Animais foram vistos no Parque Estadual do Cunhambebe, na Costa Verde, 110 anos após terem sido extintos no estado; em Cachoeiras de Macacu, animais reintroduzidos na natureza formam população saudável
O clima político e meteorológico mundo afora anda hostil à natureza, mas ela resiste. E a boa notícia se materializa no estado do Rio de Janeiro com a volta do maior mamífero terrestre do Brasil, a anta. Uma família de antas foi flagrada no Parque Estadual do Cunhambebe, na Costa Verde, 110 anos depois da espécie ter sido extinta no estado. É o primeiro registro de volta espontânea desse animal ao Rio.
Somado a isso, as antas reintroduzidas desde 2017 na Reserva Ecológica de Guapiaçu (Regua), em Cachoeiras de Macacu, pela Rede para Reintrodução de Fauna e Restabelecimento de Interações Ecológicas (Rede Refauna), têm trilhado uma história de sucesso. Lá já há uma saudável população da espécie.
No Cunhambebe há mistérios. Ninguém sabe de onde as antas vieram e se há outras além da pequena família. Comprovadamente, há uma mãe e seu filhote. A presença deles é um indicador de que também há um macho, explicam especialistas.
Ainda assim, celebram cientistas, a volta da espécie à natureza é um sinal de que algumas das matas fluminenses têm saúde o suficiente para sustentar alguns dos mais magníficos animais do país.
A anta é uma semeadora de floresta e uma atração turística em potencial. A descoberta no Cunhambebe foi anunciada na COP-16, da Biodiversidade, realizada em outubro, em Cali, na Colômbia. O último registro da espécie era de 1914, na Serra dos Órgãos. Nas imagens captadas por armadilhas fotográficas do parque se vê uma fêmea seguida pelo filhote.
— É uma grande notícia para o estado. As antas merecem ser bem protegidas, ter sua sobrevivência assegurada, são patrimônio de todos, um orgulho para a sociedade — afirma o coordenador do projeto da reintrodução de antas do Refauna e maior especialista na espécie do Rio, Maron Galliez, do Laboratório de Ecologia e Manejo de Animais Silvestres do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (Lemas-IFRJ).
Galliez lembra que o estado do Rio perdeu todos os outros grandes mamíferos terrestres, à exceção da onça-parda e do porco queixada, cuja última população vive na Reserva Biológica do Tinguá.
— Essa é uma das melhores notícias do ano em conservação da fauna. Mostra que o Rio está com uma qualidade de habitat para receber animais maiores, mais sensíveis. Mas é preciso assegurar toda a proteção e cuidado com eles, são um patrimônio de toda a sociedade — afirma o biólogo especialista em fauna Izar Aximoff.
No estado, as antas, conhecidas por sua docilidade, também têm dado mais provas de resiliência. Na Regua já são 20 animais, sete deles filhotes nascidos lá.
As reintroduzidas, inicialmente sete, foram trazidas de outros estados em 2017, acompanhadas e depois soltas em 2018 na Regua, num projeto pioneiro da Rede Refauna.
Já as antas do Cunhambebe podem ter vindo originalmente do Parque Estadual da Serra do Mar, em São Paulo, onde existe uma razoável população da espécie (Tapirus terrestris).
O parque paulista fica na divisa com o estado do Rio e, com 332 mil hectares, abriga a maior área contínua de Mata Atlântica preservada do Brasil. Outra possibilidade é o mais próximo, o Parque Nacional da Serra da Bocaina.
O parque do Cunhambebe tem 38 mil hectares e se estende por territórios dos municípios de Angra dos Reis, Mangaratiba, Rio Claro e Itaguaí.
Galliez explica que análises genéticas podem elucidar de onde vieram as antas e quantos são os animais.
Aximoff lembra, porém, que as antas outrora existiam em muitas áreas do estado. É só lembrar o nome da reserva de Poço das Antas. Perda de habitat e a caça as exterminaram. A caça segue sendo uma inimiga feroz da natureza no estado.
— É animador, mas três indivíduos não fazem verão. Temos que cuidar muito bem delas, são um patrimônio. E precisamos assegurar a proteção e, talvez, um reforço populacional. O Refauna tem experiência para isso — diz Aximoff.
A palavra anta tem provável origem árabe e alude a um cervo sem chifres, ensinava Rodolpho von Ihering (1833-1939) no clássico “Dicionário dos animais do Brasil”. Já tapir, seu outro nome, tem origem tupi.
Em guarani, a anta era mborebi e mborepirape, a trilha aberta por ela na mata e também a Via Láctea, vista como um caminho reluzente no céu. Os cientistas esperam que o retorno das antas ao Rio seja tão brilhante quanto a mborepirape celestial.
Fonte: O Globo
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