Não, no Brasil império foram testados dois modelos diferentes de sistema de governo mas nenhum dos dois era um parlamentarismo de verdade – entendendo-se parlamentarismo como o sistema de Westminster, característico do Reino Unido. O primeiro dos dois modelos foi usado desde a independência até 1847 (ou seja, reinado de Pedro I, Regência e comecinho do reinado de Pedro II) e era basicamente a mesma coisa que o presidencialismo, era uma “monarquia presidencialista”.
Nesse modelo, o Imperador (e os regentes do Império, que eram nomeados pelo Senado para não deixar a cadeira esfriar quando por alguma razão o trono estava vago) acumulava as funções de chefe do poder moderador (ou seja, chefe de estado) e as de chefe do poder executivo (ou seja, chefe de governo) assim como os presidentes das repúblicas presidencialistas como Brasil e EUA. Na constituição de 1824, o artigo 101 listava as funções do imperador como chefe de estado e no 102 as suas funções como chefe de governo. Se você ler a constituição imperial, você verá menções aos ministros de estado mas nenhuma menção a um cargo de primeiro-ministro.
Pedro de Araújo Lima, Marquês de Olinda, aquele que por mais tempo ocupou o cargo de Presidente do Conselho de Ministros.
Através do decreto imperial nº 523, de 20 de julho de 1847 (ou seja, a mudança não foi colocada na constituição), sob influência dos liberais Dom Pedro II resolve testar um modelo novo, que foi usado até o fim da monarquia em 1889. Esse modelo ficou conhecido como “parlamentarismo às avessas” ou “parlamentarismo à brasileira” e era basicamente um “semipresidencialismo”. O semipresidencialismo é semelhante ao parlamentarismo, mas com a diferença de que enquanto no parlamentarismo na prática o chefe de estado não tem poder real, é um cargo meramente cerimonial, tá lá só de enfeite, no semipresidencialismo o chefe de estado ainda tem algum poder real, ele não tá lá só de enfeite não. Exemplos de nações semipresidencialistas são a França, Rússia, Portugal e Ucrânia.
Zacarias de Góis e Vasconcelos sentado na cadeira ministerial, por vezes também chamada de “trono” ministerial. Zacarias de Góis foi presidente do ministério 3 vezes.
No semipresidencialismo, o presidente (no nosso caso, o imperador) é oficialmente tanto o chefe de estado quanto o chefe de governo enquanto o primeiro-ministro (chamado de “Presidente do Conselho de Ministros” no Brasil império) é encarado como um vice-chefe de governo, ele é visto como sendo apenas o ajudante do presidente, o cara que o presidente contratou pra ajudar ele a governar. Governar dá trabalho e tem muita coisa pra fazer. Então, nesse modelo o trabalho do primeiro-ministro é ajudar o presidente nas suas funções executivas, o presidente divide tarefas com ele, o primeiro-ministro ajuda o presidente a dividir a carga.
Manuel Alves Branco, Visconde de Caravelas, o primeiro presidente do ministério tendo sido nomeado logo após o decreto nº 523 de 1847.
Assim, o presidente faz as funções de estado e algumas de governo (normalmente as mais importantes) enquanto o primeiro-ministro ajuda o presidente fazendo a maior parte das funções de governo. Mas a divisão exata das tarefas, ou seja, definir o que o presidente vai fazer e o que ele vai delegar pro primeiro-ministro, não costuma ser especificado em lei nem na constituição, essa divisão de tarefas varia de administração pra administração, ou seja, cada presidente vai decidir como vai ser a divisão de tarefas, cada presidente vai decidir o que ele mesmo vai fazer e o que ele vai deixar pro primeiro-ministro.
João Alfredo Correia de Oliveira, o penúltimo presidente do conselho de ministros. Era um ferrenho abolicionista tendo ajudado a escrever a lei do ventre livre e a lei áurea – ele também era o chefe do gabinete na época da assinatura da lei áurea.
Por exemplo, na França há o costume dos presidentes ficarem com a área da defesa e da política externa deixando a política interna e a economia com o primeiro-ministro – essa divisão de tarefas é mais comum quando há “coabitação”, ou seja, quando o presidente e o primeiro-ministro não são do mesmo partido, um é da situação e o outro da oposição (quando os dois são do mesmo lado o primeiro-ministro faz praticamente tudo). Dessa maneira, nos regimes semipresidencialistas normalmente há uma redundância na chefia de governo, duas pessoas realizando as funções de chefe de governo ao mesmo tempo, dividindo o cargo.
Marechal-do-exército Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias. Foi Presidente do Ministério duas vezes. Hoje em dia é venerado como o patrono do exército brasileiro.
O cargo de primeiro-ministro surgiu assim, os primeiros-ministros surgiram ainda na época das monarquias absolutistas e suas funções eram ajudar o rei a governar já que ele não conseguia fazer tudo sozinho – os mais conhecidos exemplos de primeiros-ministros da época do absolutismo é o do cardeal Richelieu (o mesmo da história dos 3 mosqueteiros), que foi primeiro-ministro de Luís XIII, o pai de Luís XIV (o rei-símbolo do absolutismo), e o Marquês de Pombal, que foi primeiro-ministro de D. José I de Portugal. Com o surgimento das monarquias constitucionais, muitas como França, Portugal e Brasil preferiram manter esse modelo que deu origem ao semipresidencialismo, mas na Inglaterra foi diferente, lá o rei foi perdendo tanto poder que agora na prática apenas o primeiro-ministro governa, o rei ainda existe mas tá lá só de enfeite.
José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco, vestindo casaca de gala de diplomata do Império. O visconde do Rio Branco chegou a ser presidente do gabinete. Ele também era o pai do mais conhecido José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco.
Era isso que ocorria no Brasil entre 1847 e 1889, havia uma redundância na chefia do poder executivo com o presidente do conselho de ministros (às vezes também chamado “presidente do ministério”, “presidente do gabinete”, “presidente do conselho” e “chefe do gabinete”) fazendo a maior parte do trabalho enquanto o imperador realizava as funções de chefe do poder moderador e as mais importantes de chefe do executivo. Como o imperador ainda era oficialmente o chefe de governo, o presidente do ministério dependia do consentimento do imperador para governar, o imperador escolhia o presidente, o demitia quando achasse necessário e era quem decidia o que ele podia ou não fazer.
Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto. Esse foi o último presidente do ministério tendo sido deposto junto com D. Pedro II no 15 de novembro de 1889.
Da mesma maneira, ao realizar as funções que lhe foram dadas pelo imperador, uma decisão do presidente do gabinete poderia ser revogada pelo imperador se ele quisesse, Sua Majestade tinha poder de veto sobre as decisões do ministério. Os decretos (que são emitidos pelo chefe de governo) eram até classificados em decreto imperial e decreto ministerial (ou decreto do gabinete/ministério) sendo sempre necessário especificar que tipo de decreto era. O decreto imperial tinha maior força já que tinha a rubrica imperial e ninguém poderia vetar a rubrica imperial enquanto o decreto ministerial tinha a assinatura do presidente do conselho, que poderia ser vetada pelo imperador. Caso ocorresse a situação de um decreto ministerial e de um decreto imperial falando sobre a mesma coisa mas com um contrariando o que determinava o outro, o ministerial seria considerado sem valor.
José Antônio Saraiva. Foi presidente do ministério e conselheiro de estado de Sua Majestade (daí ser mais conhecido como Conselheiro Saraiva).
Fonte: Quora
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