A Fazenda Nacional de Santa Cruz teve origem na sesmaria de Guaratiba, doada em 6 de janeiro de 1567 ao primeiro ouvidor do Rio de Janeiro, Cristóvão Monteiro, que lutara ao lado de Mem de Sá para expulsão dos franceses. Sua viúva, dona Marquesa Ferreira, em 1589 transferiu ainda em vida metade dessas terras à filha Catarina Monteiro, concedendo a outra parte aos jesuítas. No ano seguinte, a Companhia de Jesus tomou posse de sua porção e incorporou ainda o restante da propriedade através de uma permuta com Catarina Monteiro e seu marido, José Adorno, por terras em Bertioga e Santos, na capitania de São Vicente.
As delimitações da sesmaria original foram alteradas ao longo do tempo, como resultado de inúmeras incorporações e desmembramentos que se verificariam ao longo dos anos. Com a expulsão dos jesuítas em 1759, a fazenda foi incorporada aos bens da Coroa e ficou subordinada diretamente ao vice-rei, pela carta régia de 16 de outubro de 1761, passando sua produção por um período de decadência. Em 1808, pelo decreto de 31 de agosto, a administração da fazenda, com o objetivo de promover o aumento das receitas e o progresso da agricultura e de ramos da indústria, foi colocada sob a direção do Erário Régio, órgão para o qual deveria ser enviado um balanço anual de receita e despesa, além de uma exposição dos trabalhos de melhoramentos realizados. Somente em 1889, com a Proclamação da República, quando passou a denominar-se Fazenda Nacional de Santa Cruz, voltou a ser integrada ao domínio da administração pública.
Em 1891 o relatório ministerial apresenta um pequeno balanço de sua situação, informando sobre o conflito entre os ministérios da Guerra, da Fazenda e do Interior acerca da administração daquela área, ocupada em parte pelo 5º Regimento de Artilharia. No entanto, a Fazenda de Santa Cruz, apesar do mau estado de conservação, ainda possuía importância, sendo capaz de gerar considerável renda. Apesar da decadência e do abandono da lavoura, contava com mais de mil foreiros e arrendatários. Em suas terras se localizava o matadouro público, inaugurado em 1881, além de ser ponto de descanso para o gado que era abatido e supria de carne verde a capital.
A questão fundiária seria tratada em diversas ocasiões ao longo dos anos seguintes. O levantamento da situação da fazenda deu origem ao decreto n. 613, de 23 de outubro de 1891 e aos avisos n. 157, de 29 de outubro e n. 5, de 12 de fevereiro de 1892 (Brasil, 1892). O decreto n. 613 conferiu regulamento à Fazenda Nacional de Santa Cruz, que ficava sujeita à Recebedoria do Rio de Janeiro, e procurou regularizar a arrecadação da renda proveniente de foros e arrendamentos de terrenos. Em 1892 a lei n. 126-B, de 24 de novembro, artigo 14, autorizou o Poder Executivo a conceder a remissão de foros da Fazenda de Santa Cruz, quanto aos terrenos sitos no Estado do Rio de Janeiro, a transformar em foreiros os arrendatários e a validar os aforamentos posteriores à lei de 25 de novembro de 1830. Em virtude desse disposto, foi expedido o decreto n. 1.195-D, de 30 de novembro de 1892, que dava instruções para sua execução, determinando o prazo de um ano para que os foreiros requeressem a remissão dos foros a que estivessem obrigados, mesmo prazo para que os arrendatários solicitassem a transformação dos arrendamentos em aforamento e legalizassem seus títulos. E ainda, passava a Superintendência da Fazenda de Santa Cruz, então a cargo da Recebedoria da Capital Federal, à Diretoria-Geral das Rendas Públicas do Tesouro Nacional, pela seção dos próprios nacionais (Brasil, 1892, p 1.287).
A lei n. 360, de 30 de dezembro de 1895, em seu artigo 10, transformava em aforamentos os arrendamentos de terras da Fazenda de Santa Cruz, estabelecendo que os arrendatários tivessem a remissão do foro concedida mediante o pagamento de 20 anos do arrendamento a que estivessem obrigados. Assim, ao longo dos primeiros anos da República, a situação da ocupação da Fazenda de Santa Cruz recebeu regulamentação que procurava ordenar o aforamento da área, bem como estimular sua exploração agrícola.
