Pequena cidade, dentro do Citrolândia, foi construída para abrigar e isolar hansenianos
Primeira colônia construída em Minas Gerais com a missão de abrigar e isolar pessoas ditas ‘sadias’ das diagnosticadas com hanseníase, a Santa Isabel, na década de 1930, chegou a abrigar quase 4.000 pacientes, que foram obrigados a viver por décadas em confinamento.
A ideia inicial da colônia – que, em 12 de outubro, completou 100 anos desde o lançamento de sua pedra fundamental e, em 24 de dezembro, fez 90 anos desde quando recebeu seus primeiros pacientes – era fazer com que as pessoas com hanseníase pudessem viver sem ter que ficar somente sobre um leito de hospital, sendo discriminadas e excluídas pela sociedade.
No entanto, esse padrão de construção, que também era utilizado em todo o país na época e que visava seguir a política sanitarista adotada pela saúde no Brasil, foi muito criticado ao longo dos anos de sua existência.
“A Colônia provocou muitas separações de famílias, que eram submetidas ao isolamento compulsório e acabavam constituindo outra família dentro do complexo”, explica Hélio Dutra, coordenador do Centro de Memória da Hanseníase Luiz Verganin, primeiro museu sobre a doença aberto no Brasil.
História
Fruto do projeto urbanístico do engenheiro sanitarista Lincoln Continentino e pensada pelos médicos Antônio Aleixo e Samuel Libânio, a Colônia foi erguida na região por estar perto de BH, por ficar próxima a uma estrada de ferro e por não estar perto de nenhum núcleo urbano, o que dificultava a possibilidade de fuga dos moradores.
Cercada por correntes e vigiada por guardas, a pequena cidade também possui muitos registros de fugas e de pessoas que preferiram se matar nas águas do rio Paraopeba a viverem privadas de liberdade. Em sua história, há também muitos relatos de maus-tratos de funcionários, de crianças agredidas no Preventório – pavilhão para abrigá-las e mantê-las separadas dos pais – e até crises por falta de alimentos, registradas entre os anos de 1960 e 1970.
“Para além da separação, a Colônia foi um lugar de resistência e de amor à vida. As pessoas obrigadas a ficar confinadas participavam da vida social e religiosa da região. Formavam famílias na pequena cidade dos doentes”, salienta o diretor jurídico nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Thiago Flores.
Veja alguns relatos de moradores:
José André Vicente, de 86 anos
Diagnosticado com hanseníase ainda na infância, seu José, que também é filho de hanseniana, é um dos meninos que inauguraram o pavilhão construído para abrigar crianças com a doença e que eram encaminhadas para a Colônia. Apesar de a doença ter tirado dele a liberdade e levado dele todos os dedos das mãos, além da perna direita, o aposentado diz ter vivido uma vida “feliz” na região. “Minha mãe e eu tivemos que nos separar da nossa família porque nos contaminamos. Nunca saí daqui. Vivíamos presos e sob o preconceito, mas tive uma vida feliz”, diz.
Frei José Roberto Garcia Lima
Vivendo na Colônia desde 2019, o pároco da Paróquia Santa Isabel da Hungria é símbolo vivo da atuação, iniciada há 90 anos, dos freis franciscanos na região. “A nossa presença junto aos hansenianos faz parte do carisma dos franciscanos. Na Colônia, os freis ficavam responsáveis pela evangelização dos moradores. Já as irmãs, filhas de Nossa Senhora do Monte Calvário, cuidavam das crianças internas dos pavilhões e dos doentes nas enfermarias”, conta. Entres os freis mais conhecidos na época, destaque para Edgar Groot e Rogato.
Alaor da Silva Macedo, de 74 anos
Seu Alaor é outro morador antigo da Colônia que guarda recordações de muito carinho da região. Ele nasceu na Santa Isabel e, mesmo convivendo diariamente com os ex-internos, não tinha medo de ser contaminado pela hanseníase. “A gente descia escondido pra Colônia para interagir com os ex-internos. Eu adorava ir ao cinema. Minha vida sempre foi ligada à Colônia. É como se aqui fosse uma grande família”, conta o aposentado, que hoje mora com a irmã no imóvel que serviu como primeira casa dos padres na Colônia.
Eva Maria Dias, de 59 anos
Ex-paciente que também vive na Colônia até hoje, Eva foi diagnosticada com hanseníase aos 15 anos. Na época, ela, que morava em Montes Claros com os pais e mais 11 irmãos, foi levada para BH e, de lá, internada de forma compulsória na região. “Fui obrigada a ficar longe da minha família e encerrar meus estudos, já que tínhamos que permanecer isolados. Me lembro de sentir muita tristeza e não parar de chorar. Era um lugar muito triste. Foi muito chocante deixar a minha família, fiquei desesperada. Ali só entravam novos pacientes. Ninguém saía”, lembra.
Félix Rangel Leite, de 94 anos
Hoje com 94 anos, seu Félix mudou-se para a Colônia com a família quando tinha só 4 anos. Criado em meio aos segregados pelo preconceito, ele foi, por anos, o responsável por transportar crianças recém-nascidas, filhas de mulheres com hanseníanse, para serem batizadas e, depois, levadas para o Preventório de Mário Campos, onde cresciam separadas das mães. “As pessoas enchiam a boca pra falar ‘leproso’. Aqui era uma cadeia, tudo muito sofrido, mas nunca tive preconceito nem medo de ser contaminado”, diz ele.
Acrísio Bernardino, de 76 anos
Cozinheiro por 28 anos na Colônia e técnico de enfermagem que, por décadas, cuidou dos pacientes com hanseníase da região, seu Acrísio nunca tratou com preconceito ou diferença os ex-internos. “Não tinha medo de pegar a doença. Cresci aqui e só pude passar da corrente que dividia o lado das pessoas ‘sadias’ das doentes depois dos 18 anos. Mas a gente não respeitava isso e atravessava a divisão por um buraco. A Colônia era muito atrativa, tinha muita diversão. Adorava encontrar com os ex-internos para dançar nos bailes”, recorda-se.
Fonte: O tempo – Betim
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