Histórias do Brasil: História Trágico-Marítima
22 de março de 2025
“Naufragio que passou Jorge de Albuquerque Coelho vindo do Brasil para este Reyno no ano de 1565. Escrito por Bento Teixeira Pinto. Um dos casos mais dramáticos da nossa história marítima, faz parte do livro “História Trágico-Marítima” uma “coleção de relações e notícias de naufrágios, e sucessos infelizes, acontecidos aos navegadores portugueses”, reunidos por Bernardo Gomes de Brito, e publicados em dois tomos em 1735 e 1736.
 
Na metrópole veio a falecer Duarte Coelho em 1554; e, já no tempo em que a rainha Dona Catarina, avó do rei D. Sebastião, governava Portugal durante a menoridade do 15 seu neto, chegou nova do Brasil, e especialmente de Pernambuco, de que a maior parte das tribos indígenas se levantara ali contra os Portugueses, pondo cerco aos principais lugares daquela colónia de Pernambuco.
 
Ordenou pois Dona Catarina que Duarte de Albuquerque Coelho, herdeiro da capitania, a fosse sem demora socorrer; e, entendendo ele que lhe seria utilíssima a companhia e ajuda de seu irmão, Jorge de Albuquerque Coelho, suplicou à rainha-regente que lhe desse ordem de o acompanhar; e assim ela fez. Jorge de Albuquerque Coelho nomeado chefe militar da capitania Aventurou-se; Esforçou-se; Arriscou a vida; Cumpriu os seus deveres.
 
Chegou em 1560 a Pernambuco, não contando mais 25 de vinte anos de idade; e, havendo chamado a conselho alguns padres da Companhia de Jesus e várias personagens entre as principais da terra, assentou-se entre todos, ponderado o lance, que se elegesse por chefe militar da capitania a Jorge de Albuquerque Coelho, o qual, como lhe disseram que cumpria ao bem público o aceitar ele e servir tal cargo, o aceito, e se aventurou, e se esforçou muitíssimo, correndo risco de perder a vida no zeloso cumprimento dos seus deveres.
 
[…] Então, deixando essa colónia conquistada, e os indígenas quietos e pacíficos, a lhe pedirem paz que lhes outorgaram, embarcou para a metrópole na nau “Santo António”, na qual a viagem se deram os casos que nesta narrativa se contêm.
 
Carregada a nau de muita fazenda no belo porto da vila de Olinda, deu à vela com vento em popa a 16 de maio de 1565. […]
Cinco dias depois da largada mudou o vento de maneira súbita, tornando-se tão contrário e de tal violência que trataram de alijar fazenda ao mar, por isso que a nau lhes mareava mal, pela muita carga com que dali partira. Pela tarde piorou ainda, e o casco abriu água. Davam à bomba continuamente, às seis mil zonchaduras entre noite e dia. Pouco depois, um pé de vento quebrou o gurupés. […]
 
No dia 29 de agosto começou a soprar uma brisa larga, animadora e próspera. O plano, agora, era demandar o arquipélago dos Açores, para ver se numa das ilhas de Tome consertava a nau, e se tapava, finalmente, a muita água que ela estava fazendo.
 
Já por esse tempo se passava muita fome e muita sede; e, sabendo Jorge de Albuquerque Coelho a necessidade dos tripulantes e dos passageiros, e que não havia na nau mais mantimentos que o que ele trazia para si e para os seus criados, mandou colocar tudo adiante de todos e repartiu mui irmamente pela companhia, sem nada pretender para si próprio, se bem que toda a gente lho quis pagar, por valer muito. Tudo o generoso fidalgo recusou: com o que ficaram todos mui contentes e se sustentaram por espaço de alguns dias. No entanto, levantaram-se grandes brigas e discórdias entre marinheiros e passageiros; mas Jorge de Albuquerque, sabedor do caso, interveio, – e lá os foi acalmando e pondo em paz.
 
A 3 de setembro, navegando eles em demanda das ilhas, alcançou-os uma nau de corsários franceses, bem artilhada e consertada, como costumavam. Vendo o piloto, o mestre e os demais tripulantes da “Santo António” que não iam em estado de se defenderem, pois mais artilharia não havia a bordo que um falcão e um só berço (afora as armas que o Albuquerque trazia, para si e para os seus criados) determinaram de se render. Jorge de Albuquerque, porém, opôs-se a isso com a maior firmeza. Não! por Deus, não! Não permitisse Nosso Senhor que uma nau em que 5 vinha ele se rendesse jamais sem combater, tanto quanto possível! Dispusessem-se todos ao que lhes cumpria, e ajudassem-no para resistência: pois somente com o berço e com o falcão tinha ele esperança que se defenderiam!
 
Quando os franceses abordaram a nau mostraram uma dominação pela ousadia e bravura do fidalgo português. Enquanto este pensava num plano para recuperar embarcação, início de uma violenta tempestade que destruiu quase por completo afastando-a da nau francesa. Durante 3 dias sobreviveram no mar praticamente sem alimentos, sem velas e sem leme, mas com muita fé em Cristo e na Virgem Maria. Quando toda a esperança já parecia ter desaparecido e alguns marinheiros queriam ceder à tentação diabólica de comer carne humana, foi avistada terra e uma barca veio socorrer os poucos sobreviventes.
 
No Texto Jorge d’Albuquerque Coelho assume uma postura modesta ao afirmar que os incidentes ocorridos com a nau Santo Antônio seriam devidos aos seus pecados e faltas. Em um de seus discursos, após ter passado por inúmeras provações, o protagonista admitiu a gravidade dos vários trabalhos e danos sofridos, mas utiliza este mesmo argumento para demonstrar que cada superação deveu-se à intervenção divina.
 
Em seguida, afirma que os trabalhos e provações são mimos do Senhor, e que Ele os deixaria viver para testemunhar seus milagres. Na conclusão, além de invocar uma passagem do Evangelho, o narrador utiliza uma metonímia e uma hipérbole para arrematar a ideia nuclear de seu argumento: “Portanto, irmãos meus, postos neste estado de fé e confiança neste Senhor, esperemos que neste pedaço de pau nos livrará do profundo abismo do mar”.
 
A postura de Jorge d’Albuquerque Coelho não dista muito da de Vasco da Gama e contraria os argumentos de Baco. Enquanto o deus menciona sua estirpe nobre, seu poderio e seus direitos enquanto divindade do panteão grego, o heroi católico alude à sua condição de pecador, continua a cumprir com seus deveres de súdito e admite que qualquer poder provém de Deus e da sua providência.
 
Fonte: Post de A Terra de Santa Cruz
 
 
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