Presidente da República entre 1956 e 1961, o político mineiro foi autor de mudanças significativas na organização econômica e social do país — algumas envolvidas em controvérsias
Criador do lema “50 anos em 5”, Juscelino Kubitschek de Oliveira — ou simplesmente “JK” — governou o Brasil entre 31 de janeiro de 1956 e 31 de janeiro de 1961. O ex-presidente foi responsável por encabeçar a mudança de capital do Rio de Janeiro para Brasília, desenvolver o Plano de Metas e construir rodovias que ligam o país de norte a sul.
Com uma “trajetória política invejável”, como descreve o historiador Maximiliano Martin Vicente, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Bauru, JK conseguiu governar, com apoio popular, em meio a um cenário nacional e internacional de instabilidade. Mas, mesmo com tamanho reconhecimento, foi acompanhado por diversas controvérsias.
Filho da professora Júlia Kubitschek e do caixeiro-viajante João César de Oliveira, JK nasceu no dia 12 de setembro de 1902, na cidade mineira de Diamantina, a cerca de 300 km de Belo Horizonte. Ele teve duas irmãs, Eufrosina, que viveu poucos meses, e Maria da Conceição.
Com a morte do pai em 1905, a família passou a enfrentar dificuldades financeiras e a matriarca assumiu integralmente as responsabilidades de sustentar e educar as crianças. Mesmo sem ter com quem deixar os filhos, ela trabalhava fora de casa e, quando voltava, levava-os para um cômodo que servia como sala de aula. Foi assim que o pequeno Juscelino cursou o primário.
Quando tinha 12 anos, ingressou no seminário dos padres Lazaristas, o único ginásio de Diamantina, para o secundário. Logo de início, porém, JK deixou claro que não pretendia seguir para a formação eclesiástica. Depois de três anos, ele saiu do seminário e, com o objetivo de se tornar médico, deu continuidade aos seus estudos por conta própria.
Em 1922, finalmente concluiu o curso secundário e ingressou na Faculdade de Medicina de Minas Gerais. Apesar das dificuldades em equilibrar os estudos com o trabalho de telegrafista, JK conseguiu se formar em 17 de dezembro de 1927.
Logo nos primeiros anos de carreira, JK atuou como interno na 3ª Enfermaria da Clínica Cirúrgica da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, além de assistente no consultório particular de seu cunhado. Ele também foi nomeado professor na faculdade que acabara de se formar.
JK casou-se com Sarah Gomes de Lemos em 1931. Com ela, teve duas filhas, Márcia e Maria Estela — Foto: Wikimedia Commons
Para a especialização, escolheu seguir a área da urologia e, em 1930, partiu em direção à Europa. Por lá, realizou cursos e estágios em Paris, Viena e Berlim com profissionais renomados. De volta ao Brasil, reassumiu suas funções no consultório particular e na Santa Casa, além de prestar serviços à Caixa Beneficente da Imprensa Oficial.
Absorvido pela medicina, a política parecia algo distante. Mas isso começou a mudar a partir de sua convocação em 1932 para integrar o corpo médico da Força Pública de Minas Gerais (hoje, Polícia Militar).
Trajetória política de JK
Quando estourou a Revolução Constitucionalista, em julho de 1932, JK passou a atuar no “front” de Passa Quatro (MG) contra as forças paulistas. Lá, tornou-se amigo de figuras que se tornaram importantes agentes políticos, como Eurico Gaspar Dutra e Benedito Valadares.
Com o fim do conflito, Getúlio Vargas assumiu a presidência do país e nomeou Valadares como interventor de Minas Gerais. Na nova gestão, Kubitschek foi convidado para trabalhar como Secretário do Governo Estadual, chefiando o Gabinete Civil.
Por seu contato direto e diário com o público, além de seu carisma, foi ganhando popularidade. Assim, sob influência de Valadares, filiou-se ao Partido Progressista (PP) para concorrer ao cargo de deputado federal nas eleições de 1935. JK chegou a ser eleito e iniciou o mandato parlamentar em maio daquele mesmo ano. Porém, com o golpe do Estado Novo em 1937 e o fechamento do Congresso Nacional, perdeu sua cadeira.
