A história do homem que se mantém vivo por uma máquina há 70 anos
23 de março de 2023

Hoje com 77 anos, Paul Alexander usa desde os 6 anos um pulmão de aço, máquina que possibilita a respiração de pessoas que não têm força para isso

O mês de julho de 1952 foi um marco na vida do estadunidense Paul Alexander. Então com 6 anos de idade, ele saiu para brincar na chuva com seu irmão mais velho no subúrbio de Dallas, no estado do Texas. O que parecia ser uma experiência memorável da infância custou décadas de liberdade a Paul, que veio a se tornar, segundo o site oficial do  Guinness World Records, o homem que ficou mais tempo em um pulmão de aço.No verão daquele ano, o Texas vivia um annus horribilis da poliomielite. Também conhecida como paralisia infantil, a doença altamente contagiosa é causada por um poliovírus, que pode infectar crianças e adultos e provocar paralisia quase total. A transmissão se dá por contato direto com secreções eliminadas por pessoas infectadas.

O primeiro surto de casos nos Estados Unidos surgiu em 1916, quando foram registardos 27 mil casos e 6 mil mortes pela pólio. Por isso, quando o pequeno Paul começou a apresentar sintomas como febre, dor no pescoço, cansaço e uma dor profunda nos músculos, sua mãe já sabia. “Quando minha mãe viu meu rosto, ela soube”, diz Paul para Guinness World Record. “Eu não sei como.”

Ao procurar ajuda, quando em poucos dias o menino não conseguia mais falar ou segurar uma caneta, a recomendação era de que ele voltasse para casa e se recuperasse lá. Por conta da falta de uma vacina, que só seria criada em 1955, o fechamento de estabelecimentos e o distanciamento social estavam em alta. Além disso, o sistema de saúde norte-americano se encontrava em frangalhos, e encontrar atendimento adequado na ala superlotada da pólio parecia impensável.

Imagem de uma das alas existentes naquela época nos hospitais — Foto: The U.S. Food and Drug Administration - WikimediaCommons

Imagem de uma das alas existentes naquela época nos hospitais — Foto: The U.S. Food and Drug Administration – WikimediaCommons

Nos dias que passou em casa, Paul ficou acamado. Até que, quando engolir e respirar se tornaram ações complicadas, ele foi finalmente levado ao hospital de Parkland, no Texas. No local, enquanto ele lutava para respirar, seus pais foram informados de que seu filho não sobreviveria.

Em entrevista à revista HealthDay, Paul, que hoje tem 77 anos, relata que foi colocado em uma maca ao longo de um corredor com outras crianças, sendo a maioria já morta. Estando em uma fase mais avançada com a doença, sua sobrevivência só se deu quando um médico realizou uma traqueostomia de emergência.

Pulmão de aço

Após três dias do procedimento, o pequeno Paul recobrou a consciência. Mas, em vez de uma cama, ele estaca deitado dentro de uma máquina e em outra parte do hospital. Chamada de “Ala dos Pulmões de Aço”, essa seção estava lotada com jovens sobreviventes da pólio, presos em grandes máquinas que os mantinham vivos.

Inventado pelo médico australiano James Carrel no final dos anos 1920, o equipamento feito de aço, que também se chama ventilador de pressão negativa, permite a uma pessoa respirar em caso de paralisia dos músculos respiratórios.

Para funcionar, apenas a cabeça de Paul saía da câmara, selada com uma junta hermética, enquanto a bomba dentro da vasilha forçava seu peito a respirar. A máquina foi sua “casa” até 1954, quando March of Dimes, uma organização americana sem fins lucrativos fundada nos anos 1930 para erradicar a poliomielite, entrou em contato com a família de Paul oferecendo alternativas.

No caso, a proposta era acompanhamento com uma fisioterapeuta chamada Sra. Sullivan, que ensinou a Paul a “respiração de sapo”. Esse método alternativo também é conhecido pelo nome técnico de “respiração glossofaríngea”.

A técnica consiste em usar os músculos da garganta para forçar o ar a passar pelas cordas vocais. O paciente engole oxigênio um bocado de cada vez, empurrando-o pela garganta e entrando nos pulmões. Em menos de um ano, Paul já conseguia dominar bem a técnica, o que o permitiu usar a caixa de aço apenas para dormir, que é justamente o período em que a “respiração de sapo” não consegue ser feita.

Na fotografia, um manequim é inserido dentro do pulmão de aço fechado, deixando apenas sua cabeça para fora — Foto: Articseahorse - Wikimediacommons

Na fotografia, um manequim é inserido dentro do pulmão de aço fechado, deixando apenas sua cabeça para fora — Foto: Articseahorse – Wikimediacommons

Por mais que ainda precisasse utilizar o equipamento, sua vida já havia mudado. Aos 21 anos, Paul se formou com louvor no ensino médio, tornando-se o primeiro aluno de sua escola a se formar sem frequentar as aulas fisicamente, graças a um programa doméstico.

Depois, ele garantiu uma vaga na Universidade do Texas, o que tornou necessária sua mudança para Austin. Ele se formou em direito, passou no exame da ordem e se tornou praticante do direito de família em seu próprio escritório de advocacia.

Nos tribunais, defendia seus clientes em cadeiras de rodas. Atualmente, Alexander é o usuário de pulmão de aço mais longevo de todos os tempos e se mantém ocupado para aumentar a conscientização sobre o risco da poliomielite.

Um dos meios pelos quais ele tenta alertar sobre a doença é a escrita. Em 2020, ele decidiu publicar o livro de memóriasTrês minutos para um cachorro. O nome foi escolhido pela cuidadora de Paul, que se inspirou no presente que o homem ganhou de seus pais ao aprender a respiração de sapo.

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