Pressão sobre o paraíso da Baía da Ilha Grande
22 de setembro de 2024

Censo mostra aumento de 36,6% nas construções na Costa Verde do RJ em 12 anos

Em Angra, Paraty e Mangaratiba há uma queda de braço entre a necessidade de preservar a natureza e a voracidade de quem quer ocupar áreas ainda livres

A Baía da Ilha Grande é frequentemente apresentada como uma das mais bonitas do país. E não é exagero. As águas tranquilas, as ilhas paradisíacas e a vegetação característica da Mata Atlântica tornam a região — onde estão localizadas as cidades de Angra dos Reis, Paraty e Mangaratiba — destino badalado de turistas de toda a parte do mundo e sonho de consumo de veranistas.

O resultado é uma queda de braço constante entre a necessidade de preservar o patrimônio natural, que no final das contas é o maior ativo da região, e a voracidade de quem quer ocupar as áreas ainda livres, seja para viver, seja para explorar comercialmente. A conta nem sempre fecha.

Quem frequenta a Ilha Grande — a joia da coroa na baía que, não por acaso, leva seu nome — há muito se deu conta do adensamento constante da área construída. A comparação de imagens de satélite da Vila do Abraão, maior e principal povoado da ilha, de abril de 2001 com dezembro de 2023 (disponíveis no aplicativo Google Earth) não deixa dúvidas sobre o grande crescimento experimentado pela localidade neste século.

Dados do Censo do IBGE confirmam que a ilha toda cresceu e muito no período. No ano 2000, eram 2.074 moradores e 972 domicílios. Uma década depois, os números saltaram para 5.021 e 2.964 um aumento de 142% e 205%, respectivamente. Nos registros mais recentes, que constam das chamadas “malhas preliminares” do censo 2022, já são 5.216 pessoas vivendo em 3.232 domicílios na ilha.

Obras avançam

A variação entre os censos de 2010 e 2022 representa uma pressão importante nas já saturadas localidades do paraíso turístico. Quem visita a Vila do Abraão com frequência nota com muita clareza o avanço de construções ao longo da trilha que leva à Praia da Crena, por exemplo. Por ali, em diferentes pontos, surgiram, nos últimos anos, pelo menos seis construções. A placa de identificação das obras informa que são de natureza mista, destinadas a “pousada e unifamiliar”.

De acordo com a prefeitura de Angra, cidade à qual a Ilha Grande pertence, as construções têm as licenças necessárias. A legalidade da obra, no entanto, não elimina o fato de que os apartamentos, normalmente dispostos em dois andares erguidos em cima de colunas bem à beira da Praia Comprida, se transformam em uma espécie de barreira na paisagem para quem passa por ali a pé em busca de contato com a natureza. A vista dos hóspedes, no entanto, não decepciona. Além das construções em si, chama a atenção uma área, acima dos prédios e da trilha, recentemente desmatada.

— Olha, isso aqui é impressionante. Completamente ilegal. É Mata Atlântica, supressão de vegetação a dez metros da praia. É completamente ilegal. O próprio Código Florestal brasileiro impede a construção nos topos de morro e nas áreas de Proteção Ambiental, no caso de você estar a 50 metros de um rio ou do mar — disse o ambientalista e deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ) ao analisar imagens do local.

A pressão sofrida na Ilha Grande se repete nas cidades. Os dados do Censo 2022, por exemplo, mostram que enquanto a população de Angra diminuiu 1,22% em relação a 2010, o número de domicílios saltou de 72.056 para 93.974 no mesmo período, um aumento de 30,40%. Em Paraty, o crescimento surpreende: mais 20,5% no número de residentes. O salto foi maior na quantidade de domicílios: de 16.293 para 25.998, ou 59,5%. Já em Mangaratiba, são 13% a mais de habitantes e 38,8% de acréscimo nas edificações domiciliares. Tirando o decréscimo de Angra, o crescimento das outras duas cidades chama a atenção ainda mais se comparado ao total do Estado do Rio, que registrou aumento populacional de 0,4% no período, enquanto o número de domicílios subiu 25,3%. O crescimento dos domicílios nas três cidades foi de 36,6%.

No artigo “A Baía da Ilha Grande no Censo 2022: primeiros resultados”, publicado no site do Grupo de Estudos da Baía da Ilha Grande (Gebig) da Universidade Federal Fluminense, é feita uma análise sobre o crescimento do número de domicílios de uso ocasional na região. Do total de 162.902 domicílios nas três cidades da região, apenas 57,7% estavam ocupados, bem menos que a média do estado do Rio, que é 79,9%. O estudo aponta ainda que “domicílios não ocupados são em grande parte domicílios de uso ocasional, como as segundas residências ou as casas de veraneio”.

Em Paraty, o professor de Geografia da UFF, Wilson Lopes, morador da Costa Verde, tem observado aumento do número de casas de veraneio, principalmente de moradores de Rio, São Paulo e Minas Gerais. Isso faz com que haja várias casas vazias ao longo do ano. Em paralelo, um processo de gentrificação, afastaria moradores de menor renda das áreas mais centrais.

— Isso tem levado a uma maior ocupação de áreas mais distantes, por quem não tem tantos recursos, causando problemas de infraestrutura — disse Lopes. — Um dos trechos em que essa mudança de padrão pode ser observada com mais intensidade é em bairros do lado fluminense da estrada Paraty-Cunha.

Presidente da Associação de Meios de Hospedagem da Ilha Grande, Carlos Borges Júnior atribui o aumento do número de moradias às locações por temporada em plataformas:

— Isso cria problemas inclusive para quem mora de aluguel na Ilha. Por causa das plataformas, há escassez de imóveis para locação.

Patrimônio mundial

Paraty e a Baía da Ilha Grande receberam, em 2019, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o título de Patrimônio Mundial na categoria mista Cultura e Biodiversidade. A candidatura elencou áreas de proteção que devem garantir a integridade ambiental de toda a região. São pelo menos oito unidades de conservação.

Em nota, a prefeitura de Angra informou ter aplicado, nos últimos dois anos, 122 notificações e realizado 176 ações de fiscalização relacionadas a construções irregulares, além de ter dado início a 12 inquéritos administrativos para demolições na Ilha Grande. O município afirma ainda que “as principais causas das irregularidades estão relacionadas ao aumento da população e ao descumprimento de normas e legislações” e que “a especulação imobiliária também tem contribuído para o problema”.

Também em nota, o Instituto Chico Mendes (ICMBio) confirma que “a região da Baía da Ilha Grande vem sofrendo de especulação imobiliária”. O órgão diz ainda que aplicou 313 multas por “ocupação irregular” nas unidades de conservação que administra nos últimos cinco anos.

Fonte: O GLOBO

Construções se adensam em meio ao verde na Vila do Abraão, na Ilha Grande, que hoje tem 5.216 moradores e 3.232 domicílios — Foto: Custódio Coimbra

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