A retomada na criação de núcleos oficiais no período republicano, a partir de 1907, deu-se pelo decreto n. 6.455, de 19 de abril, que aprovou as bases para o serviço de povoamento do solo nacional. Com a Constituição de 1891, a questão das terras devolutas havia passado para o âmbito das unidades da federação, o que significou a contenção da criação de núcleos coloniais, já que os estados não tinham como arcar com os recursos para o custeio da política imigratória. Foi, portanto, com a criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais, pelo decreto n. 8.072, de 20 de junho de 1910, que a constituição de núcleos coloniais nos estados ganhou um forte estímulo. Tal medida integrou a política agrícola capitaneada pelo Governo Federal de assentamento e fixação de colonos em pequenas propriedades, que, ainda que distinta da efetivada no período monárquico, manteve o privilégio do imigrante em detrimento do trabalhador nacional (Mendonça, 1997; Petrone, 2006, p. 146).
Após 1930, a política agrícola sofre uma inflexão, onde se evidenciou a preocupação com a pequena e a média propriedade, tendo por orientação o fornecimento de alimento às populações urbanas e matérias-primas à indústria nacional. Assim, ganha reforço o projeto de investimentos nos núcleos coloniais existentes e de criação de novos, capazes de produzir para o mercado interno, sem confrontar a estrutura agrária tradicional, baseada nos grandes latifúndios (Linhares; Silva, 1999).
Dessa forma, o decreto n. 19.133, de 11 de março de 1930, criou um centro agrícola em terras da Fazenda de Santa Cruz, ao qual seguiria a constituição de outros no Estado do Rio de Janeiro: o núcleo colonial de São Bento (1932), no município de Duque de Caxias; o de Tinguá (1938), no município de Nova Iguaçu; um segundo em Duque de Caxias e Magé (1941); em Papucaia, Cachoeira de Macacu (1951); em Macaé (1951) e em Santa Alice, localizado em Itaguaí (1955) (Barcellos, 2008, Nota 4, p. 20). A área total das colônias agrícolas do Estado do Rio de Janeiro era de 49.096 hectares, sendo a maior e a mais importante a de Santa Cruz, com 19.140 hectares (Neves, 2009, p. 30).
Dilma Cabral
Jun. 2018
Fontes e bibliografia
ADMINISTRAÇÃO da Fazenda de Santa Cruz. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira do Período Colonial (1500-1822), 2011. Disponível em: https://goo.gl/bJkH3a. Acesso em: 21 ago. 2015.
BARCELLOS, Fernando Henrique Guimarães. Ação sindical e luta por terra no Rio de Janeiro. 2008. Dissertação (Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
BRASIL. Decreto n. 1.195-D, de 31 de dezembro de 1892. Dá instruções para a execução do art. 14 da lei n. 126 B, de 21 de novembro do corrente ano. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, v. 1, parte II, p. 1.287, 1892.
______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos negócios da Fazenda Francisco de Paula Rodrigues Alves no ano de 1892. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1892.
______. Relatório apresentado ao vice-presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos negócios da Fazenda Francisco de Paula Rodrigues Alves no ano de 1896. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1896.
GAMA, José Saldanha da. História da Imperial Fazenda de Santa Cruz – Primeira Parte. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 38, parte II, p. 165-225, 1875.
LINHARES, Maria Yedda; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra prometida: uma história da questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
MENDONÇA, Sonia Regina de. O ruralismo brasileiro. São Paulo, Hucitec, 1997.
FRIDMAN, Fania. Rio de Janeiro Imperial: a propriedade fundiária nas freguesias rurais. In: Donos do Rio em nome do Rei. Uma história da propriedade fundiária da cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Garamond/Jorge Zahar Editor, 1999.
VERÍSSIMO, Antônio Augusto. Santa Cruz e a Fazenda Nacional: notas sobre a situação fundiária. Disponível em: https://goo.gl/AQjxDR. Acesso em: 30 ago. 2015.
SILVA, Luciano Pereira da. O regime jurídico da Fazenda Nacional de Santa Cruz. Disponível em https://goo.gl/RTp9NJ. Acesso em: 10 jul. 2015.
PETRONE, Maria Tereza Schorer. Imigração. In: FAUSTO, Boris (dir.). História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Republicano. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2006. Tomo III, vol. 9, p. 274-276.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_0O Casa Real e Imperial – Mordomia-Mor
BR_RJANRIO_2H Diversos – SDH – Caixas
BR_RJANRIO_NP Diversos – SDH – Códices
BR_RJANRIO_EM Fazenda Nacional de Santa Cruz
BR_RJANRIO_4O Ministério da Fazenda
BR_RJANRIO_A8 Série Interior – Mordomia – Casa Imperial – Casa Presidencial (IJJ3)
BR AN,RIO 22 Decretos do Executivo – Período Imperial
BR AN,RIO OI – Diversos GIFI – Caixas e Códices
Referência da imagem
A Repartição Geral dos Telégrafos: memória histórica. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909. Arquivo Nacional, OR_4511.
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período da Primeira República. Para informações entre 1500-1822 e 1822-1889, consulte Administração da Fazenda Santa Cruz e Administração da Fazenda Santa Cruz.
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