Três anos depois, Benedito Valadares, que continuava responsável pela gestão do estado — agora com o título de governador —, convidou Kubitschek para assumir a prefeitura de Belo Horizonte. De volta à política, filiou-se ao recém-formado Partido Social Democrata (PSD) e se encarregou da responsabilidade de remodelar a capital mineira.
Dando uma prévia do que faria quando chegasse à presidência, Kubitschek abriu em Belo Horizonte grandes avenidas e se dedicou às obras de infraestrutura, ampliando as redes de esgoto e de abastecimento de água. Também construiu o conjunto arquitetônico da Pampulha, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, e incentivou a cultura por meio do Museu de Belo Horizonte, do Instituto de Belas Artes e do Curso de Extensão Musical.
Os bons resultados na prefeitura levaram prestígio a JK — que, com o apoio de políticos e da população, consolidou seu nome no cenário regional e nacional. Não à toa, conseguiu uma cadeira como deputado federal em 1945 e se elegeu governador de seu estado natal em 1950.
O carisma de JK lhe garantia recepções calorosas por onde passava — Foto: Memorial JK
“JK tinha um carisma muito espontâneo que o tornava acessível às pessoas e o distanciava da figura tradicional e formal dos políticos. Isso garantiu sua popularidade”, conta a historiadora Albene Miriam Menezes Klemi, professora associada da Universidade de Brasília (UnB). “Constantemente, ele aceitava ser paraninfo de turmas de professoras que se formavam, além de ter o hábito de andar descalço. Não parecia ser algo ensaiado.”
A administração de JK tinha como meta prioritária ampliar a diversificação da economia de Minas Gerais, diminuindo a dependência do estado da produção agropastoril. Para tanto, seu plano focou em três eixos de desenvolvimento: industrialização, estradas e eletrificação. Ao final do mandato, o desenvolvimento do estado era visível, o que fez com que seu nome ficasse ainda mais popular.
Presidente eleito
Com a homologação pelo PSD da candidatura de JK à presidência da República em 1955, o político passou a enfrentar uma forte oposição, protagonizada pela conservadora União Democrática Nacional (UDN). Com a morte de Getúlio Vargas, o partido, representado por Café Filho, assumiu as rédeas do país e colocou em prática sua agenda.
Assim, quando os resultados da eleição confirmaram a vitória de Juscelino Kubitschek, a UDN, liderada por Carlos Lacerda, iniciou uma batalha judicial com o objetivo de anular a chapa vitoriosa. Dentre as ações tomadas pelo partido estava, inclusive, pregar abertamente um golpe de Estado.
Em face às articulações do governo em exercício, o General Henrique Teixeira Lott comandou, em novembro daquele ano, um movimento militar que ficou conhecido como “Golpe Preventivo” ou “Contragolpe”. Com o apoio do Congresso Nacional, Café Filho foi afastado do cargo presidencial e se confirmou a posse de JK e seu vice, João Goulart (Jango), em janeiro de 1956.
Enfim empossado, JK teve como prioridade implementar um projeto político de avanços no país. Com o objetivo de cumprir o slogan “50 anos de desenvolvimento em 5 anos de governo”, formulou o Plano de Metas. Ao todo, eram 31 pontos para se investir na modernização. Segundo o Memorial JK, esses tópicos podem ser agrupados em seis categorias: energia, transporte, alimentação, indústria de base, educação e a meta-síntese, a construção de Brasília.
“Para estimular o nacional-desenvolvimentismo no Brasil, existiam dois caminhos possíveis, pelo capital nacional ou estrangeiro. Kubitschek optou por uma abordagem de retorno mais rápido, o que implicou a abertura do país às empresas europeias e estadunidenses”, aponta Vicente.
