharia (legislação islâmica) são as mulheres. Enquanto os homens têm direito a manter até cinco esposas, às mulheres nem sequer é permitido pleitear o divórcio.

Além disso, enquanto os homens são enterrados apenas até a cintura, aumentando-lhes as chances de escapar, as mulheres, fisicamente mais frágeis, são enterradas até a altura dos seios. Naturalmente, iranianos também não cometem adultério contra esposas mortas.

 

Clique AQUI para assistir ao trêiler do documentário “Hakani”, a história de uma sobrevivente – disponível em www.hakani.org

Fonte do video: https://www.youtube.com/watch?v=cBpuQG9XVI4

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