A arqueóloga Valdirene Ambiel contou com o apoio de uma equipe multidisciplinar para gerar, com base em tomografias de restos mortais, imagens 3D dos bustos dos monarcas
Os retratos foram construídos por um artista digital com base em evidências anatômicas, históricas e arqueológicas Reprodução/Rodrigo Avila, para tese de doutorado da arqueóloga Valdirene Ambiel
Retratos de integrantes da família real portuguesa no Brasil foram produzidos por diversos artistas ao longo da história e, agora, a ciência também pode nos ajudar a saber como essas figuras históricas eram fisicamente. Em um projeto de arqueologia da Universidade de São Paulo (USP), uma equipe multidisciplinar utilizou tecnologia digital para construir uma representação de D. Pedro I e suas duas consortes, as imperatrizes D. Leopoldina e D. Amélia.
O trabalho faz parte da tese de doutorado Estudo de aspectos antropométricos e médicos dos primeiros imperadores do Brasil , defendida pela arqueóloga e historiadora Valdirene Ambiel no Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). O projeto, orientado pelo professor Carlos Augusto Pasqualucci, contou com médicos patologistas, radiologistas, ortodontistas e especialistas em medicina forense, baseando-se em evidências científicas e históricas.
Pedro, Leopoldina e Amélia são retratados com a idade aproximada com que faleceram (35, 29 e 60 anos, respectivamente), vestindo exatamente as roupas, joias e insígnias com as quais foram sepultados. O objetivo era retratar as personalidades da maneira mais fidedigna possível, utilizando novas técnicas digitais. A modelagem de rosto e busto, chamada de “aproximação facial”, foi realizada pelo artista digital Rodrigo Avila, a partir das informações obtidas por Ambiel e todos os colaboradores.
Em entrevista ao Jornal da USP, a pesquisadora ressalta que os retratos são uma “estimativa” da realidade e que não é possível reproduzir essas fisionomias do passado com 100% de exatidão, por isso, o termo correto para definir o trabalho é aproximação, e não “reconstrução”.
“Os bustos digitais não são necessariamente melhores nem piores do que os retratos produzidos por artistas da época, são imagens geradas num outro contexto, por outras pessoas e com técnicas diferentes. Cada imagem tem o seu valor”, esclarece a historiadora.
Retrato digital
Ambiel iniciou seu trabalho de pesquisa há 10 anos, quando, pela primeira vez, examinou os restos mortais dos primeiros imperadores do Brasil, incluindo D. Pedro I e suas duas esposas. Nesta primeira fase, a autora conseguiu revelar inúmeros detalhes sobre a vida e a morte dos personagens, como, por exemplo, a roupa que o imperador foi sepultado.
De acordo com o Jornal da USP, as imagens de tomografia que serviram de base para o trabalho foram produzidas em 2012, quando a arqueóloga conseguiu autorização para analisar os esqueletos dos três monarcas, depositados na cripta do Monumento à Independência.
Além do trabalho arqueológico realizado dentro da própria cripta, as urnas funerárias e todo seu conteúdo foram escaneados por meio de um tomógrafo no Hospital das Clínicas da FMUSP. No total, foram geradas cerca de 20 mil imagens digitais de cada corpo.
Crânio original de D.Pedro I, exumado para a pesquisa arqueológica em 2012 — Foto: Reprodução/Valter Diogo Muniz
“Na etapa mais recente, o processo de aproximação foi semelhante ao que um artista plástico utiliza para moldar um busto de argila, só que feito de forma digital”, compara a especialista. Cada músculo foi posicionado sobre um modelo virtual tridimensional dos ossos da cabeça, do pescoço e do tórax de cada indivíduo. Para estruturas não preservadas nas ossadas, como orelha e nariz, que são feitas de cartilagem, Avila buscou referências nas pinturas e litografias para o molde.
Etapa de inserção de músculos sobre o modelo de esqueleto virtual 3D do imperador D.Pedro I — Foto: Reprodução/Rodrigo Ávila para tese de doutorado de Valdirene Ambiel
As imagens digitais se aproximam mais da realidade pois, diferentemente das pinturas antigas, não há influência das habilidades do artista ou das preferências individuais das pessoas retratadas. “O objetivo foi fazer essa aproximação facial usando critérios científicos e partindo de uma imagem em três dimensões, que traz uma precisão maior. É sempre uma aproximação, mas dessa forma a ideia é que você se aproxime mais da realidade”, aponta Pasqualucci.
Simulação facial
D. Pedro foi retratado com a barba e penteado que costumava usar nos últimos anos de sua vida, vestindo a farda de general da rainha D. Maria II de Portugal, decorada com duas comendas: a Ordem da Torre e Espada (com formato de estrela, sobre o peito esquerdo) e o Tosão de Ouro (pendurado no pescoço com uma fita vermelha).
Dona Leopoldina de Habsburgo-Lorena, primeira esposa de D. Pedro e imperatriz consorte do Brasil, aparece com o traje de gala que usou na coroação do marido e com o qual foi sepultada, incluindo vestido, manto e um exuberante toucado (ornamento de cabeça), composto de tiara e penas.
Dona Amélia de Leuchtenberg, segunda esposa e imperatriz consorte de D. Pedro, é retratada com o véu, vestido preto e touca de borda branca com que foi sepultada, aos 60 anos de idade. Uma das maiores surpresas oriundas da abertura dos caixões em 2012 foi constatar que o cadáver de D. Amélia estava muito bem conservado, com grande parte dos tecidos moles (músculos e pele) e até mesmo cílios, sobrancelhas e cabelo preservados.
Ao abrir o caixão em 2012, pesquisadores acharam o cadáver de D. Amélia em ótimo estado de conservação — Foto: Reprodução/Beatriz Monteiro
Além das aproximações faciais, a nova pesquisa traz informações sobre a história desses primeiros imperadores e seus familiares, incluindo uma série de detalhes sobre o estilo de vida, a saúde e as causas de morte de cada um deles.
“O principal legado que eu espero que essa pesquisa traga é que as pessoas hoje, do século 21, possam olhar para esses personagens históricos do século 19 como seres humanos, que é o que eles realmente eram. Da mesma forma como nós temos a nossa vida hoje, eles tiveram a vida deles no passado”, conclui Valdirene.
Fonte: Revista Galileu
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