No mundo pós-Guerra, a indústria automobilística era o carro-chefe do desenvolvimento capitalista e JK aproveitou-se dessa oportunidade para instalar fábricas das gigantes Volkswagen, Mercedes Benz, Willis Overland e General Motors no território brasileiro. Para as empresas, os incentivos fiscais eram vantajosos; para o país, eram vagas de emprego, diminuição da importação e movimentação na economia local.
Klemi destaca que “o setor automobilístico atendia questões tanto de infraestrutura quanto de mobilidade urbana, facilitando o transporte de cargas e pessoas. Por isso sua importância no contexto da modernização brasileira”. A fabricação local ajudou a equilibrar a balança de pagamentos.
O governo JK também foi responsável por criar alguns dos principais e mais movimentados trajetos rodoviários do território nacional. Exemplos são as rodovias Rio-Belo Horizonte, Belo Horizonte-Brasília, São Paulo-Curitiba, Cuiabá-Porto Velho, Volta Redonda-Três Rios e Nova Rio-Petrópolis, que somam cerca de 20 mil quilômetros de estradas.
Além da construção de vias para carga, Kubitschek investiu pesadamente na energia elétrica. Ao longo dos cinco anos à frente do país, o presidente inaugurou duas novas usinas hidrelétricas, Três Marias e Furnas, ambas em Minas Gerais. Juntas, elas apresentavam uma capacidade de geração maior que 1600 Megawatts por hora (MW/hora), sendo importantes matrizes até hoje.
“Um dos mecanismos que levou o Plano de Metas ao sucesso foi o chamado ‘governo paralelo’. Por meio de comissões e coordenações respondentes à Presidência, era possível gerir os trabalhos técnicos dos seis eixos de desenvolvimento nacional, contornando os entraves da administração direta”, avalia a professora da UnB.
Para além da economia, Albene Klemi indica que os anos de mandato de JK foram marcados por um processo de autoafirmação da nacionalidade. culturalmente, o Brasil da segunda metade da década de 1950 vivia o surgimento da bossa-nova, a ascensão da seleção brasileira e a chegada do cinema e do teatro de arena. “Esses fatores vão influenciar na visão carismática que se havia de Kubitschek, a qual permanece até hoje”.
Brasília: símbolo da modernização
Mais do que o Plano de Metas ou o boom do setor automobilístico, talvez a mudança da capital para Brasília seja o feito que mais seja associado ao governo de Kubitschek. Não é para menos: o plano era audacioso e contou com a mobilização de milhares de profissionais para sua entrega.
A mudança de capital do Rio de Janeiro para o interior do país não foi uma ideia original de JK: desde o século 18 havia estudos sobre a viabilização de um projeto do tipo. A construção da nova capital, inclusive, já estava prevista na Constituição Federal de 1891, em que constava que um território de 14.400 km² no Planalto Central era de posse da União.
População ocupando os prédios da Esplanada no dia de inauguração de Brasília — Foto: Acervo do Instituto Moreira Salles
Mas foi apenas com a chegada de JK ao Executivo Federal que a discussão voltou à pauta. O início da construção foi aprovado no formato da Lei nº 2.874/1956. Assinaram o projeto de desenho de Brasília os arquitetos Oscar Niemeyer, com quem JK já havia firmado parceria quando era prefeito de Belo Horizonte, e Lúcio Costa.
A dupla, em conjunto com Israel Pinheiro, diretor da Companhia Urbanizadora Nova Capital (Novacap), foi responsável por criar os icônicos prédios que, atualmente, servem de sede para os Três Poderes, bem como seus órgãos administrativos. A construção contou com a mão de obra de trabalhadores originários do Nordeste, sobretudo. Seguindo o prazo estabelecido, Brasília foi inaugurada em 1960.
“A cidade foi pensada para ser o símbolo máximo do projeto de modernização e desenvolvimento brasileiro”, relata o professor da Unesp. No centro do território, Brasília deveria representar a união do país e materializar aquilo que havia de mais inovador, por isso, em seus planos, não previa a existência de esquinas e faróis.
Klemi lembra que muitos eram contra a mudança da capital, mas explica que foi um passo importante para o país. “Foi a nossa ‘marcha para o oeste’”, resume, em referência ao que ocorreu nos Estados Unidos no século 19. “A partir de Brasília e das rodovias que a ligavam, o Brasil passou a desenvolver seu interior e ter uma integração regional. O Distrito Federal foi formado por migrantes de diversos locais e, até hoje, serve como um centro de escalas”, explica.
Controvérsias de JK
Mesmo que seja visto com bons olhos pela história, JK também acumulou polêmicas. A começar por Brasília. Ao mesmo tempo que estimulou o desenvolvimento do Centro-Oeste, ceifou a vida de centenas de trabalhadores que atuaram em sua construção.
As obras na cidade, bem como aquelas realizadas por todo o território nacional, geraram gastos na casa dos bilhões de dólares. Isso fez com que o país afundasse ainda mais na sua dívida externa. Grande parte do lucro obtido por empresas multinacionais no Brasil voltavam para suas sedes fora do país. Da mesma forma, os produtos fabricados por aqui não eram acessíveis à maioria da população, o que agravou a desigualdade social.
A escolha pelo grande investimento em rodovias também foi um fator decisivo para o desmantelamento da malha ferroviária brasileira. Esse movimento incitou um extenso processo de desmatamento das vegetações nativas, levando a impactos ambientais severos.
JK governou o país enquanto, no contexto internacional, vivia-se a Guerra Fria, protagonizada pelos Estados Unidos e pela União Soviética. Como a maioria das Américas, o Brasil alinhou-se aos capitalistas e, como tal, manteve vigentes as medidas que reprimiam a existência e organização de grupos políticos socialistas.
Outro ponto controverso sobre Kubitschek é em relação ao seu envolvimento com os militares responsáveis pelo Golpe de Estado de 1964. Tendo encerrado seu mandato, JK passou a faixa presidencial para seu sucessor, Jânio Quadros, e assumiu o cargo de senador por Goiás.
Iniciou-se, então, mais um período de instabilidade política no Brasil. Após alguns meses de governo, Quadros renunciou ao cargo e João Goulart, seu vice, assumiu. A oposição, porém, via nas medidas de Jango, como a proposta de reforma agrária, um “risco” ao capitalismo e se organizou para tirá-lo do poder, com o apoio de membros da sociedade civil, incluindo Juscelino Kubitschek.
Hasteamento da bandeira nacional durante a inauguração de Brasília em 1960 — Foto: Memorial JK
Segundo Maximiliano Vicente, o acordo com os militares era de que Humberto de Alencar Castelo Branco ficaria no poder até a realização de novas eleições em 1965. Isso não aconteceu. “Depois do ‘golpe dentro do golpe’, a cadeira de JK no Senado foi cassada e, por sua popularidade junto à população, ele passou a ser visto como uma ameaça ao Regime Militar. Em uma nova eleição, era quase certo que ele venceria”, conta o historiador.
Devido às pressões sofridas, Kubitschek partiu para um exílio voluntário em junho de 1964, retornando ao Brasil apenas em abril de 1967. “Mesmo de volta ao país, ele foi proibido de entrar em Brasília. Os militares chegaram a impedir que um avião em que estava sequer pousasse na cidade. Também há relatos de um episódio em que ele teria percorrido a capital escondido na cabine de um caminhão à noite, para não ser identificado, enquanto chorava igual a uma criança”, conta Klemi.
Algumas investigações sugerem até que a morte de Juscelino Kubitschek tenha sido encomendada pelos militares. Oficialmente, o ex-presidente morreu no dia 22 de agosto de 1976, vítima de um acidente automobilístico na Rodovia Presidente Dutra. O carro em que estava chocou-se de frente com uma carreta em alta velocidade, quando viajava de São Paulo para o Rio de Janeiro.
Fonte: Revista Galileu
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