Por que preservar mananciais é importante para a segurança hídrica
5 de setembro de 2022

Especialistas da TNC Brasil citam benefícios ambientais e econômicos ao priorizar a preservação de fontes de água frente às mudanças climáticas

Entre 23 de agosto e 1º de setembro, ocorreu a Semana Mundial da Água de 2022, cujo tema central foi o papel da água sob diferentes perspectivas, como valoração, conhecimento tradicional e direitos humanos.

As águas invisíveis ou despercebidas, como as de aquíferos ou do solo, também foram foco do evento, na busca por soluções para os grandes desafios relacionados à disponibilidade e à qualidade de água, num momento em que as crises hídricas se tornam cada vez mais frequentes não apenas no Brasil, mas globalmente.

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Apenas neste verão no Hemisfério Norte os exemplos catastróficos são inúmeros. A seca na China, que reduziu o canal úmido de um dos maiores rios do mundo, o Yangtze, a cerca da metade de sua largura normal; a pior seca na Europa nos últimos 500 anos, assolando a metade do continente e afetando produção agrícola, abastecimento e geração de energia elétrica; e as secas extremas no México, na Califórnia, no Texas, na Somália, na Etiópia são indicações da urgência de mudar a forma como o uso e manutenção dos recursos hídricos são pensados.

Nesse contexto, as Soluções baseadas na Natureza (SbN) podem ser uma contribuição importante para a regulação hídrica, diminuindo os impactos de períodos de estiagem severa na disponibilidade de água. As SbN podem ser definidas como a gestão e uso sustentável da natureza para enfrentar desafios como mudanças climáticas, segurança hídrica e alimentar, proteção da biodiversidade, saúde humana e gestão de risco de desastres. Um exemplo é a restauração de áreas úmidas ou da vegetação nativa, sobretudo em áreas estratégicas para a recarga de aquíferos e para proteção de nascentes e sistemas aquáticos em geral, que pode contribuir para a retenção da água na escala de bacia hidrográfica.

Embora a relação entre a floresta e a disponibilidade hídrica seja um tema muito discutido, gerando diversas hipóteses sobre como a cobertura vegetal pode impactar a quantidade e qualidade de água das bacias, estudos indicam a contribuição da vegetação para a saúde dos corpos de água. A redistribuição de água da chuva dentro de uma bacia hidrográfica é influenciada pela cobertura de vegetação nativa e uso da terra, conforme ilustrado abaixo.

Na época de chuvas, a quantidade de água superficial, ou seja, em rios, riachos, lagos e outros corpos de água, tende a ser muito maior numa bacia hidrográfica desmatada, e com maior risco de provocar erosão e inundações, em comparação com outra que mantém sua floresta original. Por outro lado, na época de estiagem, o volume de água superficial tende a ser maior nos corpos de água da bacia com cobertura florestal, porém escasso na bacia com supressão da floresta.

Como as soluções baseadas na natureza, como a restauração da vegetação, contribuem para a manutenção das águas dos rios. (Foto: The Nature Conservancy)

Como as soluções baseadas na natureza, como a restauração da vegetação, contribuem para a manutenção das águas dos rios. (Foto: The Nature Conservancy)

Isso acontece porque a cobertura florestal aumenta a interceptação da água das chuvas, facilita a infiltração dessa água no solo e diminui a velocidade do escoamento superficial, ou seja, da água que escorre na superfície do solo. Todos esses fatores contribuem para o armazenamento da água e sua liberação gradual no período de seca, num processo de regulação da vazão de rios.

Assim, a água observada nos rios na época de estiagem é na realidade água que foi retida no solo e nos aquíferos livres durante as chuvas. Numa bacia sem vegetação, onde a maior parte da água precipitada foi escoada pela superfície e o armazenamento de água não ocorreu ou foi mínimo, rios ou reservatórios tendem a apresentar baixos níveis ou, em casos extremos, secam no período de estiagem.

A escassez de água é um problema que vem afetando todos os continentes e depende não apenas da disponibilidade de água numa região num determinado momento. Os eventos climáticos extremos, a urbanização, o desmatamento, a poluição das águas e o crescimento populacional gerando aumento da demanda e consumo são as principais causas de escassez hídrica.

O relatório sobre mudanças climáticas do IPCC (2022) comenta que os eventos extremos ocorrerão com maior frequência e o impacto sobre a água poderá ser superior ao esperado, dado que haverá menos tempo para recuperação dos mananciais, afetando não apenas as pessoas, mas também os sistemas produtivos e ecológicos.

Segundo a Unesco (2021), o uso da água aumentou em seis vezes nos últimos 100 anos a uma taxa que supera mais de duas vezes a taxa de aumento populacional. Ainda que o Brasil apresente uma das maiores reservas de água doce do mundo, a demanda concentra-se em áreas de menor disponibilidade relativa. Aproximadamente 70% da água doce disponível no país se encontra na bacia amazônica, onde menos de 5% da população está concentrada, ao passo que as cidades mais populosas estão em bacias menores cujos mananciais enfrentam fortes pressões de ocupação e são altamente dependentes das chuvas.

Além do impacto no abastecimento humano, outro setor que vem sendo altamente afetado por eventos de escassez hídrica é o elétrico. Segundo a Operadora Nacional do Sistema Elétrico, nos últimos sete anos os reservatórios das hidrelétricas receberam um volume de água inferior à média histórica e, em 2021, registraram a pior média mensal de toda a série histórica de medição.

Os subsistemas do Centro-Oeste e Sudeste, responsáveis por cerca de 70% da geração de energia do país, atingiram níveis inferiores a 20% de sua capacidade de armazenamento nos últimos anos.

Um caso emblemático foi a estiagem ocorrida de 2014 a 2015 no Sistema Cantareira, que atende 7,5 milhões de pessoas da Região Metropolitana de São Paulo e cujas bacias hidrográficas apresentam um alto grau de perda de sua vegetação original. Essa estiagem resultou na redução do nível de água do reservatório para menos de 5% de sua capacidade e gerou a tão mencionada crise hídrica em São Paulo.

Dada a evidência crescente de que eventos climáticos extremos impõem um desafio de adaptação para cidades em todo o mundo, garantir segurança hídrica para o bem-estar das pessoas e para o desenvolvimento econômico torna-se cada vez mais urgente. As Soluções baseadas na Natureza podem contribuir para a segurança hídrica como medida complementar aos investimentos em infraestrutura convencional já realizados.

Assim sendo, face a um problema complexo de gestão territorial, econômica, social e política, é necessária a alocação de investimentos em SbN nos processos de planejamento territorial das bacias hidrográficas e de definição de políticas públicas e instrumentos de gestão ambiental.

*Eileen Acosta é Especialista em Recursos Hídricos, Bruna Ciasca é Economista Ambiental e Edenise Garcia é diretora de Ciências, todas da The Nature Conservancy Brasil.

Fonte: Galileu

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