Os papéis das árvores: entenda por que preservá-las é essencial ao planeta
16 de outubro de 2022

Na coluna da The Nature Conservancy Brasil, especialistas explicam a importância da manutenção de biomas para a sustentabilidade da economia, do clima e de todas as sociedades

Entre 1º de janeiro e 21 de setembro deste ano, data em que é comemorado o Dia da Árvore no Brasil, foram derrubadas cerca de 400 milhões de árvores apenas na Amazônia brasileira. Em grande parte associada à especulação fundiária, essa perda representa muito mais que uma mera mudança na paisagem, tendo consequências diretas e negativas para as mudanças climáticas, regulação do ciclo hidrológico, bem-estar humano e animal, provisão de alimentos e renda e muitos outros serviços ecossistêmicos que as árvores fornecem.

Há cerca de 64 mil espécies de árvores identificadas, desse total, mais de 9 mil são encontradas no Brasil, sendo 8.341 espécies nativas, segundo dados do Programa Reflora Brasil. Em termos absolutos, a Amazônia é o bioma com maior número de espécies descritas, concentrando mais da metade das espécies nativas brasileiras. Mas, quando olhamos a Mata Atlântica, que tem um quarto da área da Amazônia, não apenas o número de espécies é elevado, mas também o número de espécies endêmicas, ou seja, aquelas só encontradas nesse bioma. Isso ilustra a importância da Mata Atlântica para a provisão de diversos serviços ecossistêmicos e justifica as várias iniciativas de restauração florestal que estão acontecendo ali.

As árvores formam a base da maioria das cadeias da sociobioeconomia. No estado do Pará, por exemplo, quase todos os 30 produtos da sociobioeconomia mais importantes do ponto de vista de geração de renda e empregos são provenientes de espécies arbóreas ou estão associados a elas, como o mel.

Ao contrário do mercado de commodities agrícolas, caracterizado por sistemas produtivos de monocultura, as cadeias dos produtos da sociobioeconomia apresentam uma ampla variedade de produtos bioma-específicos e contribuem para a promoção de um modelo de desenvolvimento socioeconômico sustentável e inclusivo. Esse modelo está baseado na floresta em pé e na garantia de direitos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, bem como na promoção de alternativas produtivas aos agricultores familiares.

Para além das florestas, as árvores fazem parte de diversos ecossistemas, inclusive da produção de animais bovinos. Os sistemas que integram a floresta à pecuária de corte e leite, com sombreamento, há décadas demonstram a sua eficiência quanto ao conforto térmico dos animais, evitando que entrem em estresse e proporcionando não somente bem-estar, como também melhoria da produtividade.

Além disso, o componente florestal integrado à produção de bovinos de corte possibilita a neutralização da emissão de gases de efeito estufa (GEE) pelos animais, quando se considera todo o sistema – animais, forrageiras, árvores e solo. O produtor rural que utiliza sistema de produção com bosques, adota geralmente outras boas práticas, como manejo da pastagem e dos animais, e ciclagem de nutrientes, implementando, efetivamente, uma pecuária regenerativa.

Neste contexto, a expansão do agronegócio deixa de ocorrer a partir da conversão de áreas de floresta e tende a ocupar áreas já alteradas e não aproveitadas. Nessa mesma linha, a diversificação de atividades produtivas dentro de pequenos imóveis rurais, transformando áreas degradadas em sistemas agroflorestais associados a cacau, açaí e tantos outros produtos florestais, está mudando o destino de jovens, sobretudo na Amazônia, gerando renda, evitando o êxodo rural e aumentando a qualidade de vida das famílias e das comunidades.

Os serviços ecossistêmicos oferecidos pelas árvores, e as florestas que elas compõem, são múltiplos. As árvores são importantes na luta contra as mudanças climáticas, pois realizam a fotossíntese, um processo fundamental para a remoção de gás carbônico (CO2), um dos principais gases de efeito estufa presentes em excesso na atmosfera devido à ação humana.

Por meio da fotossíntese, as árvores absorvem o CO2 e transformam o carbono nele contido em raízes, galhos, troncos, folhas, frutos e flores e liberam oxigênio para a atmosfera, em diferentes proporções, segundo a espécie, idade e condições locais, entre outros fatores. No entanto, quando a floresta é derrubada ou severamente queimada, além da interrupção da remoção de CO2, ocorre o processo inverso, ou seja, a liberação massiva de todo o carbono estocado que se combina com o oxigênio e volta para a atmosfera como CO2.

As árvores apresentam também uma estreita relação com o ciclo das águas, sendo parte fundamental nos processos de interceptação e infiltração da água das chuvas, além da evapotranspiração, que é quando a água volta a atmosfera. A cobertura fornecida pelas copas e galhos das árvores intercepta as gotas de água reduzindo a rapidez com que a chuva atinge o solo.

Consequentemente, há uma diminuição da água que escoa pela superfície e uma maior retenção da água no solo. Isso reduz os riscos de alagamento e enchentes. Também ajuda a reduzir o impacto das gotas no solo, evitando a erosão hídrica. Por sua vez, as raízes modificam a estrutura do solo, criando espaços porosos onde a água pode infiltrar, facilitando a recarga de aquíferos e o armazenamento de água no solo, que pode ser utilizada na época de estiagem.

No processo de transportar água para seus tecidos, as árvores funcionam quase como uma bomba, levando água de um lugar de baixa pressão, o solo, para locais alta pressão, a copa. Mas só uma pequena parcela dessa água é utilizada para fotossíntese e outras funções biológicas. Cerca de 90% da água são transpirados para a atmosfera em forma de vapor, que pode formar nuvens, chuva, neblina ou orvalho, e os chamados rios voadores, que se deslocam da Amazônia para fornecer umidade a outras regiões da América do Sul.

Por tudo isso, é mais que necessário o entendimento do real valor da floresta em pé quando se desmata sob o argumento de desenvolvimento econômico. Colocando na balança, o ganho gerado por um hectare de pasto formado em área de floresta derrubada certamente será muito inferior ao valor, tangível ou intangível, de todos os diversos serviços ecossistêmicos perdidos.

É comum no pensamento ocidental definir “sociedade” distinguindo-a da natureza. As últimas décadas têm exigido a revisão dessa compreensão. O pensamento indígena e de outros povos e comunidades tradicionais reforça a interdependência para a coexistência. Assim, quando se olha para as árvores, é preciso percebê-las como sombra, ar fresco, água, alimento, abrigo.

Ao se pensar nas árvores em sua pluralidade e complexidade, é possível entender o quão essenciais elas são para toda forma vida. Somente com essa percepção é que se pode desbanalizar o desmatamento e compreender, por exemplo, que os 7,8 milhões de hectares da Amazônia desmatados nos últimos 10 anos representam aproximadamente 16 bilhões de árvores derrubadas e a perda de inúmeros serviços providos por elas.

*Todos da equipe de Ciências da The Nature Conservancy (TNC) Brasil.

Fonte: Revista Galileu

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