Lei Áurea completa 135 anos, mas data não é comemorada pelo movimento negro, que ressalta participação de abolicionistas em vez da filha de Dom Pedro II
Neste sábado (13), a Lei Áurea, que aboliu oficialmente a escravidão no Brasil em 13 de maio de 1888, completa 135 anos. O dispositivo legal foi assinado pela regente do país na época, a princesa Isabel.
A data, no entanto, não é comemorada pelo movimento negro. Um dos motivos é o tratamento dispensado aos que se tornaram ex-escravos. Passada a assinatura da Lei, os negros foram abandonados à própria sorte, sem a realização de indenizações ou reformas que os integrassem à sociedade — seja no Império ou na República, proclamada no ano seguinte.
A abolição no Brasil, apesar da assinatura da princesa, filha do imperador Dom Pedro II, não foi uma benevolência da monarquia. Na verdade, foi resultado de vários aspectos, entre eles, o crescimento do movimento abolicionista na década de 1880. Conheça abaixo 4 figuras históricas negras que contribuíram com o fim da escravidão brasileira:
Maria Firmina dos Reis, a primeira escritora abolicionista
Ilustração de Maria Firmina dos Reis, a primeira escritora abolicionista — Foto: Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP
Segundo a Fundação Cultural Palmares, Maria Firmina dos Reis é considerada a primeira romancista brasileira. Ela nasceu em São Luís, no Maranhão, em 11 de outubro de 1825, filha bastarda de João Pedro Esteves e da escrava alforriada Leonor Felipe dos Reis.
A escritora tinha como avó a também escrava alforriada Engrácia Romana da Paixão, conforme o portal Literafro, sediado no Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade (NEIA) da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Em 1847, aos 22 anos, Maria Firmina foi aprovada em um concurso público para a Cadeira de Instrução Primária, sendo assim a primeira professora concursada de seu Estado. Ela publicou “Úrsula” em 1859, primeiro romance abolicionista e o primeiro escrito por uma mulher negra brasileira.
Em 1887, no auge da campanha abolicionista, a escritora lançou o livro “A Escrava”, reforçando sua postura antiescravista. Ao aposentar-se, em 1880, fundou uma escola mista e gratuita. Ela morreu aos 92 anos, na cidade de Guimarães, em 11 de novembro de 1917.
André Rebouças, o engenheiro que quis dar terras aos libertos
Retrato de André Rebouças — Foto: Wikimedia Commons
André Pinto Rebouças nasceu na cidade de Cachoeira, região do Recôncavo Baiano, no dia 3 de janeiro de 1838. Segundo a Coordenadoria de Promoção de Igualdade Racial de Uruguaiana, ele era filho do conselheiro Antônio Pereira Rebouças e da escrava alforriada Carolina Pinto Rebouças.
De acordo com o site da Universidade Federal de Itajubá, em fevereiro de 1846, sua família se mudou da Bahia para o Rio de Janeiro, onde André frequentou alguns colégios, sempre com ótimo rendimento escolar. Bacharelou-se em Ciências Físicas e Matemáticas, em abril de 1859, na Escola de Aplicação da Praia Vermelha, obtendo o grau de engenheiro militar, em dezembro de 1860.
Além de sua notável carreira de engenheiro, junto de seu irmã Antônio Rebouças Filho, André se destacou como um dos líderes do movimento abolicionista. Ajudou a criar a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, ao lado de Joaquim Nabuco, José do Patrocínio e outros. Participou também da Confederação Abolicionista e redigiu os estatutos da Associação Central Emancipadora.
Com Patrocínio, Rebouças redigiu o importante Manifesto da Confederação Abolicionista em 1883 e finalmente foi ele quem rascunhou, em 1888, as bases da Lei Áurea. Seus ideais receberam apoio e simpatia de Dom Pedro II e da princesa Isabel.
Rebouças, que ajudou a família Imperial a abrigar escravos fugidos em Petrópolis, propunha que os libertos tivessem acesso à terra e a direitos, para serem integrados, não marginalizados. “Não há comunismo na minha nacionalização do solo. É pura e simplesmente democracia rural”, ele proclamou em 1884.
Luiz Gama, o ex-escravo que virou advogado
Luís Gama por volta de 1860 — Foto: Wikimedia Commons
Luiz Gonzaga Pinto da Gama foi um advogado autodidata. Com base nas leis do Império, entrava com ações na Justiça para libertar escravos, contribuindo para livrar da escravidão mais de 500 negros que haviam sido encarcerados.
Conforme o site da Prefeitura de Jacareí, ele era filho de uma africana livre e de um fidalgo português, por isso, não podia ser escravizado. Contudo, o abolicionista nascido em Salvador, em 1830, foi vendido pelo próprio pai a um negociante de escravos, aos 10 anos de idade.
Aprendeu a ler e a escrever aos 17 anos e, aos 18, recuperou sua liberdade após juntar provas de que havia nascido livre.
De escravo a escrivão, Gama trabalhou na Secretaria de Polícia de São Paulo. Conciliou o serviço público com o jornalismo e frequentou a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, apesar de ter sido impedido de se matricular por ser negro.
Nesse período, fundou alguns periódicos, como “O Diabo Coxo” e “Cabrião”, além de ter sido um dos primeiros negros a publicar uma obra: “Primeiras Trovas Burlescas de Getulino”, composta por uma série de sátiras. Ele morreu em decorrência da diabetes, aos 52 anos de idade.
Chiquinha Gonzaga, a maestrina negra e abolicionista
Chiquinha Gonzaga em 1877 — Foto: Wikimedia Commons
Segundo site dedicado a pianista, compositora e regente Chiquinha Gonzaga, ela criou a marchinha carnavalesca, compondo a música que a popularizaria, “Ó abre alas”.
A artista nasceu no Rio de Janeiro, em 17 de outubro de 1847, da união de José Basileu Neves Gonzaga, militar de ilustre linhagem no Império, com Rosa Maria Neves de Lima, filha de escrava.
Gonzaga foi a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. Seu trabalho inovador é marcado pela mediação entre a cultura popular e a erudita. Mas sua importância não está só na música: ela também foi uma participante do movimento abolicionista e vendia suas partituras de porta em porta para comprar a alforria de escravizados.
Chiquinha introduziu a música popular nos salões elegantes e, em setembro de 1917, após anos de campanha, liderou a fundação da sociedade pioneira na arrecadação e proteção dos direitos autorais, a SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais).
José do Patrocínio, o jornalista que auxiliou na fuga de escravos
José do Patrocínio — Foto: Wikimedia Commons
Segundo o Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (NEAMP), da PUC-SP, José Carlos do Patrocínio nasceu de um relacionamento entre o vigário da paróquia de Campos dos Goytacazes, João Carlos Monteiro, e a escrava Justina do Espírito Santo, na época com 15 anos.
O religioso não reconheceu a paternidade do filho, mas o enviou para sua fazenda, onde o menino passou a infância no convívio de escravos, mas sem ser um deles.
Aos 14 anos, Patrocínio foi levado para o Rio de Janeiro, onde estudou Humanidades e se formou no curso de farmácia. Lançou-se no jornalismo em 1877, quando entrou para a “Gazeta de Notícias”, como redator. Dois anos depois iniciou nesse periódico a campanha pela Abolição, juntamente com outros jornalistas.
Junto a Joaquim Nabuco, em 1880, fundou a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. Em maio de 1883, articulou a Confederação Abolicionista, congregando todos os clubes abolicionistas do país, cujo manifesto redigiu e assinou.
Enquanto isso, Patrocínio militava nos meios institucionais e facilitava a fuga de escravos, coordenando campanhas de angariação de fundos para adquirir alforrias, com a promoção de espetáculos ao vivo, comícios em teatros e manifestações em praça pública.
Em 1886, elegeu-se vereador do Rio de Janeiro, com expressiva votação. No ano seguinte fundou seu próprio periódico: “A Cidade do Rio”. Por ironia do destino, o jornal e a própria figura de Patrocínio passaram a ser identificados pela opinião pública como defensores da monarquia em crise.
O abolicionista foi rotulado como um “isabelista” e apontado como um dos mentores da “Guarda Negra”, grupo de ex-escravos que agia com violência contra os comícios republicanos. Após a proclamação da República, em 1889, entrou em conflito com o governo de marechal Floriano Peixoto.
Foi detido e deportado para Cacuí, no alto rio Negro, no Amazonas. Retornou ao Rio de Janeiro em 1893, mas a publicação do “A Cidade do Rio” continuou suspensa. Sem fonte de renda, Patrocínio foi morar no subúrbio de Inhaúma. Faleceu pouco depois, aos 51 anos de idade.
Fonte: Revista Galileu
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