O dia 8 de dezembro é uma data de notável importância, principalmente para os católicos, quando é celebrada Nossa Senhora da Conceição, inscrita no calendário litúrgico em 1477, pelo Papa Sisto IV.
Quatro séculos depois, em 8 de dezembro de 1854, a Imaculada Conceição da Virgem Maria foi declarada como dogma católico pelo Papa Pio IX e tornou-se padroeira de países como Estados Unidos, França e Portugal.
Discussões à parte, a Igreja admite que Maria foi preservada do pecado por Deus e concebeu (concepção) sem macula, dogma que muito contribuiu para a valorização do culto mariano.
Esta devoção chegou ao Brasil através de Portugal, onde Nossa Senhora da Conceição era venerada e associada à própria história lusa, como numa famosa missa em ação de graças, realizada em Lisboa no início do século XII, promovida por D. Afonso Henriques, para agradecer a conquista da cidade aos mouros. Em 1385, após a vitória contra os castelhanos na Batalha de Aljubarrota, o futuro São Nuno de Santa Maria construiu um templo em Vila Viçosa, consagrado a Nossa Senhora da Conceição, onde foi entronizada uma imagem encomendada da Inglaterra.
No século XVII, após a Restauração Portuguesa, D. João IV proclamou Nossa Senhora como Rainha e Padroeira de Portugal e de todos seus territórios, o que incluía a colônia brasileira.
Assim como ocorreu com outras devoções, esta também foi incorporada pelos povos africanos, num sincretismo que varia conforme a localização, mas predomina a associação de Nossa Senhora da Conceição a Oxum, orixá das águas doces, presentes nos rios e cachoeiras, com símbolos como o espelho e cor amarela, e a seguinte saudação:
“Ora yê yê ô!
Salve a senhora da bondade.
Salve mãezinha benevolente”
Certamente, devido à influência religiosa e administrativa da Coroa portuguesa, muitas vilas e cidades, por todo o país, a adotaram como padroeira, incluindo até decretação de feriado no dia de sua celebração, incluindo capitais como Aracaju, Belo Horizonte, Teresina, João Pessoa e São Luís, além do estado da Bahia.
A devoção é tão significativa que é frequente a escolha da data para realização de batizados e primeiras comunhões.
Na cidade do Rio de Janeiro, a arquidiocese registra quinze paróquias dedicada a Nossa Senhora da Conceição, além de capelas e uma basílica, distribuídas por toda a cidade, em templos com os mais diversos partidos arquitetônicos, desde edifícios tradicionais até concepções modernas, mais ousadas, alguns deles sob proteção do patrimônio cultural.
Dentre eles, selecionamos quatro exemplares de períodos e localizações distintos para apreciação mais detalhada.
A igreja de Nossa Senhora da Conceição da Gávea foi construída entre 1850 e 1860, no início da rua Marquês de São Vicente, certamente para atender ao crescimento demográfico da região, substituindo uma antiga capela rural. A fachada apresenta uma composição simples, de matriz clássica, com um retângulo central, encimado por um frontão triangular e duas torres sineiras simétricas. Devido ao incêndio ocorrido em 1934, certamente o interior foi muito modificado, tornando-se muito simples em sua ornamentação. O bem é tombado pelo município, principalmente devido ao seu valor histórico com marco representativo para o desenvolvimento daquele bairro.
A paróquia de Nossa Senhora da Conceição e São José, no Engenho de Dentro, na rua Amaro Cavalcanti, foi criada em 1915, por solicitação dos moradores e trabalhadores da ferrovia, que contavam com suas oficinas junto à linha férrea, próximas da estação de trem. Em 1928, para substituir a capela provisória, foram iniciadas as obras da igreja definitiva, concluídas cerca de vinte anos depois. Em 1996, considerando seus valores históricos, artísticos e ambientais, o imóvel foi tombado pela prefeitura como patrimônio cultural. O edifício principal apresenta um repertório neogótico, muito comum às igrejas do final do século XIX, com torre central única, como uma agulha, acesso principal em arco ogival e fachada revestida de pó-de-pedra, com elementos escalonados geometrizados, de inspiração art-déco. Internamente, a iluminação da nave principal é proporcionada por vitrais coloridos, verticalizados, sugerindo a linguagem das catedrais medievais.
A igreja de Nossa Senhora da Conceição do Engenho Novo é a sede da paróquia de mesmo nome, situada à rua Monsenhor Amorim, próxima a um sugestivo local do subúrbio carioca: o Buraco do Padre. Trata-se de uma passagem exclusiva para pedestres, sob a via férrea da Central, aberta por solicitação do padre local, na década de 1920, facilitando a ligação dos dois lados do bairro e o acesso dos fiéis à igreja. Muitos confundem com um acesso para veículos, situado junto à estação do Engenho Novo. O templo tem origem em uma antiga capela, criada para atender a população local no final do século XVIII. Recebeu muitas ampliações e reformas ao longo dos anos, até a iniciativa de um pároco local, na década de 1960, que decidiu pela construção de um edifício marcante na paisagem. Durante as obras, foram encontradas ossadas, provavelmente originárias do antigo hábito de sepultamento no interior das igrejas, abolido ao longo dos oitocentos. Surgia um edifício monumental, de aspecto moderno, construído em concreto aparente, com nave escalonada, arrematada por torre única, elevada, coroada pela imagem de Nossa Senhora que se destaca na paisagem suburbana.
Dentro do repertório modernista, destaca-se a igreja de Nossa Senhora da Conceição de Santa Cruz, na praça Dom Romualdo, considerada pelos fiéis como o segundo maior templo católico na cidade, perdendo apenas para a Catedral Metropolitana. Naquela região, há registros de uma antiga igreja, construída em 1751, para atender à Fazenda dos Jesuítas que, em 1760, recebeu do Marquês do Lavradio, o título de Paróquia de Santa Cruz, substituindo a padroeira anterior, Santa Bárbara. Mesmo após a expulsão dos Jesuítas da Colônia, a igreja continuou em funcionamento até meados do século XX, quando o pároco local decidiu pela construção de um novo edifício. Iniciado em 1950, levou mais de duas décadas para sua conclusão. Surgia uma edificação moderna e ousada, em concreto armado, com formato de uma parábola como casca de cobertura, interior despojado, ausente e ornamentação e um campanário externo, como formas incomuns para arquitetura religiosa, tornando-se um marco na região.
Além dessas paróquias, alguns outros templos católicos também apresentam a mesma devoção, como a Basílica da Imaculada Conceição, na praia de Botafogo, edificação neogótica do final do século XIX ou a Capela Imperial de Nossa Senhora da Conceição, antigo edifício colonial, localizado numa praça, diante de magnífica paisagem à Praia da Bica, na Ilha do Governador.
Ainda merece registro uma curiosidade. Na Praça XV, no Centro do Rio, bem próxima à sede do Diário do Rio, ergue-se a imponente igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, que já foi da Ordem Primeira do Carmo, por ocasião de sua construção original, tornou-se Capela Imperial, após a chegada da Família Real. Com a República, transformou-se na Catedral do Rio de Janeiro, até 1976. Qual seria, então, a curiosidade?
Durante pesquisas desenvolvidas para elaboração do inventário arquitetônico do bem, identificamos que a monumental imagem de metal que coroa a torre sineira, disposta a 56m de altura, representa Nossa Senhora da Conceição, por algum motivo que não foi possível resgatar.
A Antiga Sé reúne algumas veneráveis representações religiosas em suas dependências: São Sebastião, na fachada principal; um quadro de Nossa Senhora do Carmo, no altar-mor e Nossa Senhora da Conceição, voltada para o mar, recebendo os visitantes e protegendo com seu manto essa cidade tão miscigenada em suas tradições.
Quando dobram os sinos, na hora do Angelus, alguns transeuntes ainda podem olhar para os céus, desvendar a imagem entre as torres de vidro e sussurrar a Ave-Maria